sábado, 26 de abril de 2014

Liberdade

·  Autonomia: Segundo Kant (1724-1804), capacidade da vontade humana de se autodeterminar segundo uma legislação moral por ela mesma estabelecida, livre de qualquer fator estranho ou exógeno com uma influência subjugante, tal como uma paixão ou uma inclinação afetiva incoercível

Normas da vida


Em todos os lugares, existem sempre muitas normas, disciplinando quase tudo. Algumas são escritas; outras nem sequer são faladas. Em geral, essas normas foram feitas a partir da organização dos espaços, segundo a vontade de quem conduziu essa organização. A escola, por exemplo, está cheia de regras, e você pode aproveitar esse ambiente para discutir o tema. São normas que vão do uso do boné ao uso do banheiro; normas sobre a preservação do silêncio quando o professor está falando, normas que proíbem a "cola" na prova, além de muitas outras. Em casa, também, há muitas regras, como as que disciplinam o uso da TV e do som, as que exigem respeito à limpeza do lar, as que orientam a distribuição de tarefas e responsabilidade domésticas. Até entre os amigos deve haver normas que possam preservar o respeito mútuo e a amizade, ou que recomendem tratar com discrição as atitudes e os familiares deles, por exemplo.

Bem antes de nascermos, já somos submetidos a normas, inclusive criadas longe de nossa cidade ou nosso país. Por exemplo, aprendemos nas aulas de História que o Estado brasileiro, de constituição tripartite, inspira-se num modelo criado na Europa há muitos anos. É importante perceber que, embora nem sempre as regras ajudem todas as pessoas, elas são necessárias para o convívio social e a valorização da vida e da dignidade.

As normas são criadas pela influência dos costumes das sociedades ou por quem detém autoridade. Nem sempre, porém, essas leis são capazes de nos orientar em nossas escolhas. É como se ficassem um passo atrás da nossa vida e não conseguissem resolver todos os problemas que temos, individual e coletivamente. Às vezes, até mesmo a obediência a uma lei ou a uma norma pode significar a perda de uma vida, como acontece nos Estados Unidos, onde a pena de morte – vigente em muitos Estados –  autoriza a execução de criminosos. Tal norma que pode levar a erros irremediáveis, como aconteceu, por exemplo, em 1989, quando Carlos De Luna foi executado, não existindo até hoje qualquer prova científica que possa ligá-lo ao crime que teria cometido, acreditando-se em sua inocência. Mas o que fazer se não é possível corrigir o erro?

Cada norma visa a defender um interesse. Existem normas que procuram proteger a vida humana, enquanto outras visam a defender o lucro inescrupuloso, como acontece, por exemplo, com o tráfico de drogas, cujas regras – não escritas – ofendem a dignidade das pessoas, sem qualquer respeito pela vida delas e pela sociedade em geral, muitas vezes comprando segurança aos marginais à custa de pequenos favores à comunidade.


As regras dentro de nós

Além disso, há regras dentro de nós mesmos, criadas pelas nossas necessidades e pelos nossos desejos. Temos necessidade de comer, beber, dormir, se divertir, passear, conhecer coisas novas etc. Os desejos, em geral, partem das nossas necessidades, mas podem extrapolá-las, criando necessidades que nem sempre são boas. Por exemplo, temos necessidade de ter um calçado que não faça mal à saúde dos pés e das costas, mas há quem gaste todo o dinheiro do mês em um tênis de marca. Tudo isso extrapola a necessidade da vida, tornando-se uma necessidade somente do desejo, o que quer dizer que o desejo pode produzir normas de conduta pouco inteligentes ou até cruéis.
Quando obedecemos apenas a leis ou a normas que procedem dos desejos ou da necessidade, vivemos na heteronomia (hetero = de fora; nomia = norma), quando as normas são produzidas em lugares diferentes da nossa razão, e é justamente, a razão que tem a capacidade de produzir normas que nos permitem viver nossa liberdade.

