sexta-feira, 1 de maio de 2015

ALBERT CAMUS (1913-1960)


Algumas pessoas dizem que o dever da filosofia é a busca pelo sentido da vida. O filósofo e escritor francês Albert Camus julgava que a filosofia devia reconhecer, em vez disso, que a vida é sem sentido. Embora à primeira vista pareça uma visão pessimista, Camus acreditava que ao adotarmos essa ideia nos habilitamos a viver tão plenamente quanto possível.

Essa ideia de Camus apareceu no ensaio O mito de Sísifo. Sísifo foi um rei grego que, perdendo o apoio dos deuses, acabou condenado a um destino terrível no inferno. Sua tarefa era rolar uma pedra enorme até o topo de um monte, só para vê-la rolar de volta ao solo. Sísifo tinha, então, de caminhar penosamente de volta ao solo para recomeçar, repetindo isso por toda a eternidade. Fascinado por Sísifo, Camus acreditava que o mito parecia encerrar algo da falta de sentido e do absurdo de nossas vidas. E considerou a vida como uma luta infinita para realizar tarefas essencialmente sem sentido.

De um lado, somos seres conscientes que não conseguem deixar de viver suas vidas como se elas tivessem um sentido. De outro, esse sentido não existe no universo exterior, mas somente em nossas mentes. O universo como um todo não tem sentido e propósito - ele simplesmente é. Mas por termos consciência – diferentemente dos outros seres vivos –, somos o tipo de ser que encontra sentido e propósito em todo lugar.

Abraçar o absurdo

O absurdo, para Camus, é o sentimento que experimentamos ao reconhecer que os sentidos conferidos à vida não existem para além da nossa própria consciência. É o resultado de uma contradição entre a nossa percepção do sentido da vida e o nosso conhecimento de que, não obstante, o universo como um todo é sem sentido.

Camus explorou o significado de viver à luz dessa contradição. Ele afirmou que, para chegar à posição de poder viver plenamente, temos antes de aceitar o fato de que a vida é sem sentido e absurda. Ao abraçar o absurdo, nossas vidas tornam-se uma revolta constante contra a falta de sentido do universo – e então podemos viver livremente.

Essa ideia foi desenvolvida depois pelo filósofo Thomas Nagel, que disse que o absurdo da vida está na natureza da consciência, porque, por mais seriamente que encaremos a vida, sempre sabemos que existe alguma perspectiva a partir da qual essa seriedade pode ser questionada.

Trechos da obra O MITO DE SÍSIFO:

“Só existe um problema filosófico realmente sério: o suicídio. Julgar se a vida vale ou não vale a pena ser vivida é responder à pergunta fundamental da filosofia.

(...) muitas pessoas morrem porque consideram que a vida não vale a pena ser vivida. Vejo outros que, paradoxalmente, deixam-se matar pelas ideias ou ilusões que lhes dão uma razão de viver (o que se denomina razão de viver é ao mesmo tempo uma excelente razão de morrer).
Matar-se, em certo sentido, e como no melodrama, é confessar. Confessar que fomos superados pela vida ou que não a entendemos. (...) Trata-se apenas de confessar que isso "não vale a pena". (...) Continuamos fazendo os gestos que a existência impõe por muitos motivos, o primeiro dos quais é o costume. Morrer por vontade própria supõe que se reconheceu, mesmo instintivamente, o caráter ridículo desse costume, a ausência de qualquer motivo profundo para viver, o caráter insensato da agitação cotidiana e a inutilidade do sofrimento.
Um mundo que se pode explicar, mesmo com raciocínios errôneos, é um mundo familiar. Mas num universo repentinamente privado de ilusões e de luzes, pelo contrário, o homem se sente um estrangeiro. E um exílio sem solução, porque está privado das lembranças de uma pátria perdida ou da esperança de uma terra prometida. Esse divórcio entre o homem e sua vida, o ator e seu cenário é propriamente o sentimento do absurdo. E como todos os homens sadios já pensaram no seu próprio suicídio, pode-se reconhecer, sem maiores explica­ções, que há um laço direto entre tal sentimento e a aspiração ao nada.

[1º tema] O tema deste ensaio é justamente essa relação entre o absurdo e o suicídio, a medida exata em que o suicídio é uma solução para o absurdo. Pode-se postular a princípio que as ações de um homem que não trapaceia devem ser reguladas por aquilo que ele considera verdadeiro. A crença no absurdo da existência deve então comandar sua conduta. É uma curiosidade legítima perguntar, com clareza e sem falso pateticismo, se uma conclusão desta ordem exige que se abandone de imediato uma condição incompreensível. Falo aqui, evidentemente, dos homens dispostos a estar de acordo consigo mesmos.

[2º tema] (...) será então preciso acreditar que não há relação alguma entre a opinião que se tem sobre a vida e o gesto que se faz para abandoná-la? (...) No apego de um homem à sua vida há algo mais forte que todas as misérias do mundo. O juízo do corpo tem o mesmo valor que o do espírito, e o corpo recua diante do aniquilamento. Cultivamos o hábito de viver antes de adquirir o de pensar.

[3º tema] O essencial desta contradição reside no que vou chamar de esquiva (...) A esquiva mortal que constitui o terceiro tema deste ensaio é a esperança. Esperança de uma outra vida que é preciso "merecer", ou truque daqueles que vivem não pela vida em si, mas por alguma grande ideia que a ultrapassa, sublima, lhe dá um sentido e a trai.

As pessoas se matam porque a vida não vale a pena ser vivida, eis uma verdade incontestável — infecunda, entretanto, porque é um truísmo. Mas será que esse insulto à existência, esse questionamento em que a mergulhamos, provém do fato de ela não ter sentido? Será que seu absurdo exige que escapemos dela, pela esperança ou pelo suicídio?

Cenários desabarem é coisa que acontece. Acordar, bonde, quatro horas no escritório ou na fábrica, almoço, bonde, quatro horas de trabalho, jantar, sono e segunda terça quarta quinta sexta e sábado no mesmo ritmo, um percurso que transcorre sem problemas a maior parte do tempo. Um belo dia, surge o "por quê" e tudo começa a entrar numa lassidão tingida de assombro. "Começa", isto é o importante. A lassidão está ao final dos atos de uma vida maquinal, mas inaugura ao mesmo tempo um movimento da consciência. Ela o desperta e provoca sua continuação. A continuação é um retorno inconsciente aos grilhões, ou é o despertar definitivo. Depois do despertar vem, com o tempo, a consequência: suicídio ou restabelecimento.
Da mesma maneira, e em todos os dias de uma vida sem brilho, o tempo nos leva. Mas sempre chega uma hora em que temos de levá-lo. Vivemos no futuro: "amanhã", "mais tarde", "quando você conseguir uma posição", "com o tempo vai entender". Estas inconsequências são admiráveis, porque afinal trata-se de morrer. Chega o dia em que o homem constata ou diz que tem trinta anos. Afirma assim a sua juventude. Mas, no mesmo movimento, situa-se em relação ao tempo. (...) Pertence ao tempo e reconhece seu pior inimigo nesse horror que o invade. O amanhã, ele ansiava o amanhã, quando tudo em si deveria rejeitá-lo.

Esses aromas de ervas e de estrelas, a noite, certas noites em que o coração se distende, como poderia negar este mundo cuja potência e cujas forças experimento? Mas toda a ciência desta Terra não me dirá nada que me assegure que este mundo me pertence. Vocês o descrevem e me ensinam a classificá-lo. Vocês enumeram suas leis e, na minha sede de saber, aceito que elas são verdadeiras. Vocês desmontam seu mecanismo e minha esperança aumenta. Por fim, vocês me ensinam que este universo prestigioso e multicor se reduz ao átomo e que o próprio átomo se reduz ao elétron. Tudo isto é bom e espero que vocês continuem. Mas me falam de um sistema planetário invisível no qual os elétrons gravitam ao redor de um núcleo. Explicam-me este mundo com uma imagem. Então percebo que vocês chegaram à poesia: nunca poderei conhecer. Tenho tempo para me indignar? Vocês já mudaram de teoria. Assim, a ciência que deveria me ensinar tudo acaba em hipótese, a lucidez sombria culmina em metáfora, a incerteza se resolve em obra de arte. Que necessidade havia de tanto esforço? As linhas suaves das colinas e a mão da noite neste coração agitado me ensinam muito mais. Voltei ao meu começo. Entendo que posso apreender os fenômenos e enumerá-los por meio da ciência, mas nem por isso posso captar o mundo.

Existe um fato evidente que parece absolutamente moral: um homem é sempre vítima de suas verdades. Uma vez que as reconhece, não é capaz de se desfazer delas. Precisa pagar um preço. Um homem consciente do absurdo está ligado a ele para sempre. Um homem sem esperança e consciente de sê-lo não pertence mais ao futuro. Isto é normal. Mas também é normal que se esforce para escapar do universo que criou. Tudo o que foi dito até aqui só tem sentido em função, justamente, deste paradoxo. Nada mais instrutivo quanto a isto do que examinar agora como os homens que reconheceram o ambiente absurdo, a partir de uma crítica ao racionalismo, impulsionaram suas consequências.

Para me ater às filosofias existenciais, vejo que todas me propõem, sem exceção, a evasão. (...) O tema do irracional, tal como é concebido pelos existencialistas, é a razão que se enreda e se liberta ao se negar. O absurdo é a razão lúcida que constata seus limites.

(...) o homem absurdo compreende que não é realmente livre. Para falar claro, na medida em que tenho esperança, em que me preocupo por uma verdade que me seja própria, uma maneira de ser ou de acreditar, na medida, enfim, em que organizo minha vida e provo assim que admito que ela tem um sentido, crio barreiras entre as quais recluo minha vida.
O absurdo me esclarece o seguinte ponto: não há amanhã. Esta é, a partir de então, a razão da minha liberdade profunda.

(...) a crença no absurdo equivale a substituir a qualidade das experiências pela quantidade. Se eu me convencer de que esta vida tem como única face a do absurdo, se eu sentir que todo seu equilíbrio reside na perpétua oposição entre minha revolta consciente e a obscuridade em que a vida se debate, se eu admitir que minha liberdade só tem sentido em relação ao seu destino limitado, devo então reconhecer que o que importa não é viver melhor, e sim viver mais. Não tenho que me perguntar se isto é vulgar ou enjoativo, elegante ou lamentável. Os juízos de valor ficam descartados aqui, de uma vez por todas, em benefício dos juízos de fato. Só posso extrair conclusões do que posso ver e não arriscar nada que seja uma hipótese.

O absurdo não liberta, amarra. Não autoriza todos os atos. Tudo é permitido não significa que nada é proibido. O absurdo apenas dá um equivalente às consequências de seus atos. Não recomenda o crime, seria pueril, mas restitui sua inutilidade ao remorso.

Observações:

Abraçamos absurdos para lidar com o absurdo da existência. O suicídio ausente de sentido, só uma ideologia para preenche-lo com algum significado. O suicídio pode se tronar um ideal superior, algo que demonstra poder sobre a vida e a natureza, mas isso é fantasia. Devemos viver sem dar sentido, viver por viver e aceitar a vida como ela é, assim a vida pode ser “boa”.


O homem que se consome é o sem esperança, ele se esgota por viver intensamente todas as possibilidades de vida. Quando se está aberto ao mundo, a multiplicidade de afetos é preferível, a esperança é um ideal absurdo. Viver aceitando o absurdo da existência é viver alegrias sem futuro, desapegados com os ideais.

Referências Bibliográficas:

BUCKINGHAM, Will; BURNHAM, Douglas. O livro da Filosofia. São Paulo: Globo, 2011.

CAMUS, Albert. O mito de Sísifo, editora Record, RJ, 2012.

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