quinta-feira, 17 de abril de 2014

Períodos e campos de investigação da filosofia grega


Filosofia da Grécia: história


 A filosofia admite quatro fases na cronologia filosófica grega, coincidentes com os períodos históricos ou não.
Arcaico, que abrange os anos de 800 a 500 a.C., quando se inicia a formação da pólis, com o processo de urbanização, e a colonização grega. É desse período o surgimento dos primeiros pensadores que hoje conhecemos como pré-socráticos.

Período pré-socrático ou cosmológico, do fim do século VII a.C. ao fim do século V a.C, quando a filosofia se ocupa fundamentalmente com a origem do mundo e as causas das transformações na natureza.
Clássico, que vai de 500 a 338 a.C. e corresponde ao período de esplendor da civilização grega. As duas cidades consideradas mais importantes desse período foram Esparta e Atenas, além de Tebas, Corinto e Siracusa. São desse período as leis de Sólon, as aulas de Sócrates, os diálogos platônicos e o Liceu de Aristóteles.

Período clássico ou antropológico, do fim do século V a.C. a todo o século IV a.C., quando a filosofia investiga as questões humanas, isto é, a ética, a política e as técnicas, e busca compreender qual é o lugar do homem no mundo.

antropológico: Em grego, ântropos quer dizer "homem"; por isso, o período socrático recebeu o nome de "antropoló­gico"

Helenístico, de 338 a 146 a.C. instala-se a crise da pólis grega com a invasão macedônica. Apesar de politicamente dominada, a cultura e a filosofia grega se expandem para além das suas antigas colônias com as posteriores conquistas de Alexandre, o líder da Macedônia. A mesma coisa acontece após a dominação romana.

Trata-se do último período da filosofia antiga, quando a pólis grega desaparece como centro político e deixa de ser a referência principal dos filósofos, uma vez que a Grécia encontra-se sob o poderio do Império Romano. Os filósofos dizem, agora, que o mundo é sua cidade e que eles são cidadãos do mundo. Em grego, mundo se diz cosmos, donde esse período ser chamado o da filosofia cosmopolita.
Antiguidade tardia, de 150 a.C. a 450 d.C. A filosofia neoplatônica influencia os teóricos do cristianismo. Essa expressão se refere preferencialmente ao período posterior a 100 d.C. por se considerar o helenismo estendido por um período de decadência da filosofia grega, agora dispersa em escolas menores, mas não menos importantes que a academia de Platão ou o liceu de Aristóteles.

Datam desse período quatro grandes sistemas cuja influência será sentida pelo pensamento cristão, que começa a formar-se nessa época: estoicismo, epicurismo, ceticismo e neoplatonismo

A história grega segue muito de perto o desenvolvimento político de suas cidades, desde os genos (núcleos familiares com regras próprias em parte baseadas nas tradições religiosas) até a pólis, a cidade ‘política’, do período clássico.

Pré-socráticos - Os filósofos da natureza
Cada um dos filósofos gregos anteriores (VII a. C.) ou, em alguns casos, contemporâneos a Sócrates (470-399 a.C.) são considerados pré-socráticos, que se caracterizavam pela reflexão a respeito da origem e da essência do mundo natural, em oposição às preocupações centrais do socratismo e doutrinas posteriores com a ética e a teoria do conhecimento
Os pré-socráticos, a partir da observação dos fenômenos da natureza, tentaram compreender o mundo e podem ser considerados os pioneiros da ciência na busca do conhecimento.
Eles acreditavam que na própria natureza poderiam ser encontradas as explicações de seus fenômenos.
Alguns pré-socráticos e suas substâncias primordiais:
Tales de Mileto – a água (tudo vem do úmido)
Anaximandro – indeterminado, infinito, e sempre em movimento
Anaxímenes – o ar
Empédocles – água, terra, fogo e ar, que combinados entre si, compunham a natureza
Anaxágoras e Demócrito – átomos
Pitágoras – números, isto é, nas relações matemáticas
Heráclito – o fogo que representa a mudança, a transformação, o devir. “O homem não se banha duas vezes nas águas de um mesmo rio”
Parmênides – em oposição a Heráclito, Parmênides a firma que em tudo existe uma permanência, mesmo na mudança é preciso que algo permaneça inalterável, existe uma identidade nas coisas, “o ser é; e o não ser não é”.
Período pré-socrático ou cosmológico

A filosofia pré-socrática se desenvolve em cidades da Jônia (na Ásia Menor): Mileto, Éfeso, Samos e Clazômena; em cidades da Magna Grécia (sul da Itália e Sicília): Crotona, Tarento, Eleia e Agrigento; e na cidade de Abdera, na Trácia.

