quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Max Stirner


Trechos da obra: O único e sua propriedade

Sobre o proletário, o burguês e o ócio

“Como o liberalismo só se completa ao criticar-se a si mesmo, no liberalismo ‘crítico’ – em que, aliás, o crítico continua a ser um liberal, não ultrapassando o princípio do liberalismo, o homem –, o melhor modo de o designar é atendendo ao homem, e por isso lhe chamamos liberalismo ‘humano’.
O trabalhador é visto como o mais materialista e egoísta dos homens. Não faz nada pela humanidade, faz tudo por si e para o seu bem-estar.
A burguesia, como só declarou o homem livre à nascença [nascimento], deixou-o, quanto ao resto, nas garras dos desumanos (egoístas). Por isso, o egoísmo tem um campo imenso à sua disposição sob o liberalismo.
Tal como o burguês usava o Estado, assim também o trabalhador usará a sociedade para os seus fins egoístas. ‘Tu só tens um fim em vista, o egoísmo do teu bem-estar!’, é o que o humanista aponta ao socialista. ‘Segue um interesse puramente humano, e podes contar comigo!’. ‘Mas para isso é preciso uma consciência mais forte e mais alargada do que a de um trabalhador’. ‘O trabalhador não faz nada, e por isso não tem nada: mas não faz nada porque o seu trabalho é sempre isolado, calculado para as suas próprias necessidades do dia-a-dia’. Perante isto, podemos pensar o seguinte: o trabalho de Gutenberg [inventor da prensa móvel] não ficou isolado, mas gerou inúmeros filhos e vive ainda hoje, porque foi calculado para as necessidades da humanidade, um trabalho eterno e imperecível.
A consciência humanitária despreza tanto a consciência do burguês como a do trabalhador: porque o burguês fica apenas ‘indignado’ com os vagabundos (todos aqueles que não têm uma ‘ocupação definida’) e a sua ‘imoralidade’; o trabalhador ‘irrita-se’ com o preguiçoso (‘madraço’) e os seus princípios ‘imorais’, porque parasitários a associais [agregados]. Contra isto, o humanista responde: A instabilidade de tantos é um produto teu, filisteu [aquele que é ou se mostra inculto e cujos interesses são estritamente materiais, vulgares]! Mas tu, proletário, queres que todos se esfalfem [esgotem], queres tornar universal o trabalho de escravo, mas isso vem de até agora teres sido sempre um burro de carga. O que tu queres é que todos se matem a trabalhar, para aliviar o próprio trabalho, mas apenas para que todos possam ter a mesma dose de ócio. Mas o que é que eles vão fazer com o seu ócio? Que coisa faz a tua ‘sociedade’ para que esse ócio seja passado de forma humana? Tem de deixar outra vez ao arbítrio [vontade] egoísta o ócio conquistado, e precisamente o lucro que a tua sociedade exige irá beneficiar o egoísta, do mesmo modo que o lucro da burguesia, a ausência de dominação pessoal do homem, não pôde ser preenchido pelo Estado com um conteúdo humano, e por isso foi deixado à arbitrariedade [casualidade].
É claro que é preciso que o homem se liberte de senhores; mas isso não pode implicar que o egoísta [individualista] se torne novamente senhor do homem, pois é o homem que deve dominar o egoísta. É claro que o homem tem de ter ócio [folga, repouso, quietação], mas se o egoísta se aproveita dele, ele de nada aproveitará aos homens; por isso, deveríeis dar ao ócio um significado humano. Mas vós, trabalhadores, até o vosso trabalho executais a partir de impulsos egoístas, porque o que quereis é comer, beber, viver; por que é que haveríeis de ser menos egoístas quando se trata do ócio? Vós só trabalhais porque depois do trabalho é bom festejar (preguiçar) [vadiar], e deixais ao acaso o preenchimento dos vossos tempos de ócio.” (p.102-103)

Sobre o trabalho

“O trabalho deveria satisfazê-lo como homem, e em vez disso satisfaz a sociedade; a sociedade deveria tratá-lo como homem, mas trata-o como... trabalhador miserável ou miserável que trabalha.
Trabalho e sociedade são-lhe úteis, não para satisfazer as suas exigências de homem, mas de egoísta [no sentido negativo].
(...)
Por isso, o liberalismo humanista diz: Vós quereis o trabalho. Muito bem, nós também, mas queremo-lo de forma plena. Não o queremos para podermos ter lazer, mas para encontrar nele próprio toda a satisfação. Queremos o trabalho porque ele é o fundamento do nosso desenvolvimento pessoal.
Mas então o trabalho terá de estar à altura dessa exigência! (...) o trabalho que seja a auto-revelação do homem, de modo a que se possa dizer: laboro, ergo sum, trabalho, logo sou um homem. O liberal humanista pede um labor do espírito que elabore, transformando-a, toda a matéria, o espírito que não deixe nada intocado ou como é, o espírito que não se deixa aquietar, que analisa e submete a renovada crítica os resultados obtidos. Este espírito inquieto é o verdadeiro trabalhador, que anula os preconceitos, destrói barreiras e limitações e eleva o homem acima de todas as coisas que pretendem dominá-lo, enquanto o comunista trabalha apenas para si, e nem sequer por livre escolha, mas por necessidade –  em suma, concebe o trabalho como forçado.
Um trabalhador deste tipo não é egoísta [no sentido negativo], porque não trabalha para indivíduos, nem para si próprio nem para outros indivíduos, portanto não para indivíduos privados, mas para a humanidade e o seu progresso; não alivia dores individuais, não resolve necessidades individuais, mas levanta as barreiras que oprimem a humanidade, destrói preconceitos que dominam épocas inteiras, supera obstáculos que atravancam o caminho de todos, elimina erros que confundem os homens, descobre verdades que valerão para todos e para todos os tempos, em suma... vive e trabalha para a humanidade.
Acontece que, em primeiro lugar, o descobridor de uma grande verdade sabe muito bem que ela poderá ser útil aos outros; e, como não lhe dá qualquer prazer guardá-la zelosamente só para si, comunica-a aos outros; mas, apesar de ter consciência de que a sua comunicação pode ter valor para os outros, isso não significa que a tenha buscado e encontrado por amor dos outros, mas para si próprio, porque sentia esse desejo, porque o obscurantismo e o erro lhe não davam descanso até ele, empenhando o melhor das suas forças, alcançar a luz e o esclarecimento. Ou seja, ele trabalha para si e para satisfazer os sem desejos. O fato de, com isso, poder ser útil aos outros e até à posteridade, em nada afeta o carácter egoísta do seu trabalho.” (p.108-109)

