Jean-Paul Sartre |
Trechos
da obra O EXISTENCIALISMO É UM HUMANISMO
(...) o que podemos desde já afirmar é que
concebemos o existencialismo como uma doutrina que torna a vida humana possível
e que, por outro lado, declara que toda verdade e toda ação implicam um meio e
uma subjetividade humana.
(...) a existência precede a essência, ou, se se preferir, que é necessário
partir da subjetividade. O que significa isso exatamente?
Consideremos um objeto fabricado, como, por
exemplo, um livro ou um corta-papel; (...) no caso do corta-papel, a essência — ou seja, o
conjunto das técnicas e das qualidades que permitem a sua produção e definição
— precede a existência; e desse modo, também, a presença de tal corta-papel ou
de tal livro na minha frente é determinada.
O homem, tal como o existencialista o concebe,
só não
é passível de uma definição porque, de início, não é nada: só posteriormente
será alguma coisa e será aquilo que ele fizer de si mesmo. Assim, não existe
natureza humana, já que não existe um Deus para concebê-la. O homem é
tão-somente, não apenas como ele se concebe, mas também como ele se quer; como
ele se concebe após a existência, como ele se quer após esse impulso para a
existência. O homem nada mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo: é esse o
primeiro princípio do existencialismo. (...) o homem será apenas o que ele projetou ser. Não o que ele quis ser, pois
entendemos vulgarmente o querer como uma decisão consciente que, para quase
todos nós, é posterior àquilo que fizemos de nós mesmos. (...) Porém, se realmente a existência precede a essência, o homem é
responsável pelo que é. (...) Assim, quando
dizemos que o homem é responsável por si mesmo, não queremos dizer que o homem é
apenas responsável pela sua estrita individualidade, mas que ele é responsável
por todos os homens. (...) Subjetivismo significa, por um lado, escolha do
sujeito individual por si próprio e, por outro lado, impossibilidade em que o
homem se encontra de transpor os limites da subjetividade humana. É esse segundo
significado que constitui o sentido profundo do existencialismo. Ao afirmarmos
que o homem se escolhe a si mesmo, queremos dizer que cada um de nós se
escolhe, mas queremos dizer também que, escolhendo-se, ele escolhe todos os
homens. De fato, não há um único de nossos atos que, criando o homem que
queremos ser, não esteja criando, simultaneamente, uma imagem do homem tal
como julgamos que ele deva ser. Escolher ser isto ou aquilo é afirmar,
concomitantemente, o valor do que estamos escolhendo, pois não podemos nunca
escolher o mal; o que escolhemos é sempre o bem e nada
pode ser bom para nós sem o ser para todos. Se, por outro lado, a existência
precede a essência, e se nós queremos existir ao mesmo tempo que moldamos nossa
imagem, essa imagem é válida para todos e para toda a nossa, época. (...) Se eu
sou um operário e se escolho aderir a um sindicato cristão em vez de ser comunista,
e se, por essa adesão, quero significar que a resignação é, no fundo, a solução
mais adequada ao homem, que o reino do homem não é sobre a terra, não estou
apenas engajando a mim mesmo: quero resignar-me por todos e, portanto, a minha
decisão engaja toda a humanidade.