Os principais filósofos pré-socráticos foram:

• os da Escola Jonica: Tales de Mileto, Anaxímenes de Mileto, Anaximandro de Mileto e Heráclito de Éfeso;

• os da Escola Itálica: Pitágoras de Samos, Filolau de Cro­tona e Árquitas de Tarento;

• os da Escola Eleata: Parmênides de Eleia e Zenão de Eleia;

• os da Escola da Pluralidade: Empédocles de Agrigento, Leucipo de Abdera e Demócrito de Abdera.

As principais características da cosmologia são:

• Uma explicação racional e sistemática sobre a origem, ordem e transformação da natureza.

• A busca do princípio natural, eterno, imperecível e imortal, gerador de todos os seres. A cosmologia não admite a criação do mundo a partir do nada; ela afirma a geração de todas as coisas por um princípio natural de onde tudo vem e para onde tudo retorna. Esse princípio é uma natureza primordial chamado physis.
physis: Palavra de origem grega que significa "fazer surgir fazer brotar, fazer nascer, produzir"

A physis não pode ser conhecida pela percepção sensorial (esta só nos oferece as coisas já existentes), mas apenas pelo pensamento.

A physis é a natureza tomada em sua totalidade, isto é, a natureza entendida como princípio e causa primordial da existência e das transforações das coisas naturais (os seres humanos aí incluídos) e entendida como o conjunto ordenado e organizado de todos os seres naturais ou físicos.

Que a physis é imortal e as coisas físicas são mortais.

Que o mundo está numa mudança contínua, sem por isso perder sua forma, sua ordem e sua estabilidade. A mudança – nascer, mudar de qualidade ou de quantidade, perecer – se diz em grego kínesis.

kínesis: Vocábulo que significa "movimento". Por movimento, os gregos não entendem apenas a mudança de lugar ou a locomoção, mas toda e qualquer alteração ou mudança qualitativa e/ou quantitativa de um ser, bem como seu nascimento e seu perecimento.

Essa passagem, no entanto, não é caótica, pois obedece a leis determinadas pela physis.

Embora todos os pré-socráticos afirmassem as ideias que acabamos de expor, nem por isso concordaram ao determinar o que era a physis. Tales dizia que a physis era a água ou o úmido; Anaximandro considerava que era o ilimitado, sem qualidades definidas; Anaxímenes, que era o ar ou o frio; Pitágoras julgava que era o número (entendido como estrutura e relação proporcional entre os elementos que compõem as coisas); Heráclito afirmou que era o fogo; Empédocles, que eram quatro raízes (úmido, seco, quente e frio); Anaxágoras, que eram sementes que contêm os elementos de todas as coisas; Leucipo e Demócrito disseram que eram os átomos.

Período socrático ou antropológico

Com o desenvolvimento das cidades, do comér­cio, do artesanato e das artes militares, Atenas tornou-se o centro da vida social, política e cultural da Grécia, e viveu seu período de esplendor, conhecido como o Século de Péricles.

É a época de maior florescimento da democracia. Surgia, assim, a figura política do cidadão.

Para conseguir que sua opinião fosse aceita nas assembleias, o cidadão precisava saber falar e ser capaz de persuadir os demais. Com isso, uma mudança profunda vai ocorrer na educação grega.

Antes da instituição da democracia, as cidades eram dominadas pelas famílias aristocráticas, senhoras das terras e do poder militar. Essas famílias, valendo-se dos grandes poetas gregos, Homero, Píndaro e Hesíodo, criaram um padrão de educação próprio dos aristocratas. Esse padrão afirmava que o homem ideal ou perfeito era o guerreiro belo e bom. Belo: seu corpo era formado pela ginástica, pela dança e pelos jogos de guerra, imitando os heróis da guerra de Tróia (Aquiles, Heitor, Ajax, Ulisses). Bom: seu espírito era formado escutando Homero, Píndaro e Hesíodo, aprendendo com eles as virtudes admiradas pelos deu­ses e praticadas pelos heróis; a principal delas era a coragem diante da morte, na guerra. A virtude era a aretê, própria dos melhores, ou, em grego, própria dos aristoi.

aretê: Palavra grega que significa "excelência e superioridade"

O ideal da educação do Século de Péricles já não é a formação do jovem guerreiro, belo e bom, e sim a formação do bom cidadão.