Sobre a lei

“Esforçamo-nos por distinguir a lei da ordem arbitrária [casual], de um comando, dizendo que aquela parte de uma autoridade legítima [autêntica]. Mas uma lei sobre a ação humana (lei ética, lei do Estado, etc.) é sempre uma expressão de uma vontade, logo uma ordem. Mesmo se eu fizesse a minha lei só para mim, ela seria apenas a minha ordem, a que eu poderia recusar obedecer em qualquer momento. Poderia dizer-se: alguém pode sempre declarar o que está disposto a suportar, proibindo o que se lhe oponha através de uma lei, ameaçando considerar seu inimigo todo o transgressor [violador]; mas ninguém pode mandar nas minhas ações, ninguém me pode querer impor [fixar] este ou aquele modo de agir através de uma lei a que me obriga. Tenho de aceitar o fato de ele me querer tratar como seu inimigo, mas nunca que ele ponha e disponha de mim como se eu fosse criatura sua, nem que ele faça da sua razão ou desrazão a minha regra de conduta.” (p.155)

Sobre o Estado

“Os Estados só duram enquanto houver uma vontade dominante e essa vontade for vista como idêntica à vontade própria. A vontade do senhor é... lei. De que te servem as tuas leis se ninguém as segue, de que te servem as tuas ordens se ninguém lhes obedece? O Estado não pode abdicar da pretensão de determinar a vontade individual de especular sobre ela e de contar com ela. Para ele é absolutamente necessário que ninguém tenha vontade própria; se alguém a tiver, o Estado tem de a eliminar (prendendo-o, exilando-o, etc.); se todos a tivessem, poderiam abolir [acabar, eliminar] o Estado. O Estado não é imaginável sem dominação e opressão (sujeição), porque o Estado tem de querer ser senhor de todos aqueles que abarca [abrange, inclui], e a esta vontade chama-se ‘vontade do Estado’.” (p.156)

“Todo o Estado é um regime despótico [poder isolado, arbitrário], quer o déspota seja um ou muitos, quer sejam todos os dominadores, cada um exercendo a sua ação despótica sobre os outros, como se pensa que acontece numa república. Isto acontece de fato quando uma lei, uma vez estabelecida na sequência da clara vontade de uma assembleia nacional, passe a ser uma lei para todo o indivíduo, que lhe deve obediência e perante a qual tem o dever de obediência. Mesmo imaginando que cada indivíduo tinha manifestado a mesma vontade e assim se formaria uma ‘vontade geral’, mesmo assim as coisas não se alterariam. Não ficaria eu preso, hoje e depois, à minha vontade de ontem? Neste caso, a minha vontade ficaria petrificada [estagnada]. Detestável sensibilidade! A minha criatura, isto é, uma determinada expressão de vontade, tornar-se-ia no meu tirano, e eu, seu criador dotado de vontade, ficaria tolhido no meu desenvolvimento e na minha dissolução. Pelo fato de ontem ter sido um idiota, estaria condenado a permanecer assim para o resto da vida. Deste modo, na vida do Estado eu sou, na melhor das hipóteses – também poderia dizer: na pior –, um escravo de mim próprio. Porque ontem fui um ser de vontade, hoje sou um ser sem vontade; ontem voluntário, hoje involuntário.” (p.156)

“Seria o caos total se cada um pudesse fazer o que lhe apetece [quer, anseia]!” Mas quem diz que cada um pode fazer tudo? Para que é que tu estás aqui, tu que não tens de aceitar tudo? Defende-te, e ninguém te fará nada! Quem quiser quebrar a tua vontade terá de se haver contigo e é teu inimigo. Trata-o como tal. Se tiveres atrás de ti uns quantos milhões para te protegerem, sereis uma força imponente e triunfareis facilmente. Mas mesmo que a vossa força vos traga o respeito do adversário, isso não significa que sejais uma autoridade sagrada, a não ser que ele seja um ladrão. Ele não vos deve respeito nem consideração, ainda que tenha de tomar cuidado perante a vossa força.
Costumamos classificar os Estados de acordo com a forma como o ‘poder supremo’ neles está repartido. Se for por um só – monarquia; se for por todos – democracia, etc. O poder supremo, então! Poder contra quem? Contra o indivíduo e a sua ‘vontade própria’. O Estado exerce o seu ‘poder’, o indivíduo não o pode fazer. O comportamento do Estado é o do poder violento: a esse poder ele chama ‘direito’, ao do indivíduo chama-lhe ‘crime’. O poder do indivíduo chama-se então crime, e só pelo crime ele pode quebrar o poder do Estado, se for de opinião que não é o Estado que está acima dele, mas ele acima do Estado.” (p.157)

