Trecho das obras: Sapiens – Uma breve história da humanidade, Antologia de textos de Epicuro e uma explicação sobre Leibniz
A batalha entre o bem e o mal
O politeísmo deu origem não só a religiões monoteístas
como também a religiões dualistas. Estas reconhecem a existência de dois
poderes opostos: o bem e o mal. Ao contrário do monoteísmo, o dualismo acredita
que o mal é um poder independente, nem criado pelo Deus bom e nem subordinado a
ele. O dualismo explica que todo o universo é um campo de batalha entre essas
duas forças e que tudo que acontece no mundo é parte dessa batalha.
O dualismo é uma visão de mundo muito atraente, porque
tem uma resposta simples e sucinta para o famoso problema do mal, uma das
preocupações fundamentais do pensamento humano. "Por que há mal no mundo?
Por que há sofrimento? Por que acontecem coisas ruins com pessoas boas?"
Os monoteístas têm de praticar uma ginástica intelectual para explicar como um
Deus onisciente, todo-poderoso e perfeitamente bom permite tanto sofrimento no
mundo. Uma explicação conhecida é que essa é a maneira que Deus encontrou de
dotar os humanos de livre-arbítrio. Se não houvesse mal, os humanos não
poderiam escolher entre o bem e o mal; por conseguinte, não haveria
livre-arbítrio. Isso, no entanto, é uma resposta pouco intuitiva que
imediatamente levanta uma série de novas perguntas. O livre-arbítrio permite
que os humanos escolham o mal. Com efeito, muitos escolhem o mal, e, de acordo
com o relato monoteísta padrão, essa escolha deve ter como consequência a
punição divina. Se Deus soubesse de antemão que determinada pessoa usaria seu
livre-arbítrio para escolher o mal, e que, em consequência, ela seria punida
por isso com torturas eternas no Inferno, por que Deus a criaria?
Para os dualistas, é fácil explicar o mal. Coisas ruins
acontecem até mesmo para pessoas boas porque o mundo não é governado
tão-somente por um Deus bom. Há um poder maligno independente à solta no mundo.
O poder maligno faz coisas ruins.
O dualismo tem suas próprias desvantagens. Embora ofereça
uma solução para o problema do mal, é incomodada pelo problema da ordem. Se o
mundo foi criado por um só Deus, fica claro por que razão trata-se de um lugar
tão ordeiro, onde tudo segue as mesmas leis. Mas se o Bem e o Mal lutam pelo
controle do mundo, quem faz com que se cumpram as leis que governam essa guerra
cósmica? Dois Estados rivais podem lutar um com o outro porque ambos obedecem
às mesmas leis da física. Um míssil lançado do Paquistão pode acertar alvos na
índia porque a gravidade funciona do mesmo jeito em ambos os países. Quando
Deus e o Diabo lutam, a que leis em comum obedecem, e quem decretou essas leis?
Há uma maneira lógica de resolver essa charada: afirmar
que há um único Deus onipotente que criou o universo inteiro – e Ele é um Deus
maligno. Mas ninguém, em toda a história, teve estômago para tal crença.
Leibniz
Para Leibniz, Deus escolheu dentre os mundos possíveis, o
que melhor espelhava sua perfeição, mas não poderia ser tão perfeito quanto o próprio
Deus, para não ser Ele mesmo e para existir o livre-arbítrio. Ele escolheu esse
mundo por uma necessidade moral. Mas se esse mundo é tão bom porque existe o
mal? No leibnizianismo, existe um conjunto de argumentos que,
em face da presença do mal no mundo, procuram defender e justificar a crença na
onipotência e suprema bondade do Deus criador, contra aqueles que, em vista de
tal dificuldade, duvidam de sua existência ou perfeição (Teodiceia), Leibniz identifica três tipos de mal:
1. O mal metafísico, que deriva da finitude do
que não é Deus
2. O mal moral, que advém do homem, não de Deus.
É o pecado.
3. O mal físico. Deus o faz para evitar males
maiores, para corrigir.
O mal não é algo que desfaz a bondade de Deus. O mal é
tudo que se diferencia de Deus, é o menos bem, sendo que somente se poderia ter
feito o mal (imperfeição) para Ele fazer algo diferente e sair de si mesmo, em
outras palavras, Deus somente poderia fazer o mal. Deus é o “sumo bem” (o objetivo final, contendo todos os outros bens, ou bem maior), por isso
não pode haver algo igual a Ele, muito menos a criatura que Ele cria, ela tem
que ser inferior. Todo o resto que não é Deus é mal, logo, Ele é a medida para ajudar
a distinguir o que é bom do mal. Apesar
de tudo, estamos no melhor dos mundos possíveis, o ser só é, só existe, porque
é o melhor possível e necessário, pois o mundo para ter movimento precisa ser
dessa maneira.
O paradoxo
de Epicuro
“Deus,
ou quer impedir os males e não pode, ou pode e não quer, ou não quer e nem
pode, ou quer e pode. Se quer e não pode, é impotente: o que é impossível em
Deus. Se pode e não quer, é invejoso [tem desgosto pela felicidade dos outros]:
o que, do mesmo modo, é contrário a Deus. Se nem quer e nem pode, é invejoso e
impotente: portanto, nem sequer é Deus. Se pode e quer, o que é a única coisa
compatível com Deus, donde provém então a existência dos males? Por que razão é
que não os impede?”
Referência bibliográfica:
HARARI, Yuval Noah. Sapiens – Uma breve história da humanidade. Tradução Janaína
Marcoantonio. 5ª ed. Porto Alegre, RS: L&PM, 2015.
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