sábado, 14 de janeiro de 2017

Jean-Paul Sartre

Jean-Paul Sartre

Trechos da obra O EXISTENCIALISMO É UM HUMANISMO

(...) o que podemos desde já afirmar é que concebemos o existencialismo como uma doutrina que torna a vida humana possível e que, por outro lado, declara que toda ver­dade e toda ação implicam um meio e uma subjetividade humana.
(...) a existência precede a essência, ou, se se preferir, que é necessário partir da subjetividade. O que significa isso exatamente?
Consideremos um objeto fabricado, como, por exemplo, um li­vro ou um corta-papel; (...) no caso do corta-papel, a essência — ou seja, o conjunto das técnicas e das qualidades que permitem a sua produção e definição — precede a exis­tência; e desse modo, também, a presença de tal corta-papel ou de tal livro na minha frente é determinada.
O homem, tal como o existencialista o concebe, só não é passível de uma definição porque, de início, não é nada: só posteriormente será alguma coisa e será aquilo que ele fizer de si mesmo. Assim, não exis­te natureza humana, já que não existe um Deus para concebê-la. O homem é tão-somente, não apenas como ele se concebe, mas tam­bém como ele se quer; como ele se concebe após a existência, como ele se quer após esse impulso para a existência. O homem nada mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo: é esse o primeiro princípio do existencialismo. (...) o ho­mem será apenas o que ele projetou ser. Não o que ele quis ser, pois entendemos vulgarmente o querer como uma decisão consciente que, para quase todos nós, é posterior àquilo que fizemos de nós mesmos. (...) Porém, se realmente a exis­tência precede a essência, o homem é responsável pelo que é. (...) Assim, quando dizemos que o homem é responsável por si mesmo, não queremos dizer que o homem é apenas responsável pela sua estrita individualidade, mas que ele é responsável por todos os homens. (...) Subjetivismo signi­fica, por um lado, escolha do sujeito individual por si próprio e, por outro lado, impossibilidade em que o homem se encontra de trans­por os limites da subjetividade humana. É esse segundo significado que constitui o sentido profundo do existencialismo. Ao afirmarmos que o homem se escolhe a si mesmo, queremos dizer que cada um de nós se escolhe, mas queremos dizer também que, escolhendo-se, ele escolhe todos os homens. De fato, não há um único de nossos atos que, criando o homem que queremos ser, não esteja criando, simul­taneamente, uma imagem do homem tal como julgamos que ele deva ser. Escolher ser isto ou aquilo é afirmar, concomitantemente, o va­lor do que estamos escolhendo, pois não podemos nunca escolher o mal; o que escolhemos é sempre o bem e nada pode ser bom para nós sem o ser para todos. Se, por outro lado, a existência precede a essência, e se nós queremos existir ao mesmo tempo que moldamos nossa imagem, essa imagem é válida para todos e para toda a nossa, época. (...) Se eu sou um operário e se escolho aderir a um sindicato cristão em vez de ser co­munista, e se, por essa adesão, quero significar que a resignação é, no fundo, a solução mais adequada ao homem, que o reino do ho­mem não é sobre a terra, não estou apenas engajando a mim mesmo: quero resignar-me por todos e, portanto, a minha decisão engaja to­da a humanidade.
