domingo, 2 de fevereiro de 2014

Ceticismo positivo e negativo – trecho do livro: Além do Bem e do Mal


Contra essa espécie de "boa vontade" - uma vontade efetiva, chegando às vias de fato, de negação da vida - não há hoje reconhecidamente melhor sonífero e calmante do que o ceticismo, a suave, delicada, embaladora papoula do ceticismo (...). Pois o cético, essa criatura delicada, assusta-se com demasiada facilidade; sua consciência é treinada, diante de todo não, até diante de um decidido e duro sim, a estremecer e perceber algo como uma mordida. Sim! e não! - para ele, isso vai contra a moral; inversamente, ele prefere festejar sua virtude com a nobre abstenção, talvez ao dizer com Montaigne: "Que sei eu?" Ou com Sócrates: "Sei que nada sei". Ou: "aqui eu não me atrevo, aqui não há porta aberta para mim". Ou: "Supondo que ela estivesse aberta, por que entrar logo?" Ou: "De que servem todas as hipóteses precipitadas? Não levantar quaisquer hipóteses poderia facilmente ser próprio do bom gosto (...). Na nova geração que, por assim dizer, recebe de herança em seu sangue distintas medidas e valores, tudo é inquietação, perturbação, dúvida, experimento; as melhores forças atuam inibindo, as próprias virtudes se impedem mutuamente de crescer e se fortalecer, no corpo e na alma falta equilíbrio, gravidade, segurança perpendicular. Mas o que mais profundamente adoece e degenera nesses mestiços é a vontade: eles absolutamente não conhecem mais a independência da decisão, a corajosa sensação de prazer no querer - eles duvidam do "livre-arbítrio" mesmo em seus sonhos.

Até que ponto a nova época guerreira que nós, europeus, manifestamente adentramos, talvez também possa ser propícia ao desenvolvimento de uma outra e mais forte espécie de ceticismo (...), o ceticismo da virilidade temerária, que é aparentado de perto ao gênio da guerra e da conquista e que na figura do grande Frederico fez sua primeira entrada na Alemanha. Esse ceticismo despreza e apesar disso é apoderador, ele mina e toma em seu poder; ele é descrente, mas não se perde por isso; ele dá perigosa liberdade ao espírito, mas conserva o coração austero (...).

Supondo assim que no retrato dos filósofos do futuro algum traço revele a possibilidade de que eles talvez tenham de ser céticos no sentido recém-aludido, com isso, no entanto, apenas estaria indicado um certo aspecto deles - e' não eles próprios. Com idêntico direito lhes seria permitido denominarem-se críticos (...). Eles serão mais duros (e talvez não sempre apenas em relação a si mesmos) do que homens humanitários o desejariam, eles não se relacionarão com a "verdade" para que ela lhes "agrade" ou os "eleve" e "entusiasme" - será antes pequena a sua crença de que precisamente a verdade implique tais prazeres para o sentimento. Eles sorrirão, esses espíritos rigorosos, se alguém disser na sua presença: "Esse pensamento me eleva: como não deveria ser verdadeiro?" Ou: "Essa obra me encanta: como não deveria ser bela?" Ou: "Esse artista me engrandece: como não deveria ele ser grande?" - talvez eles não tenham pronto apenas um sorriso, mas um autêntico nojo para tudo que é de tal modo entusiasta, idealista, feminil, hermafrodita (...).

NIETZSCHE. Além do bem e do mal, editora L&PM POCKET, p. 141-147, 2010.

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