“Todo o eu é, desde o nascimento, um criminoso contra o povo, contra o Estado. Por isso este vigia realmente todos, vê em cada indivíduo um... egoísta [individualista], e receia os egoístas. Imagina o pior de cada um, e dá atenção, atenção policial, a que ‘nenhum dano possa ser feito ao Estado’, ne quid respublica detrimenti capiat [para que o Estado não sofra nenhum dano]. O eu sem peias [travas] – e é isso que somos originalmente, e continuamos a sê-lo no mais íntimo de nós – é para o Estado o criminoso em permanência. O indivíduo que é guiado pela sua ousadia, pela sua vontade, pela sua indiferença aos princípios e aos receios, é rodeado de espiões ao serviço do Estado e do povo. E digo: do povo! O povo – e vós, cidadãos bondosos, que pensais maravilhas dele! –, o povo está totalmente impregnado de mentalidade policial. Só quem renuncia ao seu eu, só quem pratica a ‘negação de si’, agrada ao povo.” (p.159-160)

“Aquilo a que se chama Estado é um entrançado e uma rede de dependências e adesões, é qualquer coisa da ordem da pertença [pertinência], uma coesão [concordância], no âmbito da qual os membros se adaptam uns aos outros, ou seja, dependem uns dos outros: o Estado é a ordem dessa dependência. Imaginemos que o rei, cuja autoridade concede autoridade a todos, até ao nível do esbirro [agente de polícia], desaparecia; nesse caso, todos aqueles em quem o sentido da ordem continuasse desperto manteriam a ordem contra a desordem da bestialidade [brutalidade]. E se a desordem vencesse, o Estado desapareceria.
Mas estará esta ideia do amor – adaptarmo-nos uns aos outros, ligados e dependentes – verdadeiramente em condições de nos conquistar? Se assim fosse, o Estado seria a realização do amor, e cada um existiria e viveria para os outros. A aceitação do sentido da ordem não faz perder o sentido de si, a vontade individual? Não nos contentaremos então se a força impuser a ordem, isto é, que ninguém ‘se chegue de mais’ ao outro, para que o rebanho possa ser conduzido e disposto de forma conveniente? Assim, tudo estará na “melhor ordem”, e essa ordem chama-se... Estado.”
(p.176-177)

“As nossas sociedades e os nossos Estados são sem que nós os façamos, estão unidos sem que nós o estejamos, são predestinados e existem ou têm uma existência própria e independente, constituem, contra nós, egoístas [individualistas], o irredutível estado de coisas vigente [validas]. A luta que hoje se trava no mundo dirige-se, como se diz, contra o ‘estado de coisas vigente’. Mas geralmente entende-se isto de forma errada, como se o que agora existe tivesse apenas de ser trocado por outra coisa melhor. Mas a guerra deveria ser declarada ao próprio existir desse estado de coisas, ou seja, ao Estado (status), não a um determinado Estado nem ao estado atual do Estado; o que se tem em vista não é um outro Estado (por exemplo, um ‘Estado popular’), mas a associação que ele representa, a união, sempre fluida, de todos os elementos existentes. Um Estado existe sem que eu tenha de fazer nada por isso: eu nasço nele, cresço nele, tenho os meus deveres para com ele e tenho de lhe ‘prestar homenagem’. Por sua vez, o Estado recebe-me na sua ‘graça’, e eu vivo dela. Assim, a existência autônoma [independente, livre] do Estado fundamenta a minha dependência, a sua ‘naturalidade’, o seu organismo, exigem que a minha natureza não cresça livremente, mas se lhe ajuste. Para que ele se possa desenvolver de forma natural, aplica-me a mim a tesoura da ‘cultura’; dá-me uma instrução e uma educação que lhe servem a ele, mas não a mim, e ensina-me, por exemplo, a respeitar as leis, a não agir contra a propriedade do Estado (isto é, propriedade privada), a venerar uma autoridade, divina e terrena, etc.; em suma, ensina-me a ser irrepreensível, exigindo com isso que eu ‘sacrifique’ a minha singularidade [distinção] própria a algo de ‘sagrado’ (e muitas coisas podem ser sagradas, por exemplo a propriedade, a vida dos outros, etc.). Nisso consiste o tipo de cultura e formação que o Estado me pode dar: educa-me para eu ser uma ‘ferramenta útil’, um ‘membro útil da sociedade’.” (p.177)

“Estado tem sempre uma única finalidade: limitar o indivíduo, refreá-lo, subordiná-lo, fazer dele súbdito de uma qualquer ideia geral; só dura enquanto o indivíduo não for tudo em tudo, e é apenas a mais marcada expressão da limitação do meu eu, da minha limitação e da minha escravidão. Nunca um Estado tem como objetivo permitir a atividade livre de cada indivíduo, mas sempre aquelas que estão ligadas aos interesses do Estado. E também nada de comum pode nascer dele, do mesmo modo que um tecido não pode ser visto como o trabalho comum de todas as partes de uma máquina; trata-se antes do trabalho de toda a máquina como uma unidade, um trabalho mecânico. A forma como as coisas acontecem com a máquina do Estado é semelhante; é ela que faz mover as engrenagens de cada um dos espíritos em particular, mas nenhum deles pode seguir o seu próprio impulso. O Estado procura travar toda a atividade livre, através da sua censura, da sua vigilância, da sua polícia, e toma isso como seu dever, que é na verdade um dever que lhe é ditado pelo seu instinto de conservação. O Estado quer fazer alguma coisa dos homens, e é por isso que nele só vivem homens fabricados; todo aquele que quiser ser ele próprio é seu inimigo, e não vale nada. Este ‘não vale nada’ significa que o Estado não encontra utilidade para ele, não lhe confia nenhuma posição, nenhum posto, nenhum negócio, etc.” (p.179-180)

