terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

A Origem da Filosofia

A palavra filosofia

Atribui-se ao filósofo grego Pitágoras de Samos a invenção da palavra filosofia. Pitágoras teria afirmado que a sabedoria plena e completa pertence aos deuses, mas que os homens podem desejá-la ou amá-la, tornando-se filósofos.

filosofia
Palavra grega composta de philo e sophía. Philo quer di­zer "aquele ou aquela que tem um sentimento amigável", pois deriva de philía, que significa "amizade e amor fra­terno". Sophía quer dizer "sabedoria" e dela vem a palavra sophós, "sábio". Filosofia significa, portanto, "amizade pela sabedoria", "amor e respeito pelo saber", e filósofo, "o que tem amizade pelo saber".
Pitágoras queria dizer que o filósofo é movido pelo desejo de observar, contemplar, julgar e avaliar as coisas, as ações, as pessoas, os acontecimentos, a vida; enfim, pelo desejo de saber.

A verdade não pertence a ninguém. Ela está diante de todos nós como algo a ser procurado e é encontrada por todos aqueles que a desejarem, que tiverem olhos para vê-la e coragem para buscá-la.
Em suma, a filosofia surgiu quando alguns pensadores gregos se deram conta de que a verdade do mundo e dos humanos não era algo secreto e misterioso, que precisasse ser revelado por divindades a alguns escolhidos, mas que, ao contrário, podia ser conhecida por todos através das operações mentais de raciocínio.
O nascimento da filosofia

Os historiadores da filosofia dizem que ela possui data e local de nascimento: fim do século VII a.C. e início do século VI a.C., nas colônias gregas da Ásia Menor, na cidade de Mileto. E o primeiro filósofo foi Tales de Mileto.

TALES DE MILETO

Além de possuir data e local de nascimento e de possuir seu primeiro autor, a filosofia possui um conteúdo preciso ao nascer: é uma cosmologia.

·  cosmologia
Palavra composta de cosmo [kósmos], que significa "a ordem e organização do mundo" ou "o mundo ordenado e organizado", e logia, que vem de lógos, "pensamento racional, discurso racional, conhecimento". Assim, a filo­sofia nasce como conhecimento racional da ordem do mundo ou da natureza, donde cosmologia.

Ao nascer, a filosofia tem dívidas com a sabedoria dos orientais, não só porque as viagens colocaram os gregos em contato com os conhecimentos produzidos por outros povos (egípcios, persas, babilônios, assírios e caldeus), mas também porque os dois maiores formadores da cultura grega antiga, os poetas Homero e Hesíodo, encontraram nos mitos e nas religiões dos povos orientais e nas culturas que precederam a grega os elementos para elaborar a mitologia grega, que, depois, seria transformada racionalmente pelos filósofos.

Os gregos, porém, imprimiram mudanças profundas ao que receberam do Oriente e das culturas precedentes. Dessas mudanças, podemos mencionar quatro, que nos dão uma ideia da originalidade grega:

1. Com relação aos mitos: quando comparamos os mitos orientais, cretenses, micênicos, minoicos e os que aparecem nos poetas Homero e Hesíodo, vemos que eles retiraram os aspectos apavorantes e monstruosos dos deuses e do início do mundo; humanizaram os deuses, divinizaram os homens; deram racionalidade a narrativas sobre as origens das coisas, dos homens, das instituições humanas (como o trabalho, as leis, a moral).

2. Com relação aos conhecimentos: os gregos transformaram em ciência (isto é, em conhecimento racional, abstrato e universal) aquilo que eram elementos de uma sabedoria prática para o uso direto da vida. Transformaram em astronomia a astrologia praticada por caldeus e babilônios como adivinhação e previsão do futuro.
3. Com relação à organização social e política: os gregos não inventaram apenas a ciência ou a filosofia, mas inventaram também a política. Todas as sociedades anteriores a eles conheciam e praticavam a autoridade e o governo, mas não inventaram a política propriamente dita, porque não separavam o poder político de duas outras formas tradicionais de autoridade: o poder privado do chefe de família e o poder religioso do sacerdote ou mago.
política
Palavra originada do grego polis, que significa "cidade organizada por leis e instituições".
4. Com relação ao pensamento: diante da herança recebida, os gregos inventaram a ideia ocidental da razão como um pensamento sistemático que segue necessariamente regras, normas e leis universais.

