Sabemos hoje que a ciência moderna nos
ensina pouco sobre a nossa maneira de estar no mundo e que esse pouco, por mais
que se amplie, será sempre exíguo porque a exiguidade está inscrita na forma de
conhecimento que ele constitui. A ciência moderna produz conhecimentos e
desconhecimentos. Se faz do cientista um ignorante especializado faz do cidadão
comum um ignorante generalizado.
Ao contrário, a ciência pós-moderna
sabe que nenhuma forma de conhecimento ê, em si mesma, racional; só a
configuração de todas elas é racional. Tenta, pois, dialogar com outras formas
de conhecimento deixando-se penetrar por elas. A mais importante de todas é o
conhecimento do senso comum, o conhecimento vulgar e prático com que no
cotidiano orientamos as nossas ações e damos sentido à nossa vida. A ciência
moderna construiu-se contra o senso comum que considerou superficial, ilusório
e falso. A ciência pós-moderna procura reabilitar o senso comum por reconhecer
nessa forma de conhecimento algumas virtualidades para enriquecer a nossa
relação com o mundo. É certo que o conhecimento do senso comum tende a ser um
conhecimento mistificado e mistificador mas, apesar disso e apesar de ser
conservador, tem uma dimensão utópica e libertadora que pode ser ampliada por
meio do dialogo com o conhecimento cientifico. Essa dimensão aflora em algumas
das características do conhecimento do senso comum.
O senso comum faz coincidir causa e
intenção; subjaz-lhe uma visão do mundo assente na ação e no princípio da
criatividade e da responsabilidade individuais. O senso comum é prático e
pragmático; reproduz-se colado às trajetórias e às experiências de vida de um
dado grupo social e nessa correspondência se afirma fiável e securizante. O
senso comum é transparente e evidente; desconfia da opacidade dos objetivos
tecnológicos e do esoterismo do conhecimento em nome do principio da igualdade
do acesso ao discurso, a competência cognitiva e a competência linguística. O
senso comum é indisciplinar e imetódico; não resulta de uma prática
especificamente orientada para o produzir, reproduz-se espontaneamente no
suceder cotidiano da vida. O senso comum aceita o que existe tal como existe;
privilegia a ação que não produza rupturas significativas no real. Por último,
o senso comum é retorico e metafórico; não ensina, persuade. [...]
SANTOS, Boaventura de Sousa. Um
discurso sobre as ciências. 7. ed. Porto, Edições Afrontamento, 1995.
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