Tudo isso permite-nos compreender o que subjaz
a palavras um tanto grandiloquentes como angústia, desamparo, desespero. Como vocês poderão
constatar, é extremamente simples. Em primeiro lugar, como devemos entender a
angústia? O existencialista declara frequentemente que o homem é angústia. Tal
afirmação significa o seguinte: o homem que se engaja e que se dá conta de que
ele não é apenas aquele que escolheu ser, mas também um legislador que escolhe
simultaneamente a si mesmo e a humanidade inteira, não consegue escapar ao
sentimento de sua total e profunda responsabilidade. (...) devemos sempre perguntar-nos: o que aconteceria se todo mundo
fizesse como nós? e não podemos escapar a essa pergunta inquietante a não ser
através de uma espécie de má fé. Aquele que mente e que se desculpa dizendo:
nem todo mundo faz o mesmo, é alguém que não está em paz com sua consciência,
pois o fato de mentir implica um valor universal atribuído à mentira. (...) E cada homem deve perguntar a si próprio: sou eu,
realmente, aquele que tem o direito de agir de tal forma que os meus atos
sirvam de norma para toda a humanidade? E, se ele não fizer a si mesmo esta
pergunta, é porque estará mascarando sua angústia. Não se trata de uma
angústia que conduz ao quietismo, à inação. Trata-se de uma angústia simples,
que todos aqueles que um dia tiveram responsabilidades conhecem bem. Quando,
por exemplo, um chefe militar assume a responsabilidade de uma ofensiva e
envia para a morte certo número de homens, ele escolhe fazê-lo, e, no fundo,
escolhe sozinho. Certamente, algumas ordens vêm de cima, porém são abertas
demais e exigem uma interpretação; é dessa interpretação — responsabilidade sua
— que depende a vida de dez, catorze ou vinte homens. Não é possível que não
exista certa angustia na decisão tomada. Todos os chefes conhecem essa
angústia. Mas isso não os impede de agir, muito pelo contrário: é a própria
angústia que constitui a condição de sua ação, pois ela pressupõe que eles
encarem a pluralidade dos possíveis e que, ao escolher um caminho, eles se deem
conta de que ele não tem nenhum valor a não ser o de ter sido escolhido. (...) Não se trata de uma cortina entreposta entre nós e a ação, mas
parte constitutiva da própria ação.
Quando falamos de desamparo, expressão cara a Heidegger, queremos
simplesmente dizer que Deus não existe e que é necessário levar esse fato às
suas últimas consequências. (...) O
existencialista, pelo contrário, pensa que é extremamente incómodo que Deus não exista,
pois, junto com ele, desaparece toda e qualquer possibilidade de encontrar
valores num céu inteligível; não pode mais existir nenhum bem a priori, já
que não existe uma consciência infinita e perfeita para pensá-lo; não está
escrito em nenhum lugar que o bem existe, que devemos ser honestos, que não
devemos mentir, já que nos colocamos precisamente num plano em que só existem
homens. Dostoiévski escreveu: "Se Deus não existisse, tudo seria permitido".
Eis o ponto de partida do existencialismo. De fato, tudo é permitido se Deus não existe, e, por conseguinte, o homem está desamparado porque não encontra nele próprio nem fora dele nada a que se agarrar. Para começar, não encontra desculpas. Com efeito, se a existência precede a essência, nada poderá jamais ser explicado por referência a uma natureza humana dada e definitiva; ou seja, não existe determinismo, o homem é livre, o homem é liberdade.
Por outro lado, se Deus não existe, não
encontramos, já prontos, valores ou ordens que possam legitimar a nossa
conduta. Assim, não teremos nem atrás de nós, nem na nossa frente, no reino
luminoso dos valores, nenhuma justificativa e nenhuma desculpa. Estamos sós,
sem desculpas. É o que posso expressar dizendo que o homem está condenado a
ser livre. Condenado, porque não se criou a si mesmo, e como, no entanto, é
livre, uma vez que foi lançado no mundo, é responsável por tudo o que faz. O
existencialista não acredita no poder da paixão. Ele jamais admitirá que uma
bela paixão é uma corrente devastadora que conduz o homem, fatalmente, a
determinados atos, e que, consequentemente, é uma desculpa. Ele considera que o
homem é responsável por sua paixão. O existencialista não pensará nunca,
também, que o homem pode conseguir o auxílio de um sinal qualquer que o oriente
no mundo, pois considera que é o próprio homem quem decifra o sinal como bem
entende. Pensa, portanto, que o homem, sem apoio e sem ajuda, está condenado a
inventar o homem a cada instante.
Já que os valores são vagos e que eles são sempre amplos demais
para o caso preciso e concreto que consideramos, só nos resta confiar em nosso
instinto. Foi o que o jovem tentou fazer; (...) Mas como determinar o valor de um sentimento? (...) Posso dizer: amo minha
mãe o bastante para ficar junto dela; mas não posso determinar o valor dessa
afeição a não ser, precisamente, que eu pratique um ato que a confirme e a
defina. Ora, como eu desejo que esse afeto justifique os meus atos, acabo sendo
arrastado num círculo vicioso.