Mito e filosofia

Os historiadores da filosofia indagam se ela nasceu realizando uma transformação gradual sobre os mitos gregos ou produzindo uma ruptura radical com os mitos.

mito
Mito é uma narrativa sobre a origem de alguma coisa (origem dos astros, da Terra, dos homens, das plantas, dos animais, do fogo, da água, dos ventos, do bem e do mal, da morte, etc.).
Cosmogonia e teogonia

O mito narra a origem das coisas por meio de lutas, alianças e relações sexuais entre forças sobrenaturais que governam o mundo e o destino dos homens. Como os mitos sobre a origem do mundo são genealogias, diz-se que são cosmogonias e teogonias.

cosmogonia
A palavra gonia origina-se do verbo gennao ("engendrar, gerar, fazer nascer e crescer") e do substantivo genos ("nascimento, gênese, descendência, gênero, espécie"]. Gonia, portanto, quer dizer "geração, nascimento a partir da concepção sexual e do parto". Cosmos quer dizer "mundo ordenado e organizado". Assim, a cosmogonia é a narrativa sobre o nascimento e a organização do mun­do a partir de forças geradoras (pai e mãe) divinas.

teogonia
Palavra composta de gonia e theos, que, em grego, significa "as coisas divinas, os seres divinos, os deuses". A teogonia é, portanto, a narrativa da origem dos deuses a partir de seus pais e antepassados.
Os estudiosos chegaram à conclusão de que as contradições e limitações dos mitos para explicar a realidade natural e humana levaram a filosofia a retomá-los, porém reformulando e racionalizando as narrativas míticas, transformando-as numa explicação inteiramente nova e diferente.

Quais são as diferenças entre filosofia e mito? Podemos apontar três como as mais importantes:

1. O mito pretendia narrar como as coisas eram ou tinham sido no passado imemorial, longínquo e fabuloso, voltando-se para o que era antes que tudo existisse tal como existe no presente; a filosofia, ao contrário, se preocupa em explicar como e por que, no passado, no presente e no futuro, as coisas são como são.

2. O mito narrava a origem por meio de genealogias e rivalidades ou alianças entre forças divinas sobrenaturais e personalizadas; a filosofia, ao contrário, explica a produção natural das coisas por elementos naturais primordiais (água ou úmido, fogo ou quente, ar ou frio, terra ou seco), por meio de causas naturais e impessoais (ações e movimentos de combinação, composição e separação entre os quatro elementos primordiais). Assim, por exemplo, o mito falava nos deuses Urano, Ponto e Gaia; a filosofia fala em céu, mar e terra. O mito narrava a origem dos seres celestes, terrestres e marinhos pelos casamentos de Gaia (a terra) com Urano (o céu) e Ponto (o mar). A filosofia explica o surgimento do céu, do mar e da terra e dos seres que neles vivem pelos movimentos e ações de composição, combinação e separação dos quatro elementos - úmido, seco, quente e frio.

3. O mito não se importava com contradições, com o fabuloso e o incompreensível, não só porque esses eram traços próprios da narrativa mítica, como também porque a confiança e a crença no mito vinham da autoridade religiosa do narrador. A filosofia, ao contrário, não admite contradições, fabulação e coisas incompreensíveis, mas exige que a explicação seja coerente, lógica e racional; além disso, a autoridade da explicação não vem da pessoa do filósofo, mas da razão, que é a mesma em todos os seres humanos.