Ora, qual é o momento em que o cidadão mais aparece e mais exerce sua cidadania? Quando opina, discute, delibera e vota nas assembleias. Assim, a nova educação estabelece como padrão ideal a for­mação do bom orador, isto é, aquele que sabe falar em público e persuadir os outros na política.

Para dar aos jovens essa educação, substituindo a educação antiga dos poetas, surgiram, na Grécia, os sofistas. Que diziam e faziam os sofistas? Diziam que os ensinamentos dos filósofos cosmologistas estavam repletos de erros e contradições e que não tinham utilidade para a vida da pólis. Os sofistas ensinavam técnicas de persuasão aos jovens, que aprendiam a defender a posição ou opinião A, depois a posição ou opinião contrária, não-A.

Sócrates (469-399 a.C.)

Sócrates é citado com frequência como um dos fundadores da filosofia ocidental. Contudo, nada escreveu, não criou escola alguma nem elaborou qualquer teoria. O que ele fez foi formular insistentemente perguntas que o interessavam e, ao fazê-lo, desenvolveu uma nova maneira de pensar, um novo modo de investigar o que pensamos. Isso foi chamado de método socrático, ou dialético (porque se encaminha como um diálogo entre visões opostas), e lhe rendeu vários inimigos em Atenas, onde vivia. Difamado como sofista (alguém que argumenta para vencer a discussão, e não para chegar à verdade), foi condenado à morte sob acusação de corromper a juventude com ideias que solapavam as tradições. Mas também teve muitos seguidores, entre eles Platão, que registrou as ideias socráticas numa série de obras escritas, chamadas diálogos, nas quais Sócrates examina vários temas.

O objetivo da vida

Sócrates não procurava respostas ou explicações definitivas: somente investigava a base dos conceitos que aplicamos a nós mesmos (como "bom" "ruim" e "justo"), porque acreditava que compreender o que somos é a primeira tarefa da filosofia.

A preocupação central de Sócrates foi a investigação sobre a vida. De acordo com o relato da defesa em seu julgamento, registrado por Platão, Sócrates preferiu a morte a ter de encarar uma vida de ignorância: "A vida irrefletida não vale a pena ser vivida"

Sócrates foi um dos primeiros filósofos a considerar o que constituía uma vida "virtuosa”; para ele, tratava-se de alcançar a paz de espírito como resultado de fazer a coisa certa, em vez de viver de acordo com os códigos morais da sociedade. E a "coisa certa" somente pode ser determinada por meio de um exame rigoroso.

Ele acreditava que a virtude (areté em grego, que na época implicava excelência e concretização) era "o mais valioso dos bens" e que ninguém realmente deseja fazer o mal. Qualquer pessoa que fizesse algo ruim estaria agindo contra sua consciência e, portanto, sentir-se-ia desconfortável -e, como todos lutamos pela paz de espírito, não seria algo que faríamos de boa vontade. O mal, ele pensava, era perpetrado pela falta de sabedoria e conhecimento. A partir disso, concluiu que "há apenas uma coisa boa: conhecimento; e uma coisa má: ignorância" O conhecimento é indissociável da moralidade. É a "única coisa boa" e por essa razão devemos sempre "examinar" nossas vidas.

Cuidado com a alma

O cultivo do conhecimento, em vez de riqueza ou status, seria o objetivo supremo da vida. Não uma questão de diversão ou curiosidade, mas a razão pela qual existimos.
Em Fédon, Sócrates diz que uma vida irrefletida leva a alma a ficar "confusa e aturdida, como se estivesse bêbada" enquanto uma alma sábia alcança a estabilidade e seu vagar chega a um fim.

Método dialético

Segundo a lenda, um amigo do filósofo perguntou à sacerdotisa de Apoio em Delfos quem era o homem mais sábio do mundo. A resposta do oráculo foi que ninguém era mais sábio do que Sócrates. Ao saber disso, o próprio Sócrates ficou pasmo e recorreu às pessoas mais cultas que pôde encontrar para tentar refutar o oráculo. Descobriu que essas pessoas apenas achavam que tinham respostas, mas diante do questionamento de Sócrates esse conhecimento revelou-se limitado ou falso.

O método que ele usou para questionar o conhecimento desses sábios foi inovador. Sócrates assumiu o ponto de vista de quem nada sabia e simplesmente fez perguntas, expondo contradições nas argumentações e brechas nas respostas para, gradualmente, extrair insights. Ele comparava o processo à profissão de sua mãe, parteira, auxiliando no nascimento de ideias
Por meio dessas discussões Sócrates compreendeu que o oráculo de Delfos estava certo: ele era o mais sábio de Atenas, não por causa de seu conhecimento, mas porque declarava que não sabia nada. Ele também percebeu que a inscrição na entrada do templo em Delfos, gnothi seauton ("conhece-te a ti mesmo"), era igualmente significativa. Para adquirir conhecimento acerca do mundo e de si mesmo era necessário compreender os limites da própria ignorância e remover as ideias preconcebidas.