A razão e as normas

Quando a razão procura normas para o bem das pessoas fora do lugar das decisões individuais, chamamos a isso de política, ou seja, normas que devem ser boas para todos. Quando a razão procura normas boas para as decisões pessoais, chamamos a isso de ética.
Mas e o conhecimento? Qual é sua capacidade de ajudar na criação de normas, dentro e fora de nós? Para começar a perceber essas relações, é importante entendermos a necessidade de desenvolver nossa inteligência, pois só assim podemos atingir o "eu penso", ou seja, nós mesmos. Entretanto, o "eu penso" é limitado, porque a razão é limitada. Ela não entende todas as coisas que experimentamos, independentemente de termos de tomar decisões sobre elas. Além disso, se temos desejos que nos fazem sofrer e paixões que nem sempre sabemos controlar, onde a razão vai encontrar a solução?
A autonomia

Relembrando a biografia de Immanuel Kant, podemos dizer que ele sabia que a razão pura, dotada só de ideias e categorias, é limitada. Por isso, existe a razão prática, que procede da experiência e cria normas para nós mesmos, sendo capaz de criar regras para as situações da vida que envolvam sentimentos, desejos e outras pessoas.
Quando a razão cria normas pensando a partir de nós mesmos, em nossas necessidades, desejos e todos os seus limites, chamamos a isso de autonomia, que é a capacidade de criar e obedecer as regras que inventamos para nós mesmos (auto = para si; nomia = norma).
Mas como criar normas para nós mesmos que sejam justas? A resposta pode ser simplificada da seguinte forma: precisamos encontrar os imperativos, que nada mais são do que normas sem conteúdo, que servem para o indivíduo e para todo mundo. A regra é simples: o que é justo para mim deve ser justo para todos. Existem dois tipos de imperativos, a saber, os imperativos hipotéticos, que organizam nossa vontade para conseguir objetivos, e os imperativos categóricos, que produzem o bem por meio da ideia de dever.
· Imperativo: no kantismo, sentença com forma de ordem ou mandamento, uma exortação veemente que cada espírito racional propõe a si próprio, tendo como objetivo a consecução de um fim prático.

Para a Reflexão

1. Destino e determinismo

A ideia de destino significa que o homem não pode escolher para onde vai, ou até o que fazer, mesmo que seja contra a sua vontade. Algo fora dele decidirá, e não há nada que ele possa fazer para mudar seu futuro ou alterar seu presente. Essa ideia tem caráter religioso e pode-se dizer que foi introduzida na filosofia pelos estoicos. Para eles, havia uma causa necessária para tudo, ou seja, o mundo inteiro segue certas leis, as quais obrigam as pessoas a agir e morrer sem poder decidir por si.

Essa ideia de causa necessária, posteriormente aplicada a ciência, significa que tudo tem uma causa e um efeito; o destino de tudo já foi decidido pelo seu passado, ou melhor, pela sua causa. Entretanto, muitos filósofos não admitem a existência do destino, embora cheguem a concordar que as pessoas fazem escolhas condicionadas, que resultam de determinações, pois haveria vários e pequenos motivos que acabaram por criar o ocorrido. 

2. Liberdade

Pensar sobre o destino pode ser problematizado com perguntas sobre nossa liberdade:

· Temos liberdade para agir sempre de acordo com o bem? O nosso bem e o bem do outro?

· Quais são os limites para a nossa liberdade?

Ora, se não houvesse liberdade, seríamos incapazes de mudar a própria vida e tudo dependeria do que está fora de nós. Mesmo reconhecendo a existência de vários elementos que poderíamos chamar de causas e de limitações para nossa liberdade, cabe ao homem analisar tais limitações e buscar formas de superá-las. 


A liberdade como questão filosófica


Necessidade é o termo empregado para referir-se ao todo da realidade, existente em si e por si, que age sem nós e nos insere em sua rede de causas e efeitos, condições e consequências.

Fatalidade é o termo usado quando pensamos em forças transcendentes superiores às nossas e que nos governam, quer o queiramos, quer não.