“(...) Sob a dominação do Estado, não há propriedade a que possa chamar minha.
Eu quero elevar o valor de mim próprio, o valor da singularidade-do-próprio, e pede-se-me que desvalorize a propriedade? A minha resposta é não! Do mesmo modo que, até agora, eu não fui levado em conta, porque se colocava acima de mim o povo, a humanidade e mil outras instâncias universais, também a propriedade não foi até hoje reconhecida no seu devido valor. Também a propriedade era apenas propriedade de um fantasma, por exemplo, propriedade do povo; toda a minha existência ‘pertencia à pátria’: Eu pertencia à pátria, ao povo, ao Estado, e com isso também tudo aquilo a que chamava meu. Exige-se dos Estados que erradiquem o pauperismo [absoluta pobreza]. A mim parece-me que isso significa a exigência de o Estado cortar a própria cabeça e pô-la aos seus pés; porque enquanto o Estado for o eu, o eu individual será sempre um pobre diabo, um não-eu. O Estado tem apenas um interesse, o de ser rico; não lhe importa saber se o Manuel é rico e o João é pobre, e também ficaria indiferente se o João fosse rico e o Manuel pobre. Ele assiste, indiferente, a este jogo de sorte que leva uns a ficar pobres e outros ricos. Enquanto indivíduos, eles são, perante o Estado, realmente iguais, e nisso ele é justo: perante ele, ambos são... nada, tal como nós, ‘perante Deus, somos todos pecadores’. Mas o Estado já tem um grande interesse em que aqueles indivíduos que fazem dele o seu eu partilhem da sua riqueza: faz deles participantes da sua propriedade. Através da propriedade, com a qual recompensa os indivíduos, ele domestica-os; mas a propriedade continua a ser sua, e cada um pode apenas usufruir dela enquanto trouxer em si o eu do Estado ou for ‘um leal membro da sociedade’; caso contrário, a propriedade é confiscada ou reduzida a nada por meio de processos penais. A propriedade é e será, assim, propriedade do Estado, e não propriedade do eu. O fato de o Estado não retirar de forma arbitrária [aleatória] ao indivíduo aquilo que este dele recebe significa apenas que o Estado não se rouba a si próprio. Quem for um eu-de-Estado, isto é, um bom cidadão ou súbdito, desfruta tranquilamente do seu feudo enquanto eu desse tipo, mas não como eu próprio. A isso, o código dá um nome: propriedade é aquilo a que eu chamo meu ‘em nome de Deus e do direito’. Mas mesmo com o aval [apoio] de Deus e do direito, isso só é meu enquanto o Estado não tiver nada a opor.” (p.199-200)

Sobre a propriedade

“Na opinião dos comunistas, é a comunidade que deve ser proprietária. De fato, é ao contrário: eu sou proprietário e limito-me a entender-me com os outros sobre a minha propriedade. Se a comunidade me tratar mal, rebelo-me contra ela e defendo a minha propriedade. Eu sou proprietário, mas a propriedade não é sagrada. Dirão que então sou apenas alguém que possui bens. Não, até agora só se era possuidor, com a sua pequena parcela assegurada, se se concedia também a outros a posse de outras parcelas; mas agora tudo me pertence a mim, eu sou proprietário de tudo aquilo de que preciso e de que me posso apoderar. Os socialistas dizem que a sociedade me dá tudo o que eu preciso, mas o egoísta diz: ‘Eu apodero-me daquilo de que preciso’. Os comunistas comportam-se como miseráveis, o egoísta como proprietário.
(...)
Assim, a propriedade não deve nem pode ser abolida [eliminada], tem, isso sim, de ser arrancada a mãos espectrais [de fantasmas] e tornar-se minha propriedade; nessa altura, desaparecerá das consciências a ideia falsa segundo a qual eu não tenho o direito de me apoderar daquilo de que preciso.
‘Mas, há alguma coisa de que o homem não precise?’ Bom, aqueles que precisam de muito e sabem como lá chegar, sempre se apropriaram do que queriam, como Napoleão fez com o continente e os Franceses com a Argélia. Por isso, o importante é que a ‘plebe’ respeitosa finalmente aprenda a ir buscar aquilo de que precisa. Se ela for longe de mais, pois defendei-vos. Não precisais de lhe oferecer nada de boa vontade; e se ela aprender a conhecer-se – melhor, o plebeu que aprender a conhecer-se –, livrar-se-á do seu plebeísmo virando as costas às vossas esmolas. O que é deveras ridículo é a vossa etiqueta de ‘pecaminosa e criminosa’, quando ela não pretende viver das vossas boas ações, porque é capaz de ir buscar o que precisa. As vossas ofertas enganam-na e refreiam-na. Defendei a vossa propriedade, e sereis fortes; mas se, pelo contrário, quiserdes manter a vossa capacidade de oferta e, quem sabe, ter ainda tantos mais direitos políticos quantas mais esmolas (o imposto dos pobres) derdes [oferecer], isso não durará mais tempo que aquele que os beneficiários [beneficiados] permitirem.
Em conclusão: a questão da propriedade não é de resolução pacífica, como sonharam os socialistas e até os comunistas. Só será resolvida com a guerra de todos contra todos. Os pobres só serão livres e proprietários se se rebelarem, se revoltarem, se sublevarem [revolucionarem]. Por mais que lhes oferecerdes, eles vão sempre querer mais; porque o que eles querem é, nada mais nada menos, que finalmente se acabe com as dádivas [doações].
Perguntar-se-á: mas que acontecerá se os que nada têm tomarem coragem e decisões? De que tipo será então a igualização? É o mesmo que pretender que eu preveja a hora exata do nascimento de uma criança. Para saber o que fará um escravo depois de ter quebrado as cadeias, teremos... de esperar.” (p.204-205)

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Karl Marx e o materialismo histórico e dialético