Por outro lado, Gide disse, e muito bem, que um
sentimento representado e um sentimento vivido são duas coisas quase
indiscerníveis: decidir que amo minha mãe ficando junto dela, ou representar
uma comédia que me levará a ficar, por causa de minha mãe, é mais ou menos a
mesma coisa. Por outras palavras: o sentimento constrói-se através dos atos
praticados; não posso, portanto, pedir-lhe que me guie. O que significa que não
posso nem procurar em mim mesmo a autenticidade que me impele a agir, nem
buscar numa moral os conceitos que me autorizam a agir. (...) Nenhuma moral geral poderá indicar-lhe o caminho a seguir; não existem
sinais no mundo. (...) O desamparo
implica que somos nós mesmos que escolhemos o nosso ser. Desamparo e angústia
caminham juntos. Quanto ao desespero, trata-se de um conceito extremamente
simples. Ele significa que só podemos contar com o que depende da nossa vontade
ou com o conjunto de probabilidades que tornam a nossa ação possível. Quando se
quer alguma coisa, há sempre elementos prováveis. (...) A partir do momento em que as possibilidades que estou
considerando não estão diretamente envolvidas em minha ação, é preferível
desinteressar-me delas, pois nenhum Deus, nenhum desígnio poderá adequar o
mundo e seus possíveis à minha vontade. No fundo, quando Descartes afirmava:
"É melhor vencermo-nos a nós mesmos do que ao mundo", ele queria
dizer a mesma coisa: agir sem esperança. (...) Isso significa que eu deva abandonar-me ao quietismo? De modo
algum. Primeiro, tenho que me engajar; em seguida, agir segundo a velha fórmula: "não é
preciso ter esperança para empreender". (...) O quietismo é a atitude daqueles que dizem: os outros podem fazer o que eu não
posso. A doutrina que lhes estou apresentando é justamente o contrário do
quietismo, visto que ela afirma: a realidade não existe a não ser na ação;
aliás, vai mais longe ainda, acrescentando: o homem nada mais é do que o seu
projeto; só existe na medida em que se realiza; não é nada além do conjunto de
seus atos, nada mais que sua vida. (...) para o existencialista, não existe amor senão aquele que se constrói; não
há possibilidade de amor senão a que se manifesta num amor; não há génio senão
aquele que se expressa em obras de arte: o génio de Proust é a totalidade das
obras de Proust; o génio de Racine é a série de tragédias que escreveu; para
além disso, não há nada. Por que atribuir a Racine a possibilidade de escrever
uma outra tragédia, se, justamente, ele não o fez? Um homem compromete-se com
sua vida, desenha seu rosto e para além desse rosto, não
existe nada. (...) todavia, quando se diz:
"tu nada mais és do que tua vida", isso não implica que o artista seja julgado unicamente por suas obras de arte; mil outras coisas
contribuem igualmente para defini-lo. O que queremos dizer é que um homem nada mais é do que uma série de empreendimentos, que ele é a soma, a
organização, o conjunto das relações que constituem esses empreendimentos.
Não existe temperamento covarde; existem temperamentos nervosos,
existem pessoas que têm "sangue fraco" como diz o povo, ou
temperamentos ricos; mas o homem que tem sangue fraco nem por isso é um
covarde, pois o que cria a covardia é o ato de renunciar ou de ceder: um
temperamento não é um ato e o covarde se define pelos atos que pratica. (...) O que o existencialista afirma é que o covarde se faz
covarde, que o herói se faz herói; existe sempre, para o covarde, uma
possibilidade de não mais ser covarde, e, para o herói, de deixar de o ser.
(...)
o existencialismo diz-lhe que a única esperança está em
sua ação e que só o ato permite ao homem viver.