Tudo isso permite-nos compreender o que subjaz a palavras um tanto grandiloquentes como angústia, desamparo, desespero. Como vocês poderão constatar, é extremamente simples. Em primeiro lu­gar, como devemos entender a angústia? O existencialista declara fre­quentemente que o homem é angústia. Tal afirmação significa o seguinte: o homem que se engaja e que se dá conta de que ele não é apenas aquele que escolheu ser, mas também um legislador que es­colhe simultaneamente a si mesmo e a humanidade inteira, não con­segue escapar ao sentimento de sua total e profunda responsabilidade. (...) devemos sempre perguntar-nos: o que aconteceria se todo mundo fizesse como nós? e não pode­mos escapar a essa pergunta inquietante a não ser através de uma es­pécie de má fé. Aquele que mente e que se desculpa dizendo: nem todo mundo faz o mesmo, é alguém que não está em paz com sua consciência, pois o fato de mentir implica um valor universal atribuí­do à mentira. (...) E cada homem deve perguntar a si próprio: sou eu, realmente, aquele que tem o direito de agir de tal forma que os meus atos sirvam de norma para toda a humanidade? E, se ele não fizer a si mesmo esta pergunta, é porque estará masca­rando sua angústia. Não se trata de uma angústia que conduz ao quietismo, à inação. Trata-se de uma angústia simples, que todos aqueles que um dia tiveram responsabilidades conhecem bem. Quando, por exemplo, um chefe militar assume a responsabilidade de uma ofensi­va e envia para a morte certo número de homens, ele escolhe fazê-lo, e, no fundo, escolhe sozinho. Certamente, algumas ordens vêm de cima, porém são abertas demais e exigem uma interpretação; é dessa interpretação — responsabilidade sua — que depende a vida de dez, catorze ou vinte homens. Não é possível que não exista certa angustia na decisão tomada. Todos os chefes conhecem essa angústia. Mas isso não os impede de agir, muito pelo contrário: é a própria angús­tia que constitui a condição de sua ação, pois ela pressupõe que eles encarem a pluralidade dos possíveis e que, ao escolher um caminho, eles se deem conta de que ele não tem nenhum valor a não ser o de ter sido escolhido. (...) Não se trata de uma cortina entreposta entre nós e a ação, mas parte constitutiva da própria ação.
Quando falamos de desamparo, expressão cara a Heidegger, que­remos simplesmente dizer que Deus não existe e que é necessário le­var esse fato às suas últimas consequências. (...) O existencialista, pelo contrário, pensa que é extremamente incómo­do que Deus não exista, pois, junto com ele, desaparece toda e qual­quer possibilidade de encontrar valores num céu inteligível; não pode mais existir nenhum bem a priori, já que não existe uma consciência infinita e perfeita para pensá-lo; não está escrito em nenhum lugar que o bem existe, que devemos ser honestos, que não devemos men­tir, já que nos colocamos precisamente num plano em que só existem homens. Dostoiévski escreveu: "Se Deus não existisse, tudo seria per­mitido". Eis o ponto de partida do existencialismo. De fato, tudo é permitido se Deus não existe, e, por conseguinte, o homem está desamparado porque não encontra nele próprio nem fora dele nada a que se agarrar. Para começar, não encontra desculpas. Com efeito, se a existência precede a essência, nada poderá jamais ser explicado por referência a uma natureza humana dada e definitiva; ou seja, não existe determinismo, o homem é livre, o homem é liberdade. Por outro lado, se Deus não existe, não encontramos, já prontos, valores ou ordens que possam legitimar a nossa conduta. Assim, não tere­mos nem atrás de nós, nem na nossa frente, no reino luminoso dos valores, nenhuma justificativa e nenhuma desculpa. Estamos sós, sem desculpas. É o que posso expressar dizendo que o homem está conde­nado a ser livre. Condenado, porque não se criou a si mesmo, e co­mo, no entanto, é livre, uma vez que foi lançado no mundo, é responsável por tudo o que faz. O existencialista não acredita no po­der da paixão. Ele jamais admitirá que uma bela paixão é uma cor­rente devastadora que conduz o homem, fatalmente, a determinados atos, e que, consequentemente, é uma desculpa. Ele considera que o homem é responsável por sua paixão. O existencialista não pensará nunca, também, que o homem pode conseguir o auxílio de um sinal qualquer que o oriente no mundo, pois considera que é o próprio ho­mem quem decifra o sinal como bem entende. Pensa, portanto, que o homem, sem apoio e sem ajuda, está condenado a inventar o ho­mem a cada instante.
Já que os valores são vagos e que eles são sempre amplos demais para o caso preciso e concreto que consideramos, só nos resta con­fiar em nosso instinto. Foi o que o jovem tentou fazer; (...) Mas como determinar o valor de um sentimento? (...) Posso dizer: amo minha mãe o bastante para ficar junto dela; mas não posso determinar o valor dessa afeição a não ser, precisamente, que eu pratique um ato que a confirme e a defina. Ora, como eu desejo que esse afeto justifique os meus atos, acabo sendo arrastado num círculo vicioso.