Materialismo e o pensamento

O filosofo Karl Max é um materialista. Os filósofos desta concepção consideram que não existe uma verdade que se revela a todos nesse mundo. Tudo é uma questão de perspectiva e por isso não se pode entender o mundo como ele realmente é.
Mas em oposição aos materialistas é encontrada a concepção idealista, com a pretensão de criar uma imagem universal, até mesmo sobre os indivíduos, apesar das diferenças. O idealista é apegado a ideia, onde se coloca tudo em categorias compreensíveis, considerando que todos podem compartilhar da verdade ideal.
No materialismo o que passa pela cabeça de uma pessoa tem a ver com os sentimentos que ela tem, porque o corpo é importante e é o contato com o mundo que produz sentimentos. Então, nessa primeira ideia, começa a ficar claro que a produção material de uma sociedade afeta o pensamento, por estar em relação com o corpo, produzindo sentimentos que movem o indivíduo.
Um problema para a filosofia está ligado a essa ideia de circunstâncias. O pensamento sobre o futuro está preso as circunstâncias materiais do agora. Então, como criar uma filosofia revolucionária, sendo que o pensamento é influenciado pelo mundo material a cada instante?
Para entender melhor essa dificuldade da revolução do pensamento, dentro de uma sociedade, é importante analisar a infraestrutura e superestrutura que formam a sociedade. Essa análise é a ciência do materialismo histórico.
Sociedade = infraestrutura + superestrutura

Infraestrutura

Os sentimentos que o indivíduo tem não poderiam ser outros, porque assim as circunstâncias determinam. A sociedade também é organizada politicamente, moralmente, religiosamente e tudo mais, da maneira que atenda a necessidade material econômica, porque é o material que influencia o pensamento e consequentemente a ação.
A infraestrutura está relacionada a produção de bens materiais: as condições materiais de sua produção, as relações entre as pessoas na produção de bens, ao trabalho, ao processo de produção, etc. A infraestrutura é resumida como sendo os modos de produção.
Infraestrutura = modos de produção

Modos de produção

Os modos de produção econômica fazem parte da infraestrutura. Existem seis modos de produção: Primitivo, Asiático, Escravista, Feudal, Capitalista, Socialista.
Existem dois elementos fundamentais nos modos de produção: forças produtivas e relações de produção.
Modos de produção = forças produtivas + relações de produção.

Forças produtivas

 As forças produtivas são o conjunto de dois elementos que impulsionam o processo produtivo:

   1º Os meios de produção: ferramentas, matéria-prima e matéria-bruta. Por ferramentas entende-se tudo instrumento usado para transformar um objeto; a matéria-prima é um objeto que já foi modificado pelo trabalho, mas inda não é produto; matéria-bruta é um objeto que não foi trabalhado, por isso está distante de ser um produto.
   2º A força de trabalho: é a energia muscular e cerebral, usada sempre em conjunto com os meios de produção, para produzir um produto.
Forças produtivas = meios de produção + força de trabalho
O trabalho dá utilidade a algo, mas é importante lembrar que hoje em dia a utilidade tem outro sentido. Muitos produtos são desnecessários, cridos para o luxo.
Em resumo, o trabalho transforma o objeto em produto e a força de trabalho é a energia necessária para a transformação. Dependendo do meio de trabalho, se gastará mais ou menos energia para produzir um produto.
 No capitalismo não se remunera o trabalho e sim a força de trabalho. Isso significa que o salário é para recuperar a energia. O que se produz com o trabalho não afeta na remuneração, porque o importante é o tempo, a força física e mental usada para produzir. Isso sofreu algumas alterações nos últimos anos com as gratificações por resultado, mas isso não acontece em todo o sistema e nem representa uma mudança significativa para o sistema de exploração do trabalho.
Os meios de produção são fundamentais, porque eles determinam a quantidade de força necessária para a transformação de um objeto em produto.         

Relações de produção

As relações de produção são as relações estabelecidas entre os seres humanos para produzir. Em outras palavras, é o acordo necessária entre os seres humanos para realizar o processo produtivo.
Na nossa sociedade, a propriedade privada dos meios de produção dita a relação das duas classes fundamentais para a produção: proletários (não proprietários) e burgueses (proprietários). Essas são as classes mais importantes da sociedade capitalista: o burguês é o dono dos meios de produção e o proletário é o trabalhador, o detentor da força de trabalho. Os proprietários dos meios de produção se apropriam do produto do trabalho dos não proprietários, gerando desigualdade social e conflito entre as classes. 

Superestrutura

Todas as ideias de uma sociedade sobre o mundo e sobre as coisas é resultado da luta de classes. A superestrutura são essas ideias, hábitos e campos sociais que formam a sociedade, mas não fazem parte da infraestrutura, como: educação, leis, marketing, Estado, medicina, estilos de vida etc.
Várias formas de superestrutura são possíveis em uma mesma infraestrutura. A superestrutura nunca para de mudar, por isso é difícil defini-la. Por exemplo, a internet não existia a alguns anos atrás.

Materialismo histórico

O materialismo histórico é uma forma cientifica de analisar a história e as sociedades. Em nossa sociedade temos duas classes fundamentais: proletários e burgueses. Os proletários alienados, junto com seus herdeiros e lacaios dos burgueses, defendem as relações vigentes de produção. As duas classes são parte da infraestrutura. A política, a educação, o direito, a moral, a mídia, entre outros, fazem parte da superestrutura.
O materialismo histórico revela que a organização social está em dois níveis: infraestrutura econômica e superestrutura ideológica. Ao se entender a produção de bens (infraestrutura) de uma sociedade, é possível entender a ideologia que comanda a sociedade. Em outras palavras, quanto melhor se conhece a produção de bens materiais, melhor se conhece o resto da sociedade (superestrutura).

Conflito entre classes

As pessoas consideradas de esquerda lutam sempre contra o interesse da classe dominante, que é a burguesia. Os verdadeiros interessados na manutenção das ideias de direita são os donos da produção, os conservadores. Não é o proprietário do carro que é interessado nas propostas conservadoras e sim o dono da fábrica de veículos.  Para Marx, o importante no capitalismo é a propriedade dos meios de produção e não o produto. A maneira como se procede as forças de produção de bens materiais define a relações de produção.
Os burgueses defendem a propriedade privada dos meios de produção e o proletário busca novas formas de relações de produção. Devido a esse conflito de interesses, existe uma luta entre as duas classes. Há um abismo que separa as classes, mas poucos tem consciência de classe, sem essa consciência não existe revolução. O desejo por lucro faz com que os burgueses, donos dos meios de produção, se aproveitem do trabalhador, criando uma situação de exploração que não muda.