Nós desejamos, precisamente, estabelecer o reino humano como um
conjunto de valores distintos dos do reino material. (...) Através do penso, contrariamente à filosofia de Descartes,
contrariamente à filosofia de Kant, nós nos apreendemos a nós mesmos perante o
outro, e o outro é tão verdadeiro para nós quanto nós mesmos. Assim, o homem
que se alcança diretamente pelo cogito descobre também todos os outros,
e descobre-os como sendo a própria condição de sua existência. Ele se dá conta
de que só pode ser alguma coisa (no sentido em que se diz que alguém é
espirituoso, ou é mau ou é ciumento) se os outros o reconhecerem como tal. Para
obter qualquer verdade sobre mim, é necessário que eu considere o outro. O
outro é indispensável à minha existência tanto quanto, aliás, ao conhecimento
que tenho de mim mesmo. Nessas condições, a descoberta da minha intimidade
desvenda-me, simultaneamente, a existência do outro como uma liberdade
colocada na minha frente, que só pensa e só quer ou a favor ou contra mim.
Desse modo, descobrimos imediatamente um mundo a que chamaremos de
intersubjetividade e é nesse mundo que o homem decide o que ele é e o que são
os outros.
Além disso, se bem que seja impossível encontrar
em cada homem uma essência universal que seria a natureza humana, consideramos
que exista uma universalidade humana de condição. (...) As situações históricas variam: o homem pode nascer escravo numa sociedade
pagã ou senhor feudal ou proletário. O que não muda é o fato de que, para ele,
é sempre necessário estar no mundo, trabalhar, conviver com os outros e ser
mortal. Tais limites não são nem subjetivos nem objetivos; ou, mais exatamente,
têm uma face objetiva e uma face subjetiva. São objetivos na medida em que
podem ser encontrados em qualquer lugar e são sempre reconhecíveis; são
subjetivos porque são vividos e nada são se o homem os não viver, ou
seja, se o homem não se determinar livremente na sua existência em relação a
eles. (...) cada um de nós é absoluto
respirando, comendo, dormindo ou agindo de um modo qualquer. Não existe
diferença alguma entre ser livremente, ser como projeto, como existência que
escolhe a sua essência, e ser absoluto; não existe nenhuma diferença entre ser
um absoluto temporariamente situado, ou seja, que se localizou na história, e
ser universalmente compreensível.
A escolha é possível, em certo sentido, porém o que não é possível é não escolher.
Eu posso sempre escolher mas devo estar ciente de que, se não escolher, assim
mesmo estarei escolhendo. (...) o homem
encontra-se numa situação organizada, com a qual está engajado; pela sua escolha (...) Digamos antes que devemos comparar a escolha moral à construção de uma obra
de arte. E, aqui, precisamos fazer uma pausa para esclarecer que não se trata
de uma moral estética, pois a má fé de nossos adversários é tanta que até disso
nos acusam. O exemplo que escolhi não passa de uma comparação. Esclarecido esse
ponto, perguntamos: alguma vez se acusou um artista que faz um quadro de ele
não se inspirar em regras estabelecidas a priori? Alguém, alguma vez, lhe indicou que quadro deveria
fazer? É evidente que não existe nenhum quadro definido que deva ser feito; o
artista engaja-se na construção do seu quadro e o quadro que deve ser feito é,
precisamente, o quadro que ele tiver feito. Sabemos que não existem valores
estéticos a priori; contudo, existem valores que se tornam visíveis,
posteriormente, na própria coerência do quadro, nas relações que existem entre
a vontade de criação e o resultado. Ninguém pode prever como será a pintura de
amanhã; não se pode julgar a pintura a não ser que esteja feita. Qual a relação
de tudo isso com a moral? Trata-se da mesma situação criadora. Nunca falamos
na gratuidade de uma obra de arte. Quando nos referimos a uma tela de Picasso,
nunca dizemos que ela é gratuita; compreendemos perfeitamente que ele se
construiu a si mesmo, tal qual é, ao mesmo tempo que pintava, que o conjunto
de sua obra se incorpora à sua vida.
O mesmo acontece no plano moral. O que há em comum entre a arte
e a moral é que, nos dois casos, existe criação e invenção. Não podemos decidir
a priori o que devemos fazer.
(...) algumas escolhas estão fundamentadas no erro
e outras na verdade. Podemos julgar um homem dizendo que ele tem má fé. Tendo
definido a situação do homem como uma escolha livre, sem desculpas e sem
auxílio, consideramos que todo homem que se refugia por trás da desculpa de
suas paixões, todo homem que inventa um determinismo, é um homem de má fé. É
possível objetar o seguinte: por que razão ele não poderia escolher-se como um
homem de má fé? E eu respondo que não tenho que julgá-lo moralmente, mas defino
a sua má fé como um erro. Não podemos escapar, aqui, a um juízo de verdade.