Por outro lado, Gide disse, e muito bem, que um sentimento re­presentado e um sentimento vivido são duas coisas quase indiscerníveis: decidir que amo minha mãe ficando junto dela, ou representar uma comédia que me levará a ficar, por causa de minha mãe, é mais ou menos a mesma coisa. Por outras palavras: o sentimento constrói-se através dos atos praticados; não posso, portanto, pedir-lhe que me guie. O que significa que não posso nem procurar em mim mesmo a autenticidade que me impele a agir, nem buscar numa moral os con­ceitos que me autorizam a agir. (...) Nenhuma moral geral poderá indicar-lhe o caminho a se­guir; não existem sinais no mundo. (...) O desamparo implica que somos nós mes­mos que escolhemos o nosso ser. Desamparo e angústia caminham juntos. Quanto ao desespero, trata-se de um conceito extremamente simples. Ele significa que só podemos contar com o que depende da nossa vontade ou com o conjunto de probabilidades que tornam a nossa ação possível. Quando se quer alguma coisa, há sempre elemen­tos prováveis. (...) A partir do momento em que as possibilidades que estou considerando não estão diretamente envolvidas em minha ação, é pre­ferível desinteressar-me delas, pois nenhum Deus, nenhum desígnio poderá adequar o mundo e seus possíveis à minha vontade. No fun­do, quando Descartes afirmava: "É melhor vencermo-nos a nós mes­mos do que ao mundo", ele queria dizer a mesma coisa: agir sem esperança. (...) Isso significa que eu deva abandonar-me ao quietismo? De modo algum. Primeiro, tenho que me engajar; em seguida, agir segundo a velha fórmula: "não é preci­so ter esperança para empreender". (...) O quietismo é a atitude daqueles que dizem: os outros po­dem fazer o que eu não posso. A doutrina que lhes estou apresentando é justamente o contrário do quietismo, visto que ela afirma: a realidade não existe a não ser na ação; aliás, vai mais longe ainda, acrescentando: o homem nada mais é do que o seu projeto; só existe na medida em que se realiza; não é nada além do conjunto de seus atos, nada mais que sua vida. (...) para o existencialista, não existe amor senão aquele que se constrói; não há possibilidade de amor se­não a que se manifesta num amor; não há génio senão aquele que se expressa em obras de arte: o génio de Proust é a totalidade das obras de Proust; o génio de Racine é a série de tragédias que escre­veu; para além disso, não há nada. Por que atribuir a Racine a possi­bilidade de escrever uma outra tragédia, se, justamente, ele não o fez? Um homem compromete-se com sua vida, desenha seu rosto e para além desse rosto, não existe nada. (...) todavia, quando se diz: "tu nada mais és do que tua vida", isso não implica que o artista seja julgado unicamente por suas obras de arte; mil outras coisas contribuem igualmente para defini-lo. O que queremos dizer é que um homem nada mais é do que uma série de empreendimentos, que ele é a soma, a organização, o conjunto das relações que constituem esses empreendimentos.
Não existe temperamento covarde; existem tem­peramentos nervosos, existem pessoas que têm "sangue fraco" co­mo diz o povo, ou temperamentos ricos; mas o homem que tem sangue fraco nem por isso é um covarde, pois o que cria a covardia é o ato de renunciar ou de ceder: um temperamento não é um ato e o covar­de se define pelos atos que pratica. (...) O que o existen­cialista afirma é que o covarde se faz covarde, que o herói se faz herói; existe sempre, para o covarde, uma possibilidade de não mais ser co­varde, e, para o herói, de deixar de o ser.
(...) o existencialismo diz-lhe que a única esperança está em sua ação e que só o ato permite ao homem viver.
