domingo, 9 de abril de 2017

NIETZSCHE - VONTADE DE PODER


Trechos das obras sobre vontade de poder

“O prazer e o desprazer são simples consequências, simples fenômenos secundários. O que o homem quer, o que a menor parcela de organismo vivo quer, é um plus de potência. Na aspiração para um fim, há tanto prazer quanto desprazer; daquela vontade o homem busca a resistência, tem necessidade de algo que se lhe oponha... O desprazer, obstáculo da vontade de potência, é, portanto, um fato normal, o ingrediente normal de todo fenômeno orgânico; o homem não o evita, ao contrário, tem contínua necessidade dele: qualquer vitória, qualquer sentimento de prazer, qualquer acontecimento pressupõe uma resistência vencida. (...) O que chamamos nutrição é simplesmente a consequência, a aplicação dessa vontade primitiva de tornar-se mais forte.
Logo, o desprazer não é acompanhado de uma diminuição de nosso sentimento de potência; tão de somenos é esse o caso que, geralmente, trata-se de uma excitação dessa vontade de potência – o obstáculo é o stimulus da vontade de potência.”  (NIETZSCHE, Vontade de potência, 2011, p.388)

Os fisiólogos deveriam refletir ao estabelecer o impulso de autoconservação com o impulso cardinal de um ser orgânico. Algo que é vivo quer sobretudo dar vazão à sua força – a vida mesma é vontade de poder –: a autoconservação é apenas uma das consequências indiretas e mais frequentes disso. (...)” (NIETZSCHE, Além do bem e do mal, 2010, p. 35)

“Todo sentimento que leva a superação é ‘saudável’ e todo sentimento que retrai e faz querer destruir algo é ‘doentio’.
(...) O prazer é um sentimento da potência: quando se excluem as paixões, excluem-se as condições que provocam o sentimento de potência ao mais alto grau, e consequentemente o prazer. A mais alta "razoabilidade" é um estado frio e claro que está longe de provocar aquele sentimento de felicidade que traz consigo toda espécie de embriaguez...” (NIETZSCHE, Vontade de potência, 2011, p.322)

“(...) o prazer é apenas um sintoma do sentimento de que a potência foi atingida, é a percepção de uma diferença (não se aspira ao prazer: este produz-se desde que se atinge ao que se aspirava: o prazer acompanha, ele não põe em movimento); que toda a força é vontade de potência, que não há outra força física, dinâmica ou psíquica...”(NIETZSCHE, Vontade de potência, 2011, p.386)

Sobre a doutrina do sentimento de poder — Ao fazer o bem e mal aos outros exercitamos o nosso poder sobre eles — é, nesse caso, o que queremos! Fazemos mal a quem devemos fazer sentir nosso poder, pois o sofrimento é um meio muito mais sensível, para esse fim, do que o prazer: o sofrimento procura sempre a sua causa enquanto o prazer mostra inclinação para se bastar a si próprio e a não olhar para trás. Ao fazer bem ou ao desejarmos o bem exercemos o nosso poder sobre aqueles que, de alguma forma, já estão na nossa dependência (quer dizer que se habituaram a pensar em nós como suas causas); queremos aumentar o seu poder porque assim aumentamos o nosso, ou queremos mostrar-lhes a vantagem que há em estar em nosso poder; (...) mesmo se arriscarmos a nossa vida, como o mártir [pessoa que sofreu torturas, ou mesmo morte, por não renunciar a qualquer outra crença] pela sua igreja, é um sacrifício que fazemos à nossa necessidade de poder, ou com a finalidade de conservar o nosso sentimento de poder. Quando se sente profundamente que se "possui o verdadeiro", quantas outras posses não se abandonariam para conservar este sentimento! O que não se lança pela borda afora para continuar à superfície, ou seja, continuar "por cima" daqueles que carecem da verdade! Indubita­velmente, é raro que o estado que acompanha o gesto de fazer mal seja tão agradável, tão puramente agradável, como aquele que acompanha o gesto de fazer bem; trata-se de um sinal que revela que ainda nos falta poder ou que trai o nosso desgosto diante desta pobreza, anunciando novos perigos e novas incertezas para o nosso capital de poder, mantendo o nosso horizonte velado por perspecti­vas de vingança, escárnio, punição, malogro. Somente para os ho­mens mais irritáveis, para pessoas mais ávidas do sentimento de poder, pode haver algum prazer em imprimir ao recalcitrante [aquele que demonstra resistência em obedecer] o selo do seu domínio; para aqueles que só veem nisso aborrecimento, é um desprazer o espetáculo de um ser já submetido (tornado objeto de benevolência). Trata-se de saber como o homem acostumou-se a temperar sua vida; é sempre uma questão de gosto: quer que o crescimento de poder seja lento ou brusco, seguro ou perigoso e temerário? Procura-se esta ou aquela especiaria conforme a inclinação do nosso temperamento. Uma presa fácil, para as naturezas orgulhosas, é algo de desprezível; só experimentam um sentimento de bem-estar diante de homens íntegros que poderiam tornar-se seus inimigos, e diante de todas as posses dificilmente acessíveis; muitas vezes duras, para aquele que sofre, porque não o julgam digno do seu esforço e da sua altivez, mas mostram-se tanto mais corteses para com os seus semelhantes com os quais a luta seria certamente honrosa, se aparecesse ocasião para isso. Foi sob o efeito do sentimento de bem-estar que lhe dava esta perspectiva que os homens da casta cavalheiresca se acostumaram a usar uns para com os outros de uma delicadeza requintada. A piedade é o sentimento mais agradável para aqueles que são pouco orgulhosos e que não têm possibilidades de fazer grandes conquistas: a presa fácil — qualquer ser sofredor é presa fácil — é coisa que os encanta. Louva-se a piedade como sendo a virtude das mulheres de vida alegre. (NIETZSCHE, A Gaia Ciência, 2012, p.45-46)