Esse método de examinar um argumento por meio da discussão racional a partir de uma posição de ignorância revolucionou o pensamento filosófico.

Essa forma poderosa de argumento foi desenvolvida por Aristóteles e, mais tarde, por Francis Bacon, que a utilizava como ponto de partida de seu método científico. Tornou-se, por consequência, o alicerce não apenas da filosofia ocidental, mas de todas as ciências empíricas.

Sócrates contra os sofistas

Sócrates rebelou-se contra os sofistas, dizendo que eles não eram filósofos, pois não tinham amor pela sabedoria nem respeito pela verdade, defendendo qualquer ideia, se isso fosse vantajoso. Corrompiam o espírito dos jovens, pois faziam o erro e a mentira valerem tanto quanto a verdade.

Discordavam dos antigos poetas, dos antigos filósofos e dos sofistas, o que propunha Sócrates? Propunha que, antes de querer conhecer a natureza e antes de querer persuadir os outros, cada um deveria, primeiro e antes de tudo, conhecer-se a si mesmo. Por fazer do autoconhecimento a condição de todos os outros conhecimentos verdadeiros é que se diz que o período socrático é antropológico, isto é, voltado para o conhecimento do homem. O retrato que a história da filosofia possui de Sócrates foi traçado por seu mais importante aluno e discípulo, o filósofo ateniense Platão.

Sócrates fazia perguntas sobre as ideias, sobre os valores nos quais os gregos acreditavam e que julgavam conhecer. Suas perguntas deixavam os interlocutores embaraçados, irritados, curiosos, pois, quando tentavam responder ao célebre "o que é?", descobriam, surpresos, que não sabiam responder e que nunca tinham pensado em suas crenças, seus valores e suas ideias.

"Só sei que nada sei"

A consciência da própria ignorância é o começo da filosofia.

Sócrates procurava a essência real e verdadeira das coisas, da ideia, do valor. Como a essência não é dada pela percepção sensorial, e sim pelo trabalho do pensamento, procurá-la é procurar o que o pensamento conhece da realidade e verdade de uma coisa, de uma ideia, de um valor.

As ideias de Sócrates

Para os poderosos de Atenas, Sócrates tomara-se um perigo, pois fazia a juventude pensar. Por isso, eles o acusaram de desrespeitar os deuses, corromper os jovens e violar as leis. Levado à assembleia, Sócrates não se defendeu e foi condenado a tomar um veneno, a cicuta.

Por que Sócrates não se defendeu? "Porque", dizia ele, "se eu me defender, estarei aceitando as acusações, e eu não as aceito. Se eu me defender, o que os juízes vão exigir de mim? Que eu pare de filosofar. Mas eu prefiro a morte a ter de renunciar à filosofia"

Sócrates nunca escreveu. O que sabemos de seu pensamento encontra-se nas obras de seus vários discípulos, e Platão foi o mais importante deles. Caracterís­ticas gerais do período socrático:

• A filosofia se volta para as questões humanas

• O ponto de partida da filosofia é a confiança no pensamento ou no homem como um ser racional, capaz de conhecer-se a si mesmo e, portanto, capaz de reflexão.

• O pensamento deve oferecer a si mesmo caminhos próprios, critérios próprios e meios próprios para saber o que é o verdadeiro e como alcançá-lo em tudo o que investigamos.

• A filosofia está voltada para a definição das virtudes morais (do indivíduo) e das virtudes políticas (do cidadão).

• É feita, pela primeira vez, uma separação radical entre, de um lado, a opinião e as imagens das coisas, trazidas pelos nossos órgãos dos sentidos, nossos hábitos, pelas tradições, pelos interesses, e, de outro lado, os conceitos ou as ideias. As ideias se referem à essência invisível e verdadeira das coisas e só podem ser alcançadas pelo pensamento puro, que afasta os dados sensoriais, os hábitos recebidos, os preconceitos, as opiniões.

• A reflexão e o trabalho do pensamento são tomados como uma purificação intelectual que permite ao espírito humano conhecer a verdade invisível, imutável, universal e necessária.

