Contra essa
espécie de "boa
vontade" - uma vontade efetiva, chegando às vias de fato, de negação da
vida - não há hoje reconhecidamente melhor sonífero e calmante do que o
ceticismo, a suave, delicada, embaladora papoula do ceticismo (...). Pois o cético, essa criatura delicada, assusta-se com demasiada
facilidade; sua consciência é treinada, diante de todo não, até diante
de um decidido e duro sim, a estremecer e perceber algo como uma mordida. Sim!
e não! - para ele, isso vai contra a moral; inversamente, ele prefere festejar
sua virtude com a nobre abstenção, talvez ao dizer com Montaigne: "Que sei
eu?" Ou com Sócrates: "Sei que nada sei". Ou: "aqui eu não
me atrevo, aqui não há porta aberta para mim". Ou: "Supondo que ela
estivesse aberta, por que entrar logo?" Ou: "De que servem todas as
hipóteses precipitadas? Não levantar quaisquer hipóteses poderia facilmente ser
próprio do bom gosto (...). Na nova geração que, por assim
dizer, recebe de herança em seu sangue distintas medidas e valores, tudo é
inquietação, perturbação, dúvida, experimento; as melhores forças atuam
inibindo, as próprias virtudes se impedem mutuamente de crescer e se
fortalecer, no corpo e na alma falta equilíbrio, gravidade, segurança perpendicular.
Mas o que mais profundamente adoece e degenera nesses mestiços é a vontade: eles
absolutamente não conhecem mais a independência da decisão, a corajosa
sensação de prazer no querer - eles duvidam do "livre-arbítrio" mesmo em seus sonhos.
Até que ponto a nova época
guerreira que nós, europeus, manifestamente adentramos, talvez também possa ser propícia ao desenvolvimento de uma outra e
mais
forte espécie de ceticismo (...),
o ceticismo da virilidade temerária, que é aparentado de perto ao gênio da guerra e da conquista
e que na figura do grande Frederico fez sua primeira entrada na Alemanha. Esse
ceticismo despreza e apesar disso é apoderador, ele mina e toma em seu poder;
ele é descrente, mas não se perde por isso; ele dá perigosa liberdade ao
espírito, mas conserva o coração austero (...).
Supondo assim que no retrato dos filósofos do futuro algum traço revele a possibilidade de que eles
talvez tenham de ser céticos no sentido recém-aludido, com isso, no entanto,
apenas estaria indicado um certo aspecto deles - e' não eles próprios.
Com idêntico direito lhes seria permitido denominarem-se críticos (...). Eles
serão mais duros (e
talvez não sempre apenas em relação a si mesmos) do que homens humanitários o
desejariam, eles não se relacionarão com a "verdade" para que ela
lhes "agrade" ou os "eleve" e "entusiasme" - será
antes pequena a sua crença de que precisamente a verdade implique tais
prazeres para o sentimento. Eles sorrirão, esses espíritos rigorosos, se alguém
disser na sua presença: "Esse pensamento me eleva: como não deveria ser
verdadeiro?" Ou: "Essa obra me encanta: como não deveria ser
bela?" Ou: "Esse artista me engrandece: como não deveria ele ser
grande?" - talvez eles não tenham pronto apenas um sorriso, mas um
autêntico nojo para tudo que é de tal modo entusiasta, idealista, feminil,
hermafrodita (...).
NIETZSCHE. Além do bem e do mal, editora L&PM POCKET, p. 141-147, 2010.
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