Materialismo dialético

O materialismo dialético diz respeito a essa luta de classes: proletária e burguesa. A desarmonia entre as forças de produção e as relações de produção produz a história da nossa sociedade capitalista, mas essa história é resultado da dialética das classes envolvidas nos modos de produção.
O conflito fica evidente quando os proprietários dos meios de produção não conseguem agradar o trabalhador, que exige uma mudança nas relações de produção, mas esta nunca acontece. Por exemplo, o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) que luta pela distribuição de terras, que são parte dos meios necessários para a produção, sendo a terra parte da infraestrutura.
É normal que alguns grupos se unam contra os trabalhadores para conservar a propriedade privada dos meios de produção, impedindo uma transformação. A classe conservadora luta contra a classe que deseja mudanças na relação de produção, porque essa mudança é uma revolução considerada subversiva pelos conservadores.

Liberalismo

O filósofo John Locke, do século XVII, era defensor do liberalismo. Ele via o trabalho como fundamento da propriedade privada.
Podemos dizer que o trabalho de seu corpo e a obra produzida por suas mãos são propriedade sua. Sempre que ele tira um objeto do estado em que a natureza o colocou e deixou, mistura nisso o seu trabalho e a isso acrescenta algo que lhe pertence, por isso o tornando sua propriedade. Ao remover este objeto do estado comum em que a natureza o colocou, através do seu trabalho adiciona-lhe algo que excluiu o direito comum dos outros homens. Sendo este trabalho uma propriedade inquestionável do trabalhador, nenhum homem, exceto ele, pode ter o direito ao que o trabalho lhe acrescentou (LOCKE, Segundo tratado Sobre O Governo, capitulo V, p.42)

Para Locke, é garantindo o direito à propriedade de algo quando se trabalha nela e a transforma. O direito à propriedade é a recompensa pelo trabalho transformador. Mas no capitalismo o trabalho é apenas mais uma mercadoria, que é vendida e usada para a produção. O que é produzido pelo trabalho não pertence ao trabalhador, pertence aos donos dos meios de produção que comprou o trabalho.
Em contrapartida, o filósofo Adam Smith, do século XVIII, dizia que o trabalho deveria ser a medida do valor de troca das mercadorias. Mas no capitalismo o valor de troca da mercadoria não tem a ver com o valor pago pelo trabalho. A mercadoria ganha um valor muito superior em comparação ao valor pago pelo trabalho que a produziu. Por isso, é importante entender o conceito de trabalho para entender as relações de produção.

Mais-valia

A mais-valia é o lucro retido pelo capitalista, resultante da diferença entre o que ele paga pela mão de obra e o valor que ele cobra pela mercadoria produzida por essa força de trabalho (o trabalho vale menos que a mercadoria). Em outras palavras, o trabalhador recebe um valor muito inferior ao valor produzido e é assim que o burguês consegue o lucro. Essa exploração é chamada de mais-valia.  
Existe uma abundância de trabalhadores na sociedade. E quanto mais cresce a quantidade de trabalhadores mais a mão de obra se desvaloriza. A força de trabalho perde seu valor quanto mais fácil for encontrá-la. E sempre haverá aqueles trabalhadores que se submetem a trabalhar mais por um salário um pouco maior perdendo mais de si, ou aceita trabalhar por menos para ter um emprego, desvalorizando os trabalhadores como um todo. Um jeito de ganhar mais é ter uma boa formação, porque quanto melhor for a formação do trabalhador maior será sua raridade no mercado, proporcionando um salário melhor.
Por causa do burguês ser o dono dos meios de produção, ele pode controlar como, onde, quando, por que e com que frequência o trabalhador poderá vender sua força de trabalho. Durante a produção, o trabalhador perde a consciência da produção como um todo, por isso ele é facilmente explorado. A sociedade capitalista se desenvolve com mais facilidade quanto menor for a consciência do trabalhador.

Alienação

Alienação é o processo em que o ser humano se afasta de sua real natureza, torna-se estranho a si mesmo, pois os objetos que produz passam a adquirir existência independente do seu poder e antagônica aos seus interesses.

Alienação devido a produção

No capitalismo a alienação começa no processo de produção onde o indivíduo tem o trabalho segmentado para não se ter consciência da totalidade do processo de produção. Existe uma cooperação complexa onde os trabalhadores fazem funções diferentes para gerar um produto, perdendo toda a noção da totalidade do processo produtivo. Na cooperação complexa, existe os trabalhadores que vão trabalhar com a matéria-bruta e trabalhadores que vão dar continuidade ao trabalho dos primeiros, até a produção final que é o produto pronto para o consumo, chamado de mercadoria. Esse trabalho coletivo é um estágio do sistema capitalista, onde o trabalhador se torna alienado, perdendo a noção dos custos e quantidade de produção de bens. Quanto mais for elaborado o sistema de produção maior é a alienação do trabalhador.