• A opinião, as percepções e imagens sensoriais são consideradas falsas, mentirosas, mutáveis, inconsistentes, contraditórias e devem ser abandonadas para que o pensamento siga seu caminho próprio no conhecimento verdadeiro.

• A diferença entre os sofistas, de um lado, e Sócrates e Platão, de outro, é dada pelo fato de que os sofistas aceitam a validade das opiniões e das percepções sensoriais e trabalham com elas para produzir argumentos de persuasão, enquanto Sócrates e Platão consideram as opiniões e as percepções sensoriais, ou as imagens das coisas, como fonte de erro, mentira e falsidade, formas imperfeitas do conhecimento que nunca alcançam a verdade plena da realidade.

• A diferença entre o sensível e o inteligível.

O sensível e o inteligível: O sensível são as coisas materiais ou corpóreas cujo conhecimento nos é dado por meio de nosso corpo na experiência sensorial ou dos órgãos dos sentidos e pela linguagem baseada nesses dados. O sensível nos dá imagens das coisas tais como nos aparecem e nos parecem, sem alcançar a realidade ou a essência verdadeira delas. As imagens sensíveis formam a mera opinião - a dóxa-, variável de pessoa para pessoa e variável numa mesma pessoa, dependendo das circunstâncias. O inteligível é o conhecimento verdadeiro que alcançamos exclusivamente pelo pensamento. São as ideias imateriais e incorpóreas de todos os seres ou as essências reais e verdadeiras das coisas. Para Platão, a filosofia é o esforço do pensamento para abandonar o sensível e passar ao inteligível.

Platão (427-347 a.C.)




Como os antigos pensadores gregos, Platão questionou a natureza e a substância do cosmos e explorou como o imutável e o eterno podiam existir num mundo em aparente transformação. No entanto, diferentemente de seus predecessores, concluiu que o "imutável" na natureza é o mesmo que o "imutável" em moral e sociedade.

Procura do ideal

Em A república, Platão descreve Sócrates fazendo perguntas sobre as virtudes, ou conceitos morais, a fim de estabelecer definições claras e precisas. Sócrates tinha dito que "a virtude é conhecimento" e que, para agir de maneira justa, por exemplo, você devia primeiro perguntar o que é justiça. Platão sugeriu que, antes de nos referirmos a qualquer conceito moral em nosso pensamento ou raciocínio, devemos primeiro explorar o que queremos dizer com esse conceito e o que o torna precisamente o tipo de coisa que é. Ele levantou, ainda, a questão de como reconheceríamos a forma correta, ou perfeita, de qualquer coisa: uma forma que fosse verdadeira para todas as sociedades e épocas. Ao fazer isso, Platão sugere que deve existir alguma espécie de forma ideal das coisas no mundo em que vivemos – sejam essas coisas conceitos morais ou objetos físicos –, da qual estamos cientes, de alguma forma.

Platão falou sobre objetos no mundo ao nosso redor. Quando vemos uma cama, ele disse, sabemos que é uma cama e podemos reconhecer todas as camas, mesmo que elas possam diferir em vários aspectos. Cães, em suas várias espécies, são ainda mais variados, apesar de todos os cães compartilharem a característica "canina" que é algo que podemos reconhecer e que nos permite dizer que sabemos o que é um cão.

Todos nós temos em nossas mentes uma ideia de uma cama ideal ou de um cão ideal, que usamos para reconhecer qualquer exemplar específico.

Usando um exemplo matemático para reforçar seu argumento, Platão mostrou que o verdadeiro conhecimento é alcançado pela razão em vez dos sentidos. Ele afirmou que podemos formular em bases lógicas que o quadrado da hipotenusa de um triângulo retângulo é igual à soma dos quadrados dos catetos, ou que a soma dos três ângulos internos de qualquer triângulo é sempre 180 graus. Sabemos da veracidade dessas afirmações, ainda que o triângulo perfeito não exista em nenhum lugar no mundo natural. Apesar disso, conseguimos apreender o triângulo perfeito (ou a linha reta perfeita, ou o círculo perfeito) em nossas mentes, usando a razão. Platão especulou, então, se tais formas perfeitas poderiam existir em algum lugar.




Mundo das ideias

raciocínio levou Platão a uma única conclusão: deve haver um mundo de ideias, ou formas, totalmente separado do mundo material. Lá, a ideia do triângulo perfeito, ao lado das ideias de cama e de cão perfeitos, existiria. Ele concluiu que os sentidos humanos não conseguem perceber tal lugar; ele só nos é perceptível pela razão. Platão foi mais além ao afirmar que o reino de ideias é de fato a "realidade" e o mundo que nos cerca é moldado por essa outra realidade.

