A palavra filosofia
Atribui-se ao filósofo grego Pitágoras de
Samos a invenção da palavra filosofia. Pitágoras teria afirmado que a
sabedoria plena e completa pertence aos deuses, mas que os homens podem
desejá-la ou amá-la, tornando-se filósofos.
• filosofia
Palavra grega composta de philo e sophía. Philo quer dizer "aquele ou aquela que tem um sentimento amigável", pois deriva de philía, que significa
"amizade e amor fraterno". Sophía quer dizer
"sabedoria" e dela vem a palavra sophós, "sábio". Filosofia significa, portanto,
"amizade pela sabedoria", "amor e respeito pelo saber", e filósofo, "o que tem amizade pelo saber".
Pitágoras queria dizer que o
filósofo é movido pelo desejo de observar, contemplar, julgar e avaliar as
coisas, as ações, as pessoas, os acontecimentos, a vida; enfim, pelo desejo de
saber.
A verdade não pertence a ninguém. Ela está diante de todos nós como algo a ser procurado e é encontrada por
todos aqueles que a desejarem