Nós desejamos, preci­samente, estabelecer o reino humano como um conjunto de valores distintos dos do reino material. (...) Através do penso, con­trariamente à filosofia de Descartes, contrariamente à filosofia de Kant, nós nos apreendemos a nós mesmos perante o outro, e o outro é tão verdadeiro para nós quanto nós mesmos. Assim, o homem que se alcança diretamente pelo cogito descobre também todos os outros, e descobre-os como sendo a própria condição de sua existência. Ele se dá conta de que só pode ser alguma coisa (no sentido em que se diz que alguém é espirituoso, ou é mau ou é ciumento) se os outros o reconhecerem como tal. Para obter qualquer verdade sobre mim, é necessário que eu considere o outro. O outro é indispensável à mi­nha existência tanto quanto, aliás, ao conhecimento que tenho de mim mesmo. Nessas condições, a descoberta da minha intimidade desvenda-me, simultaneamente, a existência do outro como uma li­berdade colocada na minha frente, que só pensa e só quer ou a favor ou contra mim. Desse modo, descobrimos imediatamente um mundo a que chamaremos de intersubjetividade e é nesse mundo que o ho­mem decide o que ele é e o que são os outros.
Além disso, se bem que seja impossível encontrar em cada ho­mem uma essência universal que seria a natureza humana, considera­mos que exista uma universalidade humana de condição. (...) As situações históricas variam: o homem pode nascer escravo numa sociedade pa­gã ou senhor feudal ou proletário. O que não muda é o fato de que, para ele, é sempre necessário estar no mundo, trabalhar, conviver com os outros e ser mortal. Tais limites não são nem subjetivos nem objetivos; ou, mais exatamente, têm uma face objetiva e uma face subjetiva. São objetivos na medida em que podem ser encontrados em qualquer lugar e são sempre reconhecíveis; são subjetivos porque são vividos e nada são se o homem os não viver, ou seja, se o homem não se determinar livremente na sua existência em relação a eles. (...) cada um de nós é absoluto respirando, comendo, dormindo ou agindo de um modo qualquer. Não existe diferença alguma entre ser livremente, ser como projeto, como existência que escolhe a sua essência, e ser absoluto; não existe nenhuma diferença entre ser um absoluto temporariamente situado, ou seja, que se localizou na história, e ser universalmente com­preensível.
A escolha é possível, em certo sentido, porém o que não é possível é não escolher. Eu posso sempre escolher mas devo estar ciente de que, se não escolher, assim mesmo estarei esco­lhendo. (...) o ho­mem encontra-se numa situação organizada, com a qual está engaja­do; pela sua escolha (...) Digamos antes que devemos comparar a escolha moral à construção de uma obra de arte. E, aqui, precisamos fazer uma pausa para esclarecer que não se trata de uma moral estética, pois a má fé de nossos adversários é tanta que até disso nos acusam. O exemplo que escolhi não passa de uma comparação. Esclarecido esse ponto, perguntamos: alguma vez se acusou um artista que faz um quadro de ele não se inspirar em regras estabelecidas a priori? Alguém, alguma vez, lhe indicou que quadro deveria fazer? É evidente que não existe nenhum quadro de­finido que deva ser feito; o artista engaja-se na construção do seu qua­dro e o quadro que deve ser feito é, precisamente, o quadro que ele tiver feito. Sabemos que não existem valores estéticos a priori; con­tudo, existem valores que se tornam visíveis, posteriormente, na pró­pria coerência do quadro, nas relações que existem entre a vontade de criação e o resultado. Ninguém pode prever como será a pintura de amanhã; não se pode julgar a pintura a não ser que esteja feita. Qual a relação de tudo isso com a moral? Trata-se da mesma situa­ção criadora. Nunca falamos na gratuidade de uma obra de arte. Quando nos referimos a uma tela de Picasso, nunca dizemos que ela é gratuita; compreendemos perfeitamente que ele se construiu a si mes­mo, tal qual é, ao mesmo tempo que pintava, que o conjunto de sua obra se incorpora à sua vida.
O mesmo acontece no plano moral. O que há em comum entre a arte e a moral é que, nos dois casos, existe criação e invenção. Não podemos decidir a priori o que devemos fazer.