Existe três tipos de proprietários dos meios de produção:
  1º O proprietário é um trabalhador direto, por utilizar seus próprios meios de produção para produzir, sendo isso mais normal em sistemas rudimentares de produção, como no artesanato.
   2º O proprietário é um trabalhador indireto, por administrar o processo produtivo.
  3º O proprietário é um não trabalhador, porque ele está distante do processo produtivo. E quanto mais um sistema capitalista se desenvolve, mais distante o proprietário dos meios de produção fica do processo produtivo.
Em uma sociedade capitalista, podemos dividir os envolvidos na produção em duas categorias: proprietários e não proprietários. Essa divisão gera três outras categorias na sua relação capitalistas: explorados, não explorados e cooperadores (capangas da burguesia).
Existem três sistemas de exploração:
    1º   O escravismo: onde o dono dos meios de produção é dono da produção e do trabalhador.
    2º   O serviçal: onde o dono dos meios de produção é dono da produção, mas não é dono do trabalhador. O servo tem liberdade de ir e vir e ganha um pouco de recursos, para sobreviver e sustentar sua família se necessário.
    3º   O assalariado: onde o dono dos meios de produção é dono da produção, mas é o trabalhador que vende sua força de trabalho. O assalariado tem maior liberdade do que o servo, por dois motivos: ele tem o direito de receber os recursos para obter os próprios bens em troca da força de trabalho; também pode não vender a força de trabalho, caso não tenha interesse no que o burguês lhe oferece.
No capitalismo, o trabalhador é explorado porque o burguês dita a venda da força de trabalho e o valor do trabalho. O trabalhador alienado não percebe a desigualdade do sistema. O trabalhador vende seu trabalho como uma mercadoria e quanto mais mercadorias esse trabalho produz menos ele vale no mercado.
A mercadoria ganha independência em relação ao trabalhador. Quanto mais esse trabalhador gasta de si no trabalho, mais o trabalho se torna estranho ao trabalhador, que perde mais de si mesmo, tornando-se mais pobre com o tempo. Em outras palavras, o trabalhador se torna menos pessoa e menos valorizado na medida em que produz mais.
O sistema exige que o trabalhador fique cada vez mais produtivo, eficiente e alienado, resultando na desvalorização da sua força de trabalho. Quanto mais se produz menos se é. Essa é a alienação do trabalhador frente ao objeto de trabalho que não lhe pertence mais. Para Marx, a alienação significa essa autonomia do trabalho em relação ao trabalhador. Quando se vende o trabalho ele não pertence mais ao trabalhador, ele fica fora do trabalhador.

Ideologia

Ideologia é a totalidade das formas de consciência social, o que abrange o sistema de ideias que legitima o poder econômico da classe dominante (burguesia).
A ideologia é manifestada na superestrutura, que é o fluir ou consequência da infraestrutura. Em outras palavras, a superestrutura é uma articulação de indivíduos que pensam sobre o mundo, tomando como referência a infraestrutura da sociedade para se estabelecer parâmetros. A ideologia é tudo que faz a sociedade ser e continuar a ser o que é, por permitir a manutenção da dominação de classe. Como a ideologia sustenta o sistema, os maiores interessados e beneficiados pela ideologia é a burguesia (classe dominante).
Toda a ideologia é uma ideia sobre como o mundo deveria ser e como deveria ser pensado. Não se trata de um mundo verdadeiro ou falso. A ideologia não é uma análise da realidade, ela é uma suposição de como deveria ser a vida humana. Por isso, não se pode fazer ideologia a partir da natureza, porque a natureza nunca é diferente, ela é o que é, mas o ser humano sempre pode ser diferente.
A ideologia é mais sofisticada quando deixa de ser apenas uma ideia e passa a ser um conjunto de hábitos e condutas a se ter. De repente, aquilo que o ser humano pensa e procura alcançar na sociedade é resultado de uma dominação de classe por meio da ideologia. Porque a ideologia do proletário é a ideologia burguesa. Não existe uma ideologia do proletário e sim uma ideologia burguesa que toma conta das ideias do proletário, que passa a querer se tornar burguês. O proletário vive em um mundo criado pelos donos dos meios de produção. Sempre que o proletário quer se sair bem no sistema, ele faz o que é do interesse da classe burguesa. Não existe rival para a ideologia burguesa, porque todos têm uma noção parecida de como o mundo deveria ser. Isso é globalização: uma única ideia compartilhada. Geralmente, uma ideia começa a parecer correta quando ela vem de todos, parece não existir pessoas dominadas. Essa é a sutileza da ideologia – dominar sem aparentar, eliminando as chances de qualquer revolução.
A burguesia governa principalmente com a ideologia, mas quando necessário, ela usa da força física da polícia e do exército, que são patrocinados por ela, para manter a ordem burguesa. A ideologia somente desaparece quando o sonho se tornar realidade, mas pode haver uma crise, o sonho pode não ser bom. Quando o sonho não é bom, o que restar é voltar a sonhar, criando uma nova ideologia.  
Os desejos humanos foram cobertos pelas ilusões da classe dominante. Desejar é natural, mas se deseja segundo tendências capitalistas, como gostar do que se pode ser descartado, da quantidade ao invés da qualidade, da raridade e do prático.
Mas não é a classe burguesa quem cria e cuida da ideologia dominadora, o próprio sistema econômico proporciona seu surgimento. A ideologia se forma devido as características dos modos de produção, mantendo até mesmo o burguês tão alienado quanto o proletário, mas essa primeira classe acaba sendo beneficiada. A burguesia também é exposta aos mesmos processos de dominação ideológica que o proletário: a mídia, a escola, a igreja, entre outros. Por exemplo, na novela o rico sofre e o pobre é feliz, recebe até café da manhã na cama, servido pela sua esposa que é interpretada por uma atriz linda.
                                                                                                                                          