Para ilustrar seu pensamento, Platão apresentou o que se tornaria conhecido como a "teoria da caverna" Ele nos convidou a imaginar uma caverna na qual as pessoas estão aprisionadas desde o nascimento, amarradas, encarando a parede ao fundo, na escuridão. Elas só podem olhar para a frente. Atrás dos prisioneiros há uma chama brilhante que lança sombras na parede para a qual eles olham. Há também uma plataforma entre o fogo e os prisioneiros, na qual pessoas andam e exibem vários objetos de tempos em tempos, de modo que as sombras desses objetos são lançadas na parede. Tais sombras são tudo o que os prisioneiros conhecem do mundo, e eles não têm noção alguma sobre os objetos reais.

Platão disse que tudo que nossos sentidos apreendem no mundo material não passa de imagens na parede da caverna, ou seja, são simples sombras da realidade. Conhecimento genuíno só pode vir do estudo das ideias, e isso só pode ser alcançado pela razão. Essa separação em dois mundos distintos – um, da aparência, e o outro, do que Platão considerou como realidade de fato – solucionou o problema da busca de constantes num mundo aparentemente em transformação. O mundo material pode estar sujeito à mudança, mas o mundo das ideias de Platão é eterno e imutável. No mundo das ideias de Platão há uma ideia de justiça, que é a justiça verdadeira, enquanto todos os exemplos de justiça do mundo material ao nosso redor são apenas modelos ou variantes menores.

Conhecimento inato

Platão argumentou que nossa concepção das formas ideais deve ser inata, ainda que não estejamos conscientes disso. Ele acreditava que os seres humanos são divididos em duas partes: corpo e alma. Nossos corpos possuem os sentidos, por meio dos quais somos capazes de apreender o mundo material, enquanto a alma possui a razão, com a qual podemos apreender o reino das ideias. Platão concluiu que a alma, imortal e eterna, habitou o mundo das ideias antes do nosso nascimento e ainda deseja retornar àquele reino após nossa morte. Por isso, as variantes de ideias que o mundo dos sentidos apresenta nos soam como uma reminiscência. Rememorar as lembranças inatas dessas ideias exige razão, um atributo da alma.

Para Platão, a tarefa do filósofo é usar a razão para descobrir as formas ideais ou ideias.

Legado incomparável

As ideias de Platão chegaram até o islamismo medieval e os pensadores cristãos, incluindo Santo Agostinho, que combinou as ideias de Platão com as da Igreja católica.

Ao propor que o uso da razão, em vez da observação, é o único caminho para adquirir conhecimento, Platão lançou os alicerces para o racionalismo do século XVII.

Durante o período Clássico surge uma filosofia sistemática

filósofo Aristóteles de Estagira era discípulo de Platão. Passados quase quatro séculos de filosofia, Aristóteles apresenta, nesse período, uma verdadeira enciclopédia de todo o saber que foi produzido e acumulado pelos gregos em todos os ramos do pensamento e da prática, considerando essa totalidade de saberes como sendo a filosofia.

Essa classificação e distribuição dos conhecimentos fixou, para o pensamento ocidental, os campos de investigação da filosofia como totalidade do saber humano.

Cada campo do conhecimento é uma ciência (em grego, epistéme).

O estudo dos princípios e das formas do pensamento, sem preocupação com seu conteúdo, foi chamado por Aristóteles de analítica, mas, desde a Idade Média, passou a se chamar lógica. Aristóteles foi o criador da lógica como instrumento do conhecimento em qualquer campo do saber.

A lógica não é uma ciência, mas o instrumento para a ciência e, por isso, na classificação das ciências feita por Aristóteles, a lógica não aparece, embora ela seja indispensável para a filosofia e, mais tarde, tenha-se tomado um dos ramos específicos dela.

Aristóteles (384-322 a.C)

Aristóteles tinha dezessete anos quando chegou a Atenas para estudar na Academia do grande filósofo Platão.

Aristóteles permaneceu na Academia, como aluno e professor, até a morte de Platão, vinte anos depois.

Questionamento de Platão

A ruptura com o ensino deu a Aristóteles a oportunidade de satisfazer sua paixão pelo estudo da vida selvagem, o que intensificou a impressão de que a teoria das formas de Platão estava errada. É tentador imaginar que os argumentos de Aristóteles já tivessem exercido alguma influência sobre Platão, que em seus diálogos finais reconheceu falhas nas teorias mais antigas, mas é impossível ter certeza.