(...) Alguém pode perguntar-me: e
se eu quiser ser um homem de má fé? Eu responderei: não há motivo algum para
que você não possa sê-lo, mas declaro que você tem má fé e que a atitude de
estrita coerência é a atitude de boa-fé. Além disso, posso fazer um juízo
moral. Quando declaro que a liberdade, através de cada circunstância concreta,
não pode ter outro objetivo senão o de querer-se a si própria, quero dizer que,
se alguma vez o homem reconhecer que está estabelecendo valores, em seu
desamparo, ele não poderá mais desejar outra coisa a não ser a liberdade como
fundamento de todos os valores. Isso não significa que ele a deseja
abstratamente. Mas, simplesmente, que os atos dos homens de boa fé possuem como
derradeiro significado a procura da liberdade enquanto tal. Um homem que adere
a um sindicato comunista ou revolucionário quer alcançar objetivos concretos;
tais objetivos implicam uma vontade abstrata de liberdade; porém, essa
liberdade é desejada em função de uma situação concreta. Queremos a liberdade
através de cada circunstância particular. E, querendo a liberdade, descobrimos
que ela depende integralmente da liberdade dos outros, e que a liberdade dos
outros depende da nossa. (...) Posso, portanto,
formar juízos sobre aqueles que pretendem ocultar a si mesmos a total
gratuidade de sua existência e sua total liberdade, em nome dessa vontade de
liberdade implicada pela própria liberdade. (...) A única coisa que importa é saber se a invenção que se faz se faz
em nome da liberdade.
Antes de alguém viver, a vida, em si mesma, não é nada; é quem a vive que deve
dar-lhe um sentido; e o valor nada mais é do que esse sentido escolhido. (...) a palavra humanismo tem dois significados muito diferentes.
Podemos considerar como humanismo uma teoria que toma o homem como meta e como
valor superior. (...) O que supõe que podemos atribuir um valor ao homem em função dos atos mais
elevados de certos homens. (...) O existencialismo
dispensa-o de todo e qualquer juízo desse tipo: o existencialismo não colocará nunca o homem como
meta, pois ele está sempre por fazer. E não devemos acreditar que existe uma
humanidade à qual possamos nos devotar, tal como fez Auguste Comte. O culto da
humanidade conduz a um humanismo fechado sobre si mesmo, como o de Comte, e,
temos de admiti-lo, ao fascismo. Este é um humanismo que recusamos.
Existe, porém, outro sentido para o
humanismo, que é, no fundo, o seguinte: o homem está constantemente fora de si
mesmo; é projetando-se e perdendo-se fora de si que ele faz com que o homem
exista; por outro lado, é perseguindo objetivos transcendentes que ele pode
existir; sendo o homem essa superação e não se apoderando dos objetos senão em
relação a ela, ele se situa no âmago, no centro dessa superação. Não existe
outro universo além do universo humano, o universo da subjetividade humana. É a
esse vínculo entre a transcendência, como elemento constitutivo do homem (não
no sentido em que Deus é transcendente, mas no sentido de superação), e a subjetividade
(na medida em que o homem não está fechado em si mesmo, mas sempre presente
num universo humano) que chamamos humanismo existencialista. Humanismo, porque
recordamos ao homem que não existe outro
legislador a não ser ele próprio e que é no desamparo que ele decidirá sobre si
mesmo; e porque mostramos que não é voltando-se para si mesmo mas procurando
sempre uma meta fora de si.
O existencialismo não é tanto um ateísmo no
sentido em que se esforçaria por demonstrar que Deus não existe. Ele declara,
mais exatamente: mesmo que Deus existisse, nada mudaria; eis nosso ponto de
vista. Não que acreditemos que Deus exista, mas pensamos que o problema não é o
de sua existência; é preciso que o homem se reencontre e se convença de que
nada pode salvá-lo dele próprio, nem mesmo uma prova válida da existência de
Deus.
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