(...) algumas escolhas estão fundamentadas no erro e ou­tras na verdade. Podemos julgar um homem dizendo que ele tem má fé. Tendo definido a situação do homem como uma escolha livre, sem desculpas e sem auxílio, consideramos que todo homem que se refu­gia por trás da desculpa de suas paixões, todo homem que inventa um determinismo, é um homem de má fé. É possível objetar o se­guinte: por que razão ele não poderia escolher-se como um homem de má fé? E eu respondo que não tenho que julgá-lo moralmente, mas defino a sua má fé como um erro. Não podemos escapar, aqui, a um juízo de verdade. (...) Alguém pode perguntar-me: e se eu quiser ser um homem de má fé? Eu responderei: não há motivo algum para que você não possa sê-lo, mas declaro que você tem má fé e que a atitude de estrita coerência é a atitude de boa-fé. Além disso, posso fazer um juízo moral. Quan­do declaro que a liberdade, através de cada circunstância concreta, não pode ter outro objetivo senão o de querer-se a si própria, quero dizer que, se alguma vez o homem reconhecer que está estabelecendo valores, em seu desamparo, ele não poderá mais desejar outra coisa a não ser a liberdade como fundamento de todos os valores. Isso não significa que ele a deseja abstratamente. Mas, simplesmente, que os atos dos homens de boa fé possuem como derradeiro significado a procura da liberdade enquanto tal. Um homem que adere a um sindi­cato comunista ou revolucionário quer alcançar objetivos concretos; tais objetivos implicam uma vontade abstrata de liberdade; porém, essa liberdade é desejada em função de uma situação concreta. Que­remos a liberdade através de cada circunstância particular. E, que­rendo a liberdade, descobrimos que ela depende integralmente da liberdade dos outros, e que a liberdade dos outros depende da nossa. (...) Posso, portanto, formar juízos sobre aqueles que pretendem ocultar a si mesmos a total gratuidade de sua existên­cia e sua total liberdade, em nome dessa vontade de liberdade impli­cada pela própria liberdade. (...) A única coisa que impor­ta é saber se a invenção que se faz se faz em nome da liberdade.
Antes de alguém viver, a vida, em si mesma, não é nada; é quem a vive que deve dar-lhe um sentido; e o valor nada mais é do que esse sentido escolhido. (...) a pala­vra humanismo tem dois significados muito diferentes. Podemos con­siderar como humanismo uma teoria que toma o homem como meta e como valor superior. (...) O que supõe que podemos atribuir um valor ao homem em função dos atos mais elevados de certos homens. (...) O existencia­lismo dispensa-o de todo e qualquer juízo desse tipo: o existencialismo não colocará nunca o homem como meta, pois ele está sempre por fazer. E não devemos acreditar que existe uma humanidade à qual possamos nos devotar, tal como fez Auguste Comte. O culto da hu­manidade conduz a um humanismo fechado sobre si mesmo, como o de Comte, e, temos de admiti-lo, ao fascismo. Este é um humanis­mo que recusamos.
Existe, porém, outro sentido para o humanismo, que é, no fun­do, o seguinte: o homem está constantemente fora de si mesmo; é projetando-se e perdendo-se fora de si que ele faz com que o homem exista; por outro lado, é perseguindo objetivos transcendentes que ele pode existir; sendo o homem essa superação e não se apoderando dos objetos senão em relação a ela, ele se situa no âmago, no centro des­sa superação. Não existe outro universo além do universo humano, o universo da subjetividade humana. É a esse vínculo entre a trans­cendência, como elemento constitutivo do homem (não no sentido em que Deus é transcendente, mas no sentido de superação), e a sub­jetividade (na medida em que o homem não está fechado em si mes­mo, mas sempre presente num universo humano) que chamamos humanismo existencialista. Humanismo, porque recordamos ao homem que não existe outro legislador a não ser ele próprio e que é no desamparo que ele decidirá sobre si mesmo; e porque mostramos que não é voltando-se para si mesmo mas procurando sempre uma meta fora de si.
O existencialismo não é tanto um ateísmo no senti­do em que se esforçaria por demonstrar que Deus não existe. Ele declara, mais exatamente: mesmo que Deus existisse, nada mudaria; eis nosso ponto de vista. Não que acreditemos que Deus exista, mas pensamos que o problema não é o de sua existência; é preciso que o homem se reencontre e se convença de que nada pode salvá-lo dele próprio, nem mesmo uma prova válida da existência de Deus.


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