Determinismo é o termo empregado, a partir do século XIX, para referir-se às relações causais necessárias que regem a realidade conhecida e controlada pela ciência e, no caso da ética, para referir-se ao ser humano como objeto das ciências naturais (química e biologia) e das ciências humanas (sociologia e psicologia), portanto, como completamente determinado pelas leis e causas que condicionam seus pensamentos, sentimentos e ações, tornando a liberdade ilusória.
O par contingência-liberdade também pode ser formulado pela oposição acaso-liberdade. Contingência (o que pode ou não ocorrer) ou acaso significam que a realidade é imprevisível e mutável, impossibilitando deliberação e decisão racionais, definidoras da liberdade. Num mundo onde tudo acontece por acidente, somos como um frágil barquinho perdido num mar tempestuoso, levado em todas as direções, ao sabor das vagas e dos ventos.


Necessidade, fatalidade, determinismo significam que não há lugar para a liberdade, porque o curso das coisas e de nossa vida já está fixado, sem que nele possamos intervir. Contingência e acaso signifi­cam que não há lugar para a liberdade, porque não há curso algum das coisas e de nossa vida sobre o qual pudéssemos intervir.
·  Contingência: caráter do que ocorre de maneira eventual, circunstancial, sem necessidade, pois poderia ter acontecido de maneira diferente ou simplesmente não ter se efetuado


SØren Kierkegaard queria refutar a ideia de sistema filosófico completo de Hegel (que definia a humanidade como parte de um desenvolvimento histórico inevitável) por meio da defesa de uma abordagem mais subjetiva. Ele desejava investigar o que "significa ser um ser humano" não como parte de um grande sistema filosófico, mas como indivíduo autônomo.

Kierkegaard acreditava que nossas vidas são determinadas por ações, que são elas próprias determinadas por escolhas, e o modo de fazer essas escolhas é crucial. Como Hegel, ele considerava as decisões morais como uma escolha entre o hedonístico (que gratifica a si mesmo, através da dedicação ao prazer dos sentidos) e o ético. Mas, enquanto Hegel julgou que essa escolha era determinada em grande parte por condições históricas e pelo ambiente da época, Kierkegaard disse que as escolhas morais são livres e, acima de tudo, subjetivas (que pertence ao sujeito pensante e a seu íntimo). É exclusivamente nossa vontade que determina nosso julgamento, ele dizia. No entanto, longe de ser uma razão para a felicidade, a liberdade total de escolha nos provoca um sentimento de angústia ou apreensão – um desconforto ao perceber que somos responsáveis pelas consequências e obrigados a tomar decisões que não conhecemos o resultado.

Kierkegaard explicou esse sentimento em O conceito de angústia. Como exemplo, ele citou um homem no alto de um penhasco ou edifício. Se esse homem olha para baixo, sente dois tipos de medo: o medo de cair e o medo causado pelo impulso de lançar-se no vazio. Esse segundo tipo de medo, ou angústia, surge a partir da compreensão de que ele tem liberdade absoluta para escolher se pula ou não, e esse medo é tão atordoante quanto sua vertigem. Kierkegaard sugeriu que sentimos a mesma angústia em todas as nossas escolhas morais, quando compreendemos que temos a liberdade de tomar até as mais terríveis decisões. Tal angústia aumenta nossa consciência e senso de responsabilidade pessoal.

O pai do existencialismo

Sua insistência na importância da liberdade de escolha e em nossa contínua busca por significado e propósito forneceria a estrutura para o existencialismo. Essa filosofia desenvolvida por Friedrich Nietzsche e Martin Heidegger foi, mais tarde, completamente definida por Jean-Paul Sartre. Ela explora as formas nas quais podemos viver com significado num universo sem deus, onde cada ato é uma escolha, exceto o ato do nosso próprio nascimento. Diferentemente de outros pensadores posteriores, Kierkegaard não abandonou a fé em Deus, mas foi o primeiro a reconhecer a percepção da autoconsciência e a "vertigem" ou medo, da liberdade absoluta.

As concepções de Aristóteles e de Sartre


Diz Aristóteles que é livre aquele que tem em si mesmo o princípio para agir ou não agir. A liberdade é concebida como o poder pleno e incondicional da vontade para determinar a si mesma, isto é, para autodeterminar-se. Trata-se da espontaneidade plena do agente.

Na concepção aristotélica, a liberdade é o princípio para escolher entre alternativas possíveis, realizando-se como decisão e ato voluntário.

