terça-feira, 10 de janeiro de 2017

MAQUIAVEL

Trechos da obra O Príncipe


NICOLAU MAQUIAVEL


CAPÍTULO XVII

Da crueldade e da piedade e se é melhor ser amado ou temido

(...) cada Príncipe deve desejar ser tido como piedoso e não como cruel: apesar disso, deve cuidar de empregar convenientemente essa piedade. (...) Não deve, portanto, importar ao Príncipe a qualificação de cruel para manter seus súditos unidos e leais, porque, com raras exceções, é ele mais piedoso do que aqueles que por muita clemência deixam acontecer desordens, das quais podem nascer assassínios ou rapinagem.
(...) será melhor ser amado que temido ou vice-versa. Responder-se-á que se desejaria ser uma e outra coisa; mas como é difícil reunir ao mesmo tempo as qualidades que dão aqueles resultados, é muito mais seguro ser temido que amado, quando se tenha de falhar em uma das duas. E que os homens geralmente são ingratos, volúveis, simuladores, covardes e ambiciosos de dinheiro, e, enquanto lhes fizeres bem, todos estarão contigo, oferecendo-te sangue, bens, vida, filhos, como disse acima, desde que a necessidade esteja longe de ti. Mas, quando ela se avizinha, voltam-se para outra parte. E o Príncipe, que se confiou plenamente em palavras e não tomou outras precauções, está arruinado. Pois as amizades conquistadas por interesse, e não por grandeza e nobreza de caráter, são compradas, mas não se pode contar com elas no momento necessário. E os homens hesitam menos em ofender aos que se fazem amar do que aos que se fazem temer, porque o amor é mantido por um vínculo de obrigação, o qual, em virtude de serem os homens maus, é rompido sempre que lhe aprouver, ao passo que o temor que se infunde é alimentado pelo receio de castigo, que é um sentimento que não se abandona nunca. Deve, portanto, o Príncipe fazer-se temer de maneira que, se não se fizer amado, pelo menos evite o ódio, pois é fácil ser ao mesmo tempo temido e não odiado, o que sucederá uma vez que se abstenha de se apoderar dos bens e das mulheres de seus cidadãos e de seus súditos, e, mesmo sendo obrigado a atingir a família de alguém, poderá fazê-lo quando houver justificativa conveniente e causa manifesta. Deve, sobretudo, abster-se de se aproveitar dos bens dos outros, porque os homens esquecem mais depressa a morte do pai do que a perda de seu patrimônio.
Mas quando o Príncipe está em campanha e tem sob seu comando grande número de soldados, então é absolutamente necessário não se importar com a fama de cruel, porque, sem ela, não se conseguiria nunca manter um exército unido e disposto a qualquer ação.

CAPÍTULO XVIII

De que forma os Príncipes devem manter a palavra

Todos compreendem o quanto seja louvável a um Príncipe manter a palavra e viver com integridade, não com astúcia; contudo, observa-se, pela experiência, em nosso tempo, que houve Príncipes que fizeram grandes coisas, mas em pouca conta tiveram a palavra dada, e souberam, pela astúcia, iludir os homens, superando, enfim, os que foram leais.
(...) um Príncipe prudente não pode nem deve guardar a palavra dada quando isso se lhe torne prejudicial e quando as causas que o determinaram cessem de existir. Se os homens todos fossem bons, esse preceito seria mau. Mas, dado que são maus e que não a observariam a teu respeito, também não és obrigado a cumpri-la para com eles. Jamais faltaram aos Príncipes razões legítimas para dissimular o descumprimento da palavra empenhada.
(...) É que os homens, em geral, julgam mais pelos olhos do que pelas mãos, pois todos podem ver, mas poucos são os que sabem sentir. Todos veem o que tu pareces, mas poucos o que és realmente, e estes poucos não têm a audácia de contrariar a opinião dos que têm por si a majestade do Estado. Nas ações de todos os homens, principalmente dos Príncipes, onde não há tribunal para recorrer, o que importa são os fins. Procure, pois, um Príncipe, vencer e conservar o Estado. Os meios que empregar serão sempre julgados honrosos e louvados por todos, porque o vulgo é levado pelas aparências e pelos resultados dos fatos consumados, e o mundo é constituído pelo vulgo, e não haverá lugar para a minoria se a maioria tem onde se apoiar.

CAPÍTULO XXV

De quanto pode a fortuna nas coisas humanas e de que modo se deve resistir-lhe

Não me é desconhecido que muitos têm tido e têm a opinião de que as coisas do mundo são governadas pela fortuna e por Deus, de sorte que a prudência dos homens não pode corrigi-las, e mesmo não lhes traz remédio algum. Por isso, poder-se-ia julgar que não deve alguém incomodar-se muito com elas, mas deixar-se governar pela sorte. Essa opinião é grandemente aceita em nosso tempo pela grande variação das coisas, o que se vê todo dia, fora de toda conjetura humana. Às vezes, pensando nisso, tenho me inclinado a aceitá-la. Não obstante, e para que nosso livre-arbítrio não desapareça, penso poder ser verdade que a fortuna seja arbitra de metade de nossas ações, mas que, ainda assim, ela nos deixe governar quase a outra metade. Comparo-a a um desses rios impetuosos que, quando se encolerizam, alagam as planícies, destroem as árvores, os edifícios, arrastam montes de terra de um lugar para outro: tudo foge diante dele, tudo cede a seu ímpeto, sem poder obstar-lhe. E, se bem que as coisas se passem assim, não é menos verdade que os homens, quando volta a calma, podem fazer reparos e barragens, de modo que, em outra cheia, aqueles rios correrão por um canal, e seu ímpeto não será tão livre nem tão danoso. Do mesmo modo acontece com a fortuna; seu poder é manifesto onde não existe resistência organizada, dirigindo ela sua violência só para onde não se fizeram diques e reparos para contê-la.
(...) um Príncipe se apoia totalmente na fortuna, arruína-se segundo as variações daquela. Também julgo feliz aquele que combina seu modo de proceder com as particularidades dos tempos, e infeliz o que faz discordar dos tempos sua maneira de proceder. (...) tendo alguém prosperado em um caminho, não pode resignar-se a abandoná-lo. Ora, o homem circunspecto, quando chega a ocasião de ser impetuoso, não o sabe ser, e por isso se arruína, porque, se mudasse de natureza, conforme o tempo e as coisas, não mudaria de sorte.
(...) Estou convencido de que é melhor ser impetuoso do que circunspecto, porque a sorte é mulher e, para dominá-la, é preciso bater-lhe e contrariá-la. E é geralmente reconhecido que ela se deixa dominar mais por estes do que por aqueles que procedem friamente. A sorte, como mulher, é sempre amiga dos jovens, porque são menos circunspectos, mais ferozes e com maior audácia a dominam.

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