Trechos das obras sobre vontade de poder
“O prazer e o desprazer são simples
consequências, simples fenômenos secundários. O que o homem quer, o que a menor
parcela de organismo vivo quer, é um plus de potência. Na aspiração para um
fim, há tanto prazer quanto desprazer; daquela vontade o homem busca a
resistência, tem necessidade de algo que se lhe oponha... O desprazer,
obstáculo da vontade de potência, é, portanto, um fato normal, o ingrediente
normal de todo fenômeno orgânico; o homem não o evita, ao contrário, tem
contínua necessidade dele: qualquer vitória, qualquer sentimento de prazer,
qualquer acontecimento pressupõe uma resistência vencida. (...) O que chamamos
nutrição é simplesmente a
consequência, a aplicação dessa vontade primitiva de tornar-se mais forte.
Logo, o desprazer não é acompanhado de
uma diminuição de nosso sentimento de potência; tão de somenos é esse o caso que,
geralmente, trata-se de uma excitação dessa vontade de potência – o obstáculo é
o stimulus da vontade de potência.” (NIETZSCHE, Vontade de potência, 2011, p.388)
“Os fisiólogos deveriam refletir ao estabelecer o impulso de autoconservação com o impulso cardinal de um ser orgânico.
Algo que é vivo quer sobretudo dar vazão à sua força – a vida mesma é
vontade de poder –: a autoconservação é apenas uma das consequências indiretas e mais frequentes disso. (...)” (NIETZSCHE,
Além do bem e do mal, 2010, p. 35)
“Todo sentimento que leva a superação é ‘saudável’
e todo sentimento que retrai e faz querer destruir algo é ‘doentio’.
(...)
O prazer é um sentimento da potência: quando se excluem as paixões, excluem-se
as condições que provocam o sentimento de potência ao mais alto
grau, e consequentemente o prazer. A mais alta "razoabilidade" é um
estado frio e claro que está longe de provocar aquele sentimento
de felicidade que traz consigo toda espécie de embriaguez...” (NIETZSCHE, Vontade de potência, 2011, p.322)
“(...) o prazer é apenas um
sintoma do sentimento de que a potência foi atingida, é a percepção
de uma diferença (não se aspira ao prazer: este produz-se desde que se
atinge ao que se aspirava: o prazer acompanha, ele não põe em movimento);
que toda a força é vontade de potência, que não há outra força física,
dinâmica ou psíquica...”(NIETZSCHE, Vontade
de potência, 2011, p.386)
“Sobre a doutrina do sentimento de
poder — Ao fazer o bem e mal aos outros exercitamos o nosso poder sobre
eles — é, nesse caso, o que queremos! Fazemos mal a quem devemos fazer sentir
nosso poder, pois o sofrimento é um meio muito mais sensível, para esse fim, do
que o prazer: o sofrimento procura sempre a sua causa enquanto o prazer mostra
inclinação para se bastar a si próprio e a não olhar para trás. Ao fazer bem ou
ao desejarmos o bem exercemos o nosso poder sobre aqueles que, de alguma forma,
já estão na nossa dependência (quer dizer que se habituaram a pensar em nós
como suas causas); queremos aumentar o seu poder porque assim aumentamos o
nosso, ou queremos mostrar-lhes a vantagem que há em estar em nosso poder;
(...) mesmo se arriscarmos a nossa vida,
como o mártir [pessoa que sofreu torturas, ou mesmo morte, por não renunciar a qualquer
outra crença] pela sua igreja, é um sacrifício que fazemos à nossa
necessidade de poder, ou com a finalidade de conservar o nosso sentimento de
poder. Quando se sente profundamente que se "possui o verdadeiro",
quantas outras posses não se abandonariam para conservar este sentimento! O que
não se lança pela borda afora para continuar à superfície, ou seja, continuar
"por cima" daqueles que carecem da verdade! Indubitavelmente, é raro
que o estado que acompanha o gesto de fazer mal seja tão agradável, tão
puramente agradável, como aquele que acompanha o gesto de fazer bem; trata-se
de um sinal que revela que ainda nos falta poder ou que trai o nosso desgosto
diante desta pobreza, anunciando novos perigos e novas incertezas para o nosso
capital de poder, mantendo o nosso horizonte velado por perspectivas de
vingança, escárnio, punição, malogro. Somente para os homens mais irritáveis,
para pessoas mais ávidas do sentimento de poder, pode haver algum prazer em
imprimir ao recalcitrante [aquele que demonstra resistência em obedecer] o selo do seu domínio; para aqueles que só veem nisso
aborrecimento, é um desprazer o espetáculo de um ser já submetido (tornado
objeto de benevolência). Trata-se de saber como o homem acostumou-se a temperar
sua vida; é sempre uma questão de gosto: quer que o crescimento de poder
seja lento ou brusco, seguro ou perigoso e temerário? Procura-se esta ou aquela
especiaria conforme a inclinação do nosso temperamento. Uma presa fácil, para
as naturezas orgulhosas, é algo de desprezível; só experimentam um sentimento
de bem-estar diante de homens íntegros que poderiam tornar-se seus inimigos, e
diante de todas as posses dificilmente acessíveis; muitas vezes duras, para
aquele que sofre, porque não o julgam digno do seu esforço e da sua altivez,
mas mostram-se tanto mais corteses para com os seus semelhantes com os quais a
luta seria certamente honrosa, se aparecesse ocasião para isso. Foi sob o
efeito do sentimento de bem-estar que lhe dava esta perspectiva que os homens
da casta cavalheiresca se acostumaram a usar uns para com os outros de uma
delicadeza requintada. A piedade é o sentimento mais agradável para aqueles que
são pouco orgulhosos e que não têm possibilidades de fazer grandes conquistas:
a presa fácil — qualquer ser sofredor é presa fácil — é coisa que os encanta.