A ideologia da mídia

A mídia faz parte da superestrutura, patrocinada pela burguesia e promovendo os interesses da classe burguesa. Diverte a classe operária, mantendo a alienação. É feita por burgueses para proletários. Por exemplo, os jornais gastam muitas páginas falando da queda de um avião como o da Air France em 2009, porque morreram “pessoas que importam”, os proletários principalmente da classe média. Em São Paulo, existe várias tragédias acontecendo na periferia a todo momento, mas as pessoas da periferia não merecem a atenção da mídia, porque a vida dessas pessoas tem um outro valor social.
Cria-se heróis e vilões na mídia, que podem variar entre pessoas, partidos, instituições, produtos, etc., que servem como bode expiatório para desviar a atenção dos processos de dominação e exploração. A condenação dos vilões purifica e torna os trabalhadores mais dóceis. Por exemplo, a mídia faz todos acreditarem que tudo de ruim está no setor público, oferecendo ótimos argumentos para os defensores da privatização.
Graças a mídia, o proletário passa a ter como preocupação os valores que favorecem a classe dominante, impedindo uma revolta em massa. A ideologia é a maneira mais limpa, fácil e segura de dominação. Antigamente era comum a dominação pela força física, mas isso era custoso e agora é melhor o uso da ideologia.
O erro de Karl Marx, foi achar que a mídia iria contribuir para uma revolução, quando o número de proletários fosse muito mais numeroso do que de burgueses. Um pensador marxista de hoje não analisa a mídia pela mídia, mas a partir da luta de classe. A mídia dissimula o que realmente importa. Por exemplo, o programa A Grande Família, onde é mostrado uma família de classe média, uma classe resistente a mudanças e apegada aos seus pequenos ganhos. O personagem principal, Lineu, é um homem honesto, mas é porta-voz de uma moral conservadora, reacionária, ortodoxa e garantidora da manutenção do sistema.
É na superestrutura que se esconde a realidade da dominação. A mídia é conservadora como tudo mais na superestrutura.

A ideologia nos campos sociais

Para se conhecer é necessário saber a classe que se pertence. Para ficar mais fácil ainda de se conhecer, é importante estudar o campo social em que se vive. Existe o campo jurídico, acadêmico, jornalístico, político, religioso, etc. A ideologia de cada campo é flexível. Por exemplo, a ideologia do campo acadêmico poderia mudar constantemente, mas, ainda sim, mudaria para formas que continuam a favorecer os interesses da classe dominante.
A sociedade adestra os seres humanos com a ideologia. Certos comportamentos tornam-se aceitáveis e outros não, em um determinado campo social. Quando se senti vergonha por algum comportamento, é porque foi transgredido o protocolo ideal de uma esfera social, e o corpo reage em contato com esse mundo que o condena, produzindo a vergonha no indivíduo que não se enquadra. A ideologia determina o mundo em que se vive. Por isso, a ideologia controla os sentimentos e se ela controla os sentimentos, ela controla os indivíduos.
Apesar das particularidades dos campos sociais, todas as ideologias existentes, têm como objetivo legitimar os interesses da classe dominadora. Em outras palavras, todas as ideologias dos campos sociais servem a uma maior proposta ideológica, aquela que favorece a classe dominadora. A ideologia burguesa é mascarada por diversas propostas nos vários campos, mas é sempre ela a referência para qualquer outra ideologia.
A homologia (união das partes) é o último estágio para se entender a legitimação de um porta-voz dos interesses da classe dominante. Essa homologia é a união dos campos sociais para legitimar uma nova maneira de ser da ideologia. Um campo social aprova o outro de alguma maneira ou o ajuda. Uma nova maneira de ser da ideologia, é uma nova maneira de esconder os interessas da classe dominante, com uma capa ideológica nova. 


Para entender o materialismo:

·         Burguês é o dono dos meios de produção.
·         Proletário é o trabalhador, o detentor da força de trabalho.

Considerações:
1º Existe uma desigualdade (o burguês é o dono da bola).
2º O burguês decide o quanto vai pagar. O conceito mais-valia refere-se ao preço da mercadoria e a exploração do trabalho. A mais-valia é o lucro retido pelo capitalista, resultante da diferença entre o que ele paga pela mão de obra e o valor que ele cobra pela mercadoria produzida por essa força de trabalho (o trabalho vale menos que a mercadoria).
3º A luta de classe ou dominação de classe (porque o burguês ganha sempre).
4º No capitalismo o capital se concentra (a classe burguesa diminui e os poucos que sobram são os maiores detentores dos meios de produção). O capitalismo patrocina uma proletarização progressiva das relações de produção.
5º Marx antecipa uma revolução que aconteceu onde ele não previu, na Rússia que era czarista (Praticamente um absolutismo que foi substituído por uma monarquia constitucional, incluindo um parlamento) e não passou pela fase capitalista.
6º A revolução não aconteceu do modo esperado por causa da dominação ideológica ou simbólica que produz alienação. A classe dominante produz ideologias que alienam a classe trabalhadora, permitindo uma dominação pacífica. As duas maiores ferramentas de alienação é a religião e a mídia. Por exemplo: o padre Marcelo é um instrumento que potencializa as duas.
7º A sociedade se explica pelas relações econômicas. Existe a infraestrutura de uma sociedade está relacionada direta ou indiretamente com a produção de bens materiais, bens tangíveis. A superestrutura de uma sociedade é tudo que está ao alcance dos sentidos, é o resto da produção que não faz parte da infraestrutura:  sistema de ideias e sentimentos, instituições jurídicas e políticas, e manifestações culturais que constituem a consciência social. Nenhuma produção superestrutural é explica sem uma análise da infraestrutura da sociedade. Por exemplo: não posso entender o sucesso do padre Marcelo sem entender como a sociedade que ele vive produz bens materiais.

Crítica ao capitalismo

“O trabalhador fica mais pobre à medida que produz mais riqueza” Karl Marx.
Quanto mais se trabalha, mais pobre se fica. É a escassez da força de trabalho e da produção que valoriza o trabalhador. Onde existe uma grande produção e sobra da força de trabalho, não se valoriza o trabalhador.
Toda a produção ganha independência do trabalhador. A produção passa a ter o valor estipulado pelo burguês, que é superior ao valor pago pela força de trabalho. Caso o trabalhador deseje consumir a mercadoria que ele produziu, deverá ser pago um valor superior ao pagamento que se recebeu para produzir a mercadoria.
Quanto mais o trabalhador produz em quantidade e volume, mais desvalorizado se torna o trabalhador, porque ele se torna uma mercadoria vendida a um preço mais baixo tanto quanto mais produz mercadorias.

Referências biográficas:

BARROS, Clóvis de; DAINEZI, Gustavo Fernandes. Devaneios sobre a atualidade do capital. Porto Alegre: CDG, 1ª edição, 2014.