Era simplesmente desnecessário assumir que há um mundo hipotético das formas, quando a realidade das coisas já pode ser vista aqui na Terra, inerente às coisas cotidianas.

Talvez pelo fato de seu pai ter sido médico, os interesses científicos de Aristóteles se voltaram para o que hoje chamamos de ciências biológicas, enquanto a formação de Platão tinha sido firmemente baseada na matemática. Aristóteles considerava que certas constantes podem ser descobertas investigando-se o mundo natural.



Confiando nos sentidos

O que o Aristóteles propôs mudou completamente a teoria de Platão. Ao estudar o mundo natural, ele aprendeu que, ao observar as características de cada exemplo de planta ou animal específico, podia construir um retrato completo sobre o que o distinguia de outras plantas e animais. Tais estudos confirmaram o que Aristóteles já acreditava: não nascemos com a capacidade inata para reconhecer formas, como defendia Platão.
Cada vez que uma criança encontra um cão, por exemplo, ela nota o que existe de comum entre esse animal e outros cães, de modo que pode consequentemente reconhecer as coisas que tornam algo um cão. A criança então forma uma ideia do "aspecto canino" (ou "forma" como dizia Aristóteles) que define um cão.


A forma essencial das coisas

Como Platão, Aristóteles preocupou-se em encontrar algum fundamento imutável e eterno num mundo caracterizado pela mudança. Mas concluiu que não há necessidade de procurar por esse lastro num mundo de formas perceptíveis apenas à alma. A evidência estaria aqui, no mundo à nossa volta, perceptível pelos sentidos. Aristóteles acreditava que as coisas no mundo material não são cópias imperfeitas de alguma forma ideal de si mesmas, mas que a forma essencial de uma coisa é, na verdade, inerente a cada exemplo dessa coisa. Por exemplo, "o aspecto canino" não é apenas uma característica compartilhada pelos cães - é algo inerente a todo e qualquer cão.

O que é verdadeiro em relação aos exemplos no mundo natural, raciocinou Aristóteles, também é verdadeiro acerca dos conceitos relacionados aos seres humanos. Noções como "virtude" "justiça" "beleza" e "bom" podem ser examinadas da mesma forma. Como ele observou, quando nascemos nossas mentes são como "folhas em branco" e quaisquer ideias que alcançamos só podem ser recebidas por meio dos nossos sentidos. Ao nascer, não temos ideias inatas, então não podemos ter noção de certo ou errado.

A única maneira com a qual podemos vir a conhecer a ideia eterna e imutável de justiça é observando como ela se manifesta no mundo à nossa volta.

Assim, Aristóteles afastou-se de Platão não ao negar que as qualidades universais existam, mas ao questionar sua natureza e os meios pelos quais chegamos a conhecê-las (esta última é a questão fundamental da "epistemologia" ou teoria do conhecimento). Essa mesma diferença de opinião sobre como chegamos a verdades universais, mais tarde, dividiu os filósofos em dois campos separados: os racionalistas (como René Descartes, Immanuel Kant e Gottfried Leibniz), que acreditam num conhecimento a priori ou inato; e os empiristas (incluindo John Locke, George Berkeley e David Hume), que afirmam que todo conhecimento vem da experiência.

Classificação biológica

Tão convencido estava Aristóteles de que a verdade do mundo deve ser encontrada na Terra – e não numa dimensão mais elevada –, que ele começou a colecionar espécimes de fauna e flora e as classificou de acordo com suas características.

A partir dessa classificação biológica, montou um sistema hierárquico - o primeiro do gênero, e tão bem construído que forma até hoje a base da taxonomia.

·   Taxonomia: ciência que lida com a descrição, identificação e classificação dos organismos, individualmente ou em grupo
Uma vez que entendemos a natureza dessas formas, conseguimos reconhecê-las em todo e qualquer espécime.

Esse fato se torna mais visível quanto mais Aristóteles subdivide o mundo natural. A fim de classificar uma espécie, como um peixe, por exemplo, temos de reconhecer o que é que o torna um peixe – o que, mais uma vez, pode ser conhecido pela experiência e não requer conhecimento inato.



Explicação teleológica
Outro fato que se tornou óbvio para Aristóteles enquanto ele classificava o mundo natural é que a "forma" de uma criatura não se limita a características físicas (tais como pele, pelo, pena ou escamas), mas inclui uma questão acerca do que essa criatura faz e como ela se comporta – o que, para Aristóteles, tem implicações éticas.