“As funções animais são mil vezes mais importantes que os belos estados de alma e os ápices da consciência: estes últimos são um excedente enquanto não devem ser instrumentos para essas funções animais. Toda a vida consciente, o espírito assim como a alma e o coração, a bondade assim como a virtude, a serviço de quem elas trabalham? A serviço de um aperfeiçoamento, tão grande quanto possível, das funções animais essenciais (os meios de nutrição, de aumento de energia): antes de tudo, a serviço do aumento da vida.
O que chamamos "corpo" e "carne" tem muito mais importância: o resto é um pequeno acessório. Continuar a tecer a tela da vida, de maneira que o fio se torne cada vez mais potente, eis a tarefa.
(...)
A consciência é simplesmente um meio; os sentimentos agradáveis ou desagradáveis também não são mais que meios! De acordo com que avaliamos objetivamente o valor? Somente de acordo com a quantidade de potência aumentada e organizada.” (NIETZSCHE, Vontade de potência, 2011, p.396)

“(...) a vontade não é apenas um complexo de sentir e pensar, mas antes de tudo, ainda um afeto (...). Um homem que quer – ordena a um algo em si que obedece ou que ele acredita que obedece. (...) na medida em que no caso dado somos ao mesmo tempo os mandantes e os obedecentes, e, como obedecentes, conhecemos as sensações de coação, insistência, pressão, resistência, movimento, que costumam iniciar imediatamente após  o ato de vontade; na medida em que por outro lado, temos o hábito de não fazer caso, de nos enganar acerca dessa dualidade graças ao conceito sintético ‘eu’, prendeu-se ao querer ainda toda uma cadeia de conclusões errôneas e, por conseguinte, de falsas valorações da própria vontade — de tal modo que o querente [que quer] acredita de boa-fé que o querer basta para a ação. (...) a aparência se traduziu na sensação de que aí haveria uma necessidade do efeito; em suma, o querente acredita, com um razoável grau de certeza, que vontade e ação, de algum modo, são uma só coisa – ele atribui o êxito, a execução do querer, à própria vontade, gozando com isso de um aumento daquela sensação de poder que todo êxito traz consigo. ‘Livre-arbítrio’ – essa é a expressão para aquele multiforme estado de prazer do querente que ordena e ao mesmo tempo se funde num só com o executante – que, como tal, goza conjuntamente o triunfo sobre as resistências, mas julga consigo mesmo que foi sua própria vontade que verdadeiramente superou as resistências.” (NIETZSCHE, Além do bem e do mal, 2010, p. 40-41)

“O que é bom? –  Tudo o que eleva a sensação de poder, a vontade de poder, o próprio poder no homem.
O que é ruim? – Tudo o que provém da fraqueza.
O que é a felicidade? – A sensação de que o poder cresce, de que uma resistência é superada.
Não o contentamento, porém mais poder; acima de tudo não a paz, mas a guerra; não a virtude, mas a exce­lência (virtude no estilo da Renascença, virtù, virtude sem moralina).
Os fracos e os malogrados [frustrado] devem sucumbir: pri­meira tese de nosso amor à humanidade. E ainda devem ser ajudados nisso.
O que é mais danoso do que qualquer vício? - A compaixão ativa por todos os malogrados e fracos – o cristia­nismo...” (NIETZSCHE, O Anticristo, 2016, p.14)