sexta-feira, 1 de maio de 2015

OS MODERNOS E DESCARTES

OS MODERNOS

Para os Modernos, o todo não tem mais nada de sagrado, já que para eles não existe cosmos divino e harmonioso no seio do qual seria necessário encontrar um lugar a se inserir. Apenas o indivíduo conta, de tal modo que, a rigor, uma desordem é melhor do que uma injustiça. Não se tem mais o direito de sacrificar os indivíduos para proteger o Todo, pois o Todo não é nada mais do que a soma dos indivíduos, uma construção ideal na qual cada ser humano, porque é "um fim em si", não pode mais ser tratado como um simples meio.

Você vê que o termo individualismo não designa, como se pensa habitualmente, o egoísmo, mas quase o oposto, o nascimento de um mundo moral no seio do qual indivíduos, pessoas, são valorizados na medida de suas capacidades de se desprenderem da lógica do egoísmo natural para construir um universo ético artificial.

DESCARTES


O "cogito" de Descartes ou a primeira origem da filosofia moderna

Cogito ergo sum, "penso, logo existo": talvez você já tenha ouvido essa fórmula. Se não, saiba que ela é, entre todas as sentenças filosóficas, uma das mais célebres do mundo. Com justa razão, porque ela marca uma data na história do pensamento, porque ela inaugura uma nova época: a do humanismo moderno, no seio do qual vai reinar o que será designado "subjetividade".

Por meio da experiência da dúvida radical que Descartes inventa totalmente há três ideias fundamentais que aparecem pela primeira vez na história do pensamento, fundadoras da filosofia moderna.

Primeira ideia: ao examinar cuidadosamente a única certeza que resiste a qualquer prova — no caso, o cogito —, ele está certo de conseguir descobrir um critério confiável da verdade. Assim, é um estado de nossa consciência subjetiva, a certeza, que vai se tornar o novo critério da verdade. Isso já mostra o quanto a subjetividade se torna importante para os Modernos.

Segunda ideia fundamental será ainda mais decisiva no plano histórico e político: é a da "tabula rasa", a da rejeição absoluta de todos os preconceitos e de todas as crenças herdadas das tradições e do passado. Pondo radicalmente em dúvida, sem distinção, a totalidade das ideias prontas, Descartes simplesmente inventa a noção moderna de revolução.

Na modernidade, é o homem, o sujeito humano, que se torna o fundamento de todos os pensamentos e de todos os projetos.
Não convém "dar crédito", como diz Descartes, senão àquilo de que podemos estar absolutamente certos por nós mesmos, Dai ;i natureza nova, fundada na consciência individual, e não mais na tradição.

Terceira ideia: é preciso rejeitar todos os "argumentos de autoridade". Chamamos "argumentos de autoridade" as crenças impostas de fora como verdades absolutas por instituições dotadas de poderes que não se tem o direito de discutir, ainda menos de questionar: a família, os professores, os sacerdotes etc.

A ideia de que deveriam aceitar uma opinião porque seria a mesma das autoridades, quaisquer que elas fossem, repugna tão fundamentalmente aos Modernos que ela praticamente acaba por defini-los como tais.

É uma filosofia do "sujeito", um humanismo, e até mesmo um antropocentrismo, quer dizer, no sentido etimológico, uma visão do mundo que coloca o homem (anthropos, em grego) — e não o cosmos ou a divindade — no centro de tudo.

Da interrogação moral à questão da salvação: o ponto em que essas duas esferas jamais poderiam se confundir

Se quiséssemos resumir as ideias modernas, poderíamos simplesmente definir as morais laicas como um conjunto de valores expressos por deveres ou imperativos que nos pedem um mínimo de respeito pelo outro, sem o qual uma vida comum pacificada é impossível.

Inútil sermos santos, apóstolos perfeitos dos direitos do homem e da ética republicana, nada nos garantiria o sucesso da vida afetiva. A ética nunca impediu ninguém de ser traído ou abandonado. Salvo engano, nenhuma das histórias de amor representada nas grandes obras romanescas depende da ação humanitária... Se a aplicação dos direitos do homem permite uma vida comum pacificada, eles não oferecem por si mesmos nenhum sentido, nem mesmo nenhuma finalidade ou direção à existência humana.

Eis por que, no mundo moderno assim como nos tempos passados, foi preciso inventar, para além da moral, algo que ocupasse o lugar de uma doutrina da salvação. O problema é que sem cosmos e sem Deus a coisa parece particularmente difícil de se pensar. Como enfrentar a fragilidade e a finitude da existência humana, a mortalidade de todas as coisas neste mundo, na falta de qualquer princípio exterior e superior à humanidade?

Referências Bibliográficas:

FERRY, Luc. Aprender a viver: Filosofia para os novos tempos. Rio de Janeiro, Editora Objetiva, 2010.

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