Para entender a ligação com a ética, precisamos primeiro ter em conta que, para Aristóteles, tudo no mundo era explicado por quatro causas inteiramente responsáveis pela existência de algo. Quais sejam: a causa material, ou de que algo é feito; a causa formal, ou a disposição ou forma de algo; a causa eficaz, ou como algo é levado a existir; e a causa final, ou a função ou o objetivo de algo. E é esse último tipo de causa, a "causa final", que se relaciona à ética, um tópico que, para Aristóteles, não está separado da ciência, mas é essencialmente uma extensão lógica da biologia.

Aristóteles forneceu o exemplo de um olho: a causa final do olho (sua função) é ver. Essa função é a finalidade, ou tetos, do olho (telos é a palavra grega da qual deriva "teleologia", ou o estudo da finalidade na natureza). Uma explicação teleológica sobre algo é, portanto, uma explicação sobre a finalidade de algo. E conhecer a finalidade de algo implica, também, saber o que é uma versão "boa" ou "má" de algo: o olho bom, por exemplo, enxerga bem.

No nosso caso, uma vida "de bem" é, portanto, uma vida na qual cumprimos nosso objetivo ou usamos ao máximo todas as características que nos tornam humanos. Uma pessoa pode ser considerada "virtuosa" ou "de bem" se usa as características com as quais nasceu, e só pode ser feliz ao usar toda a sua capacidade na busca da virtude – a forma mais elevada do que, para Aristóteles, é a sabedoria.

Compreendemos a natureza da "vida virtuosa" ao vê-la nas pessoas à nossa volta.

O silogismo

No processo de classificação, Aristóteles formulou uma forma sistemática de lógica que aplica a cada espécime para determinar se ele pertence a certa categoria. Por exemplo, uma característica comum a todos os répteis é o sangue frio. Então, se um espécime particular tem sangue quente, não pode ser réptil. Da mesma forma, uma característica comum a todos os mamíferos é que amamentam seus filhotes. Então, se um espécime é mamífero, irá amamentar seu filhote. Aristóteles observou um padrão nessa forma de pensamento: um padrão de três proposições que consistem em duas premissas e uma conclusão, exemplificado na forma "se As são Xs, e B é um A, então B é um X" Essa forma de raciocínio - o "silogismo" - foi o primeiro sistema formal de lógica concebido e permaneceu como modelo básico para a lógica até o século XIX.
Ao usar o raciocínio analítico na forma de lógica, Aristóteles compreendeu que o poder da razão era algo que não se baseava nos sentidos, e que deve, portanto, ser uma característica inata - parte daquilo que é ser humano. Aristóteles percebeu que o poder inato da razão nos distingue de todas as outras criaturas vivas, colocando-nos no topo da hierarquia.

A herança aristotélica

A partir da classificação aristotélica, definiu-se, no correr dos séculos, o grande campo da investigação filosófica, que só seria desfeito no século XIX de nossa era, quando as ciências particulares foram se separando do tronco geral da filosofia. Considerando-se a herança deixada pela classificação aristotélica, podemos dizer que, até hoje, os campos de investigação da filosofia são três:

1. O do conhecimento do ser, isto é,  da realidade fundamental e primordial de todas as coisas, ou da essência de toda realidade. Como, em grego, ser se diz on e as coisas se diz ta onta, esse campo é chamado de ontologia (na concepção de Aristóteles, a ontologia era formada pelo conjunto da Filosofia Primeira e da teologia).

2. O do conhecimento das ações humanas ou dos valores e das finalidades da ação humana: das ações que têm em si mesmas sua finalidade, a ética e a política, ou a vida moral (valores morais) e a vida política (valores políticos); e das ações que têm sua finalidade num produto ou numa obra: as técnicas e as artes e seus valores (utilidade, beleza, etc.).

3. O do conhecimento da capacidade humana de conhecer, isto é, o conhecimento do próprio pensamento em exercício. Nesse campo estão: a lógica, que oferece as leis gerais do pensamento; a teoria do conhecimento que oferece os procedimentos pelos quais conhecemos; as ciências propriamente ditas; e o conhecimento do conhecimento científico, isto é, a teoria das ciências ou epistemologia, que estuda e avalia os procedimentos empregados pelas diferentes ciências para definir e conhecer seus objetos.

Referências:
CHAUI, Marilena. Filosofia: Novo Ensino Médio, Volume único. São Paulo: Ática, 2010, p. 40-48.
BUCKINGHAM, Will; BURNHAM, Douglas. O livro da Filosofia. São Paulo: Globo, 2011, p. 46-63.

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