Louva-se a piedade como sendo a virtude das mulheres de vida alegre.
(NIETZSCHE, A Gaia Ciência, 2012, p.45-46)
“As
funções animais são mil vezes mais importantes que os belos estados de alma e
os ápices da consciência: estes últimos são um excedente enquanto não devem ser
instrumentos para essas funções animais. Toda a vida consciente, o
espírito assim como a alma e o coração, a bondade assim como a virtude, a
serviço de quem elas trabalham? A serviço de um aperfeiçoamento, tão
grande quanto possível, das funções animais essenciais (os meios de nutrição,
de aumento de energia): antes de tudo, a serviço do aumento
da vida.
O
que chamamos "corpo" e "carne" tem muito mais importância:
o resto é um pequeno acessório. Continuar a tecer a tela da vida, de maneira
que o fio se torne cada vez mais potente, eis a tarefa.
(...)
A consciência é simplesmente um meio;
os sentimentos agradáveis ou desagradáveis também não são mais
que meios! De acordo com que avaliamos objetivamente o valor? Somente de acordo
com a quantidade de potência aumentada e organizada.” (NIETZSCHE, Vontade
de potência, 2011, p.396)
“(...)
a vontade não é apenas um complexo de sentir e pensar, mas antes de tudo, ainda
um afeto (...). Um homem que quer – ordena a um algo em si que
obedece ou que ele acredita que obedece. (...) na medida em que no caso dado
somos ao mesmo tempo os mandantes e os obedecentes, e, como obedecentes,
conhecemos as sensações de coação, insistência, pressão, resistência, movimento,
que costumam iniciar imediatamente após
o ato de vontade; na medida em que por outro lado, temos o hábito de não
fazer caso, de nos enganar acerca dessa dualidade graças ao conceito sintético
‘eu’, prendeu-se ao querer ainda toda uma cadeia de
conclusões errôneas e, por conseguinte, de falsas valorações da própria
vontade — de tal modo que o querente [que quer] acredita de boa-fé que o querer basta para a ação. (...) a aparência se traduziu na sensação
de que aí haveria uma necessidade do efeito; em suma, o querente
acredita, com um razoável grau de certeza, que vontade e ação, de algum modo, são uma só coisa – ele atribui o êxito, a
execução do querer, à própria vontade, gozando com isso de um aumento daquela
sensação de poder que todo êxito traz consigo. ‘Livre-arbítrio’ – essa é a expressão para aquele multiforme estado de
prazer do querente que ordena e ao mesmo tempo se funde num só com o executante
– que, como tal, goza conjuntamente o triunfo
sobre as resistências, mas julga consigo mesmo que foi sua própria vontade que
verdadeiramente superou as resistências.” (NIETZSCHE, Além do bem e do mal,
2010, p. 40-41)
“O que é bom? – Tudo o que eleva a
sensação de poder, a vontade de poder, o próprio poder no homem.
O que é ruim? – Tudo o que provém da fraqueza.
O que é a felicidade? – A sensação de que o poder cresce, de que
uma resistência é superada.
Não o contentamento, porém mais poder; acima de tudo não a paz,
mas a guerra; não a virtude, mas a excelência (virtude no estilo da
Renascença, virtù, virtude sem moralina).
Os fracos e os malogrados [frustrado] devem sucumbir: primeira tese de nosso amor à humanidade. E ainda
devem ser ajudados nisso.
O que é mais danoso do que qualquer vício? - A compaixão ativa por
todos os malogrados e fracos – o cristianismo...” (NIETZSCHE, O Anticristo,
2016, p.14)