Contrariamente ao necessário ou à necessidade e à contingência, sob as quais o agente sofre a ação de uma causa externa que o obriga a agir de uma determinada maneira. A vontade livre é determinada pela razão ou pela inteligência e, nesse caso, seria preciso admitir que não é causa de si ou incondicionada, mas que é causada pelo raciocínio ou pelo pensamento.
Jean-Paul Sartre levou essa concepção ao ponto limite. Para ele, a liberdade é a escolha incondicional que o próprio homem faz de seu ser e de seu mundo.
· Incondicional: que não depende de, não está sujeito a qualquer tipo de condição, restrição ou limitação; incondicionado

Em outros termos, conformar-se ou resignar-se é uma decisão livre, tanto quanto não se resignar nem se conformar, lutando contra as circunstâncias. Quando dizemos que não podemos fazer alguma coisa porque estamos fatigados, a fadiga é uma decisão nossa, tanto assim que uma outra pessoa, nas mesmas circunstâncias, poderia decidir não se sentir cansada e agir.
· Resignar: renunciar voluntariamente
Por isso, Sartre faz uma afirmação aparentemente paradoxal, dizendo que "estamos condenados à liberdade". Qual o paradoxo? Identificar liberdade e condenação, isto é, dois termos incompatíveis, pois é livre quem não está condenado.
· Paradoxo: pensamento, proposição ou argumento que contraria os princípios básicos e gerais que costumam orientar o pensamento humano



Liberdade: uma condenação

Dostoievski escreveu: "Se Deus não existisse, tudo seria permitido" Aí se situa o ponto de partida do existencialismo. Com efeito, tudo é permitido se Deus não existe, fica o homem, por conseguinte, abandonado, já que não se encontra em si, nem fora de si, uma possibilidade a que se apegue. Antes de mais nada, não há desculpas para ele. Se, com efeito, a existência precede a essência, não será nunca possível referir uma explicação a uma natu­reza humana dada e imutável; por outras palavras, não há determinismo, o homem é livre, o homem é liberdade. Se, por outro lado, Deus não existe, não encontramos diante de nós valores ou imposições que nos legitimem o comportamento. Assim, não temos nem atrás de nós, nem diante de nós, no domínio luminosa dos valores, justificações ou des­culpas. Estamos sós e sem desculpas. É o que traduzirei dizendo que o homem está condenado a ser livre. Condenado, porque não se criou a si próprio; e no entanto livre, porque uma vez lançado ao mun­do é responsável por tudo quanta fizer. O existen­cialista não crê na força da paixão. Não pensará nunca que uma bela paixão é uma torrente devas­tadora que conduz fatalmente o homem a certos atos e que, por conseguinte, tal paixão é uma des­culpa. Pensa, sim, que o homem é responsável por essa paixão. O existencialista não pensará também que o homem pode encontrar auxílio num sinal dado sobre a terra, e que o há de orientar; porque pensa que o homem decifra ele mesmo esse sinal como lhe aprouver. Pensa portanto que o homem, sem qualquer apoio e sem qualquer auxílio, está conde­nado a cada instante a inventar o homem.

SARTRE. Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo.
Tradução de Vergílio Ferreira. São Paulo. Abril, 1973. p.15-16. (Coleção Os pensadores).





A filósofa francesa Simone de Beauvoir escreveu em O segundo sexo que, ao longo da história, o padrão de medida do que entendemos como humano tanto na filosofia quanto na sociedade em geral passa por uma visão peculiarmente masculina.

Beauvoir dizia que o Eu do conhecimento filosófico é masculino por falta de oposição, e seu par binário, o feminino, é, portanto, algo além, que ela chama de Outro. O Eu é ativo e consciente, enquanto o Outro é tudo o que o Eu rejeita: passivo, sem voz e sem poder.

Beauvoir se preocupava com a forma como as mulheres são julgadas como iguais apenas na medida em que agem como os homens. Mesmo aqueles que escreveram pela igualdade das mulheres, ela disse, o fizeram argumentando que a igualdade significa que as mulheres podem ser e fazer o mesmo que os homens. Ela afirmou que essa ideia é equivocada, pois ignora o fato de que mulheres e homens são diferentes. A formação filosófica de Beauvoir era a fenomenologia, o estudo sobre como as coisas se manifestam à nossa existência. Essa visão sustenta que cada um de nós constrói o mundo a partir da estrutura de nossa própria consciência: organizamos coisas e sentidos a partir do fluxo das nossas experiências. Consequentemente, Beauvoir sustentava que a relação que cada pessoa tem com o próprio corpo, com os outros, com o mundo e com a própria filosofia é fortemente influenciada pelo gênero sexual.

Feminismo existencial

Simone de Beauvoir foi também uma existencialista, acreditando que nascemos sem objetivo e que devemos criar uma existência autêntica para nós mesmos, escolhendo o que queremos nos tornar. Ao aplicar essa ideia à noção de "mulher" ela demandou a separação do ente biológico (a forma corporal com a qual nascem as mulheres) da feminilidade (que é uma construção social). Já que qualquer construção é aberta a mudança e interpretação, isso significa que existem várias maneiras de "ser mulher": há lugar para escolha existencial. "Ninguém nasce mulher, torna-se mulher".

Beauvoir disse que as mulheres devem se libertar tanto da ideia de que devem ser como os homens quanto da passividade que a sociedade lhes atribuiu. Viver uma existência verdadeiramente autêntica traz mais riscos do que aceitar um papel transmitido pela sociedade, mas é o único caminho para a igualdade e a liberdade.





A concepção ética que une necessidade e liberdade

A segunda concepção da liberdade foi, inicialmente, desenvolvida por uma escola de filosofia do período helenístico, o estoicismo. Nela é conservada a ideia aristotélica de que a liberdade é a autodeterminação, assim como é conservada a ideia de que é livre aquele que age sem ser forçado nem constrangido por nada ou por ninguém e, portanto, age impulsionado espontaneamente por uma força interna própria.

A necessidade é a maneira pela qual a liberdade do todo se manifesta. Em outras palavras, a totalidade é livre porque se põe a si mesma na existência e define por si mesma as leis e as regras de sua atividade. Liberdade não é escolher e deliberar, mas agir ou fazer alguma coisa em conformidade com a natureza do agente que, no caso, é o todo.

Liberdade para escolher e para fazer

O que é, então, a liberdade humana enquanto o homem é uma parte constituída pelo todo e que age no interior do todo?

São duas as respostas a essa questão:

1. a primeira (dada pelos estoicos e por Hegel) afirma que o todo é racional e que suas partes também o são, sendo livres quando agirem em conformidade com as leis do todo, para o bem da totalidade;

2. a segunda (dada por Espinosa) afirma que as partes são de mesma essência que o todo e, portanto, são racionais e livres como ele, dotadas de força interior para agir por si mesmas, de sorte que a liberdade é tomar parte ativa na atividade do todo.

Para os estoicos, o homem livre é aquele cuja ra­zão conhece a necessidade natural e a necessidade de sua própria natureza e tem força para guiar e diri­gir a vontade para que esta exerça um poder absoluto sobre a irracionalidade dos instintos e impulsos, isto é, sobre as paixões. Ser livre é agir conforme à natureza — seguindo suas leis necessárias — e conforme à natureza do agente — seguindo uma vontade pessoal poderosa dirigida pela razão.

Para Espinosa, o homem livre é aquele que age como causa interna, completa e total de sua ação. Esta não provém de uma escolha voluntária e sim do desenvolvimento espontâneo da essência ou natureza racional do agente. Em outras palavras, assim como o todo age livremente pela necessidade de sua essência, assim também o indivíduo livre age por necessidade de sua própria essência.

Somos livres quando o que somos, o que sentimos, o que fazemos e o que pensamos exprime nossa força interna para existir e agir.

Dessa maneira, Espinosa não aceita a ideia estoica da liberdade como poderio ou império da vontade sobre as paixões. Diz ele, não somos livres porque nossa vontade domina nossas paixões, mas é porque somos livres que nossa razão é um afeto alegre mais forte do que os afetos nascidos das paixões.

Para Hegel, o homem livre é uma figura que aparece na história e na cultura sob duas formas principais. Na primeira, a liberdade humana coincide com o surgimento da cultura, ou seja, é livre o homem que não se deixa dominar pela força da natureza e que a vence, dobrando-a à sua vontade por meio do trabalho, da linguagem e das artes.

Sob essa primeira forma, podemos notar que a liberdade, embora possa exprimir-se nos indivíduos, refere-se muito mais a uma atitude do homem universalmente considerado, ou, se se quiser, não como indivíduo, mas como vitória da cultura sobre a natureza.

Em sua outra forma, o homem livre como indivíduo livre faz sua aparição na história em dois momentos sucessivos nos quais o segundo momento depende do primeiro. O primeiro momento é o do surgimento do homem cristão ou o surgimento da interioridade cristã, que descobre a consciência como consciência de si; o segundo momento, decorrente do desenvolvimento interno do cristianismo, é o do surgimento da individualidade racional moderna ou do indivíduo como consciência de si reflexiva, isto é, como razão e vontade independentes da natureza ou da necessidade natural e independente da coação de autoridades externas na definição de seu pensamento e de sua vontade.


Punir e Vigiar

A sujeição - um pequeno texto que elaboramos a partir da obra Vigiar e punir de Michel Foucault.

Durante a era moderna, o corpo se tornou alvo de dois tipos de pesquisas e escritas. Uma forma anatômica e metafísica, dos filósofos e dos médicos, e uma forma técnica e política, que estava presente nos regulamentos de instituições e de formas de condutas disciplinadoras, como, por exemplo, no exército, no hospital e na família.

Para a forma de escrita sobre o corpo anátomo-metafísica dizia e se investigava as funções do corpo, cada órgão, cada detalhe, e se procurava entendê-lo em um conjunto moral – todas as questões orbitavam as funções. Por exemplo: olho, o que é? Para que serve? Como funciona? Qual a sua função biológica e moral?

Para a forma de escrita sobre o corpo técnica-política o que se dizia apontava como torná-lo apto para um ideal de vida social. Por isso, estas técnicas informavam como fazer com que uma pessoa fosse capaz de produzir algo, como por exemplo, como um trabalhador pode conseguir mais de seu trabalho e em menos tempo, como acalmar uma pessoa considerada louca, como impedir que as crianças utilizassem indevidamente os órgãos genitais, como impedir que os soldados ficassem “molengas”, e muitos outros.

Estes conhecimentos sobre o corpo faziam com que cada vez mais as pessoas procurassem viver de forma a corresponder a eles. Assim, logo se descobriu que o que se faz com o corpo, se faz com a subjetividade das pessoas. Se alguém é treinado para ser soldado, logo ele pensará com os ideais de um soldado, terá emoções de soldado, ou seja, estará moldado por dentro e por fora para ser um soldado. O que se diria então dos esportistas, dos religiosos, dos alunos, dos trabalhadores? A modernidade a partir do corpo aprendeu a moldar as pessoas por completo, não apenas por teoria, mas sobretudo, por meio de técnicas.

Comentário

Esse excerto traz uma das ideias centrais de Foucault, a qual diz respeito à invenção do sujeito moderno, do indivíduo moderno. Para este filósofo, a maneira como nos vemos não procede de nossa natureza, nem de uma essência pessoal; ela vem de fora, de práticas que criam sujeitos – a sujeição. Nós nos constituímos não apenas por palavras, mas por ações fundidas a palavras, que, de modo geral, vêm ditadas pela sociedade, ou melhor pelas instituições.

Para Foucault, nós não somos fruto de teorias, somos fruto de práticas, ainda que algumas teorias nos influenciem. Por exemplo, seria possível existir um dançarino que nunca dançou ou um pintor que nada pinta? A resposta seria que são nossas práticas que nos constituem, e não a natureza.

Mas de quais práticas estaria falando o filósofo? De onde elas vieram? Foucault fala das práticas disciplinares que vieram das instituições modernas, principalmente a partir do século XVIII, como as prisões, os hospitais, os quartéis, as fábricas e as escolas; sim, as escolas etc.

A distribuição

A primeira atividade que as autoridades modernas deram ao corpo para discipliná-lo foi a distribuição. Para controlar um indivíduo, é importante colocá-lo em um lugar escolhido por nós. Mas como seria possível distribuir pessoas de uma cidade ou de uma sociedade inteira?

· Primeiro, construindo cercas ou muros, como nos quartéis e nas escolas. Dessa maneira, os soldados e os alunos ficam separados das pessoas, não causando problemas.

· A segunda prática de distribuição consiste em separar os grupos e fazer com que cada um encontre um lugar no espaço. Por exemplo, cada trabalhador no seu setor, cada doente no seu quarto, cada aluno em sua carteira etc.

· A terceira prática de distribuição configurasse em dar aos indivíduos um lugar funcional: não basta separar, é preciso que estejam em um lugar em que possam ser vigiados, evitando comunicações indevidas ou reunindo forças contra quem os controla.

· Enfim, toda a separação tem o ideal da fila, o que quer dizer que as pessoas são separadas segundo uma hierarquia. Por exemplo, as séries e as classes na escola são separadas por hierarquias de idade, rendimento do aluno, e são formadas segundo a atenção dada à disciplina.


O controle do tempo


Outra forma de transformar os indivíduos por meio dos corpos consiste em controlar o seu tempo.

· Primeiro, pelos horários: hora para chegar, descansar, sair, trabalhar, dormir, acordar, tomar o remédio.

· Segundo, marcando o tempo de sua ação; por exemplo, a marcha dos soldados, a velocidade para apertar um parafuso na fábrica, em atender um telefone ou outra atividade.

· Terceiro, disciplinar o corpo inteiro, para sempre fazer bem-feito tudo.

· Quarto, adaptar o corpo aos objetos que se manipulam; por exemplo, caso fosse preciso ficar muito tempo em pé, seria necessário disciplinar as pernas e controlar os gestos, para que elas consigam executar as tarefas.

· Enfim, utilizar bem o tempo, até a exaustão.


O controle das gêneses


Para conseguir criar o indivíduo desejado, também foi preciso controlar a forma de sua subordinação à disciplina. Para isso:

· Separaram-se os aprendizes dos veteranos.

· Segundo as necessidades de exercícios, foram separados aqueles que precisavam melhorar o desempenho nesta ou naquela ação ou atividade, exercitando-os até que alcançassem o máximo rendimento. Como em uma academia de musculação, aquele que precisa trabalhar os braços, por exemplo, foi direcionado a isso, assim como no exército, em que aquele que precisa melhorar a pontaria é separado e exercitado para isso.

· Criaram-se testes para medir a habilidade de cada indivíduo e encerrar o processo.

· Para cada um é dada uma série de atividades, conforme sua idade, conhecimento e habilidade, até alcançar o objetivo final.


Recursos de um bom adestramento


Para conseguir um bom adestramento, foi preciso lançar mão de alguns recursos e procedimentos:

· Vigilância – é preciso que alguém fique observando a atividade, o corpo, o uso do tempo. Dessa maneira, será possível corrigir ou punir.

· A sanção normalizadora – em cada instituição, há maneiras de punir as pessoas que não cumprem seus deveres, o que ocorre na família, na escola, na fábrica ou no exército. Essa punição pode vir dos próprios integrantes da instituição (os familiares, por exemplo) ou das autoridades.

· O exame – ao saberem que vão ser submetidos a um teste, prova ou observação de uma autoridade, os indivíduos se autovigiam e se autopunem, colocando os objetivos das instituições dentro de si. Como? Vejamos o exemplo das provas na escola. Para se sair bem na prova de Matemática, o aluno terá de estudar. Estudar é uma atividade nem sempre agradável. Para realizar essa atividade nem sempre agradável, o aluno terá de se vigiar, dizendo a si mesmo: será que estou estudando o suficiente? Caso não esteja estudando, ele pode submeter-se a uma autopunição, por exemplo, já que não estudou durante a tarde, não assistirá ao filme da noite para poder fazê-lo.

· Os exames escolares produzem uma documentação que, ao final, compõe um histórico de cada pessoa. Por exemplo, tanto na escola como no hospital ou na fábrica, cada indivíduo tem uma ficha onde são registrados seus dados e guardados a documentação. Dessa maneira, é possível saber quantas vezes o aluno foi reprovado, se é ou não disciplinado, em quais matérias apresenta maior ou menor dificuldade, se foi punido e as razões de sua punição etc. Do mesmo modo, na fábrica, quantas vezes o operário chegou atrasado, quantas faltas já teve, quais suas condições de saúde, quantos e quais foram os acidentes sofridos etc. Enfim, cada um se torna um caso que requer determinado tratamento.

Para Foucault, os indivíduos não nascem prontos, não têm essência ou natureza; eles são criados pelas atividades que desenvolvem com o seu corpo. Para esse filósofo, somos corpo e nada mais. O que fazemos com o corpo é o que nos define, e não apenas o que é dito sobre nós mesmos. E ninguém nasce livre, apesar de essa frase parecer bonita; nossa liberdade é uma conquista que fazemos não com palavras, mas com práticas.

As ideias/conceitos, a distribuição, o controle do tempo, o controle das gêneses e recursos de um bom adestramento, foram melhor trabalhadas na obra de Foucault, Vigiar e punir.

Refletir e pesquisar

O trabalhador é vigiado pelo gerente, desde o lugar onde está até o que está fazendo e em quanto tempo. Conforme o tempo passa, o trabalhador vai assumindo, mesmo sem perceber, ideias da ação do seu próprio corpo. Até chegar a hora em que vai acabar acreditando que aquele tipo de vida é ideal. Desse modo, como a fábrica é pensada racionalmente, o trabalhador vai levar para sua vida pessoal essa racionalidade, tanto na ordenação do espaço como na ocupação do tempo.

Vida e morte

Como disse um filósofo, as coisas aparecem e desaparecem, os animais começam e acabam, somente o ser humano vive e morre, isto é, existe.

Os filósofos estoicos propunham que somente após a morte, quando terminam as vicissitudes (sucessão de mudanças ou de alternâncias) da vida, podemos afirmar que alguém foi feliz ou infeliz. "Quem não souber morrer bem terá vivido mal", afirmou o estoico Sêneca. Enquanto vivos, somos tempo e mudança, estamos sendo.

Morrer é um ato solitário. Morre-se só: a essência da morte é a solidão. O morto parte sozinho; os vivos ficam sozinhos ao perdê-lo. Resta saudade e recordação.

Os vivos estão entrelaçados: estamos com os outros e eles estão conosco, somos para os outros e eles são para nós.

O eu e o outro

A ética é o mundo das relações intersubjetivas, isto é, entre o eu e o outro como sujeitos e pessoas, portanto, como seres conscientes, livres e responsáveis. Nenhuma experiência evidencia tanto a dimensão essencialmente intersubjetiva da vida e da vida ética quanto a do diálogo.

Porque a vida é intersubjetividade corporal e psíquica, e porque a vida ética é reciprocidade entre sujeitos, tantos filósofos deram à amizade o lugar de virtude proeminente, expressão do mais alto ideal de justiça.

Assim também Espinosa afirma que o ser humano é mais livre na companhia dos outros do que na solidão e que "somente os seres humanos livres são gratos e reconhecidos uns aos outros", porque os sujeitos livres são aqueles que "nunca agem com fraude, mas sempre de boa-fé"


FILME: Efeito Borboleta



Sinopse: Evan é um rapaz que teve certos problemas de memória quando garoto. Já crescido, ele descobre uma capacidade de poder viajar pelo tempo através desses buracos em suas lembranças. Ele utiliza desse poder para poder ficar com a garota dos seus sonhos, porém, isso o insere em um ciclo que, a cada vez que ele utiliza esse poder, algo de muito ruim acontece a alguém querido de sua vida. Evan tenta então, voltando sempre no tempo, salvar as pessoas, mas por mais que se esforce, alguém sempre vai sair perdendo.


Referências:
CHAUI, Marilena. Filosofia: Novo Ensino Médio, Volume único. São Paulo: Ática, 2010, p. 228-236.
BUCKINGHAM, Will; BURNHAM, Douglas. O livro da Filosofia. São Paulo: Globo, 2011, p. 194-195 e p. 276-277.

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