Condições históricas para o surgimento da filosofia

Podemos apontar como principais condições históricas para o surgimento da filosofia na Grécia:

·  as viagens produziram o desencantamento ou a desmistificação do mundo, que passou, assim, a exigir uma explicação sobre sua origem - explicação que o mito já não podia oferecer;

·  a invenção do calendário, que é uma forma de calcular o tempo segundo as estações do ano, as horas do dia, os fatos importantes que se repetem, revelando, com isso, uma capacidade de abstração nova, ou uma percepção do tempo como algo natural, e não como uma força divina incompreensível;

·  a invenção da moeda, uma troca abstrata, uma troca feita pelo cálculo do valor semelhante das coisas diferentes, revelando, portanto, uma nova capacidade de abstração e de generalização;

·  o surgimento da vida urbana, o surgimento de uma classe de comerciantes ricos, que precisava encontrar pontos de poder e de prestígio para suplantar o velho poderio da aristocracia de terras e de sangue, fez com que se procurasse o prestígio pelo patrocínio e estímulo às artes, às técnicas e aos conhecimentos, favorecendo um ambiente onde a filosofia poderia surgir;

·  a invenção da escrita alfabética, que, como a do calendário e a da moeda, revela o crescimento da capacidade de abstração e de generalização.

O legado da filosofia grega para o Ocidente europeu

Do legado filosófico grego, podemos destacar como principais contribuições as seguintes:

·  A ideia de que o conhecimento verdadeiro deve encontrar as leis e os princípios universais e necessários do objeto conhecido e deve demonstrar sua verdade por meio de provas ou argumentos racionais. Ou seja, em primeiro lugar, a ideia de que um conhecimento não é algo que alguém impõe a outros, e sim algo que deve ser compreendido por todos; e, em segundo lugar, a ideia de que um conhecimento só é verdadeiro quando explica racionalmente o que é a coisa conhecida, como ela é e por que ela é.

A ideia de que a natureza segue uma ordem necessária, e não casual ou acidental. Ou seja, a ideia de que ela opera obedecendo a leis e princípios necessários - não poderiam ser outros ou diferentes do que são - e universais - são os mesmos em toda parte e em todos os tempos. A ideia de ordem natural necessária e universal é o fundamento da origem da filosofia, dando nascimento à primeira expressão filosófica conhecida, a cosmologia. Essa ideia é, pois, responsável pelo surgimento do que será chamado de "filosofia da natureza" ou "ciência da natureza", ou o que os gregos chamaram de "física", palavra derivada do vocábulo grego physis, "natureza".

·  A ideia de que as leis necessárias e universais da natureza podem ser plenamente conhecidas pelo nosso pensamento,


· A ideia de que a razão também opera obedecendo a princípios, leis, regras e normas universais e necessários, com os quais podemos distinguir o verdadeiro do falso.

· A ideia de que as práticas humanas dependem da vontade livre, da deliberação e da discussão, de uma escolha emocional ou racional, de nossas preferências e opiniões, que se realizam segundo certos valores e padrões, que foram estabelecidos pela natureza ou pelos próprios seres humanos, e não por imposições misteriosas e incompreensíveis.

·  As ações humanas dependem das escolhas e deliberações dos homens, em condições determinadas.

O contingente é o que pode ou não acontecer na natureza ou entre os homens; o acaso é a contingência nos acontecimentos da natureza; o possível é a contingência nos acontecimentos humanos.

O necessário é o que não está em nosso poder escolher, pois acontece e acontecerá sempre, independentemente de nossa vontade (não depende de nós que o Sol brilhe, que haja dia e noite); o acaso é o que também não está em nosso poder escolher (não escolho que aconteça uma tempestade justamente quando estou fazendo uma viagem); o possível, ao contrário do necessário e do acaso, é exatamente o que temos poder de escolher e fazer, é o que está em nosso poder.

· A ideia de que os seres humanos naturalmente aspiram ao conhecimento verdadeiro (porque são seres racionais), à justiça (porque são seres dotados de vontade livre) e à felicidade (porque são seres dotados de emoções e desejos), isto é, que os seres humanos não vivem nem agem cegamente, nem são comandados por forças extranaturais secretas e misteriosas, mas instituem por si mesmos valores pelos quais dão sentido à sua vida e às suas ações.



Referências:

CHAUI, Marilena. Filosofia: Novo Ensino Médio, Volume único. São Paulo: Ática, 2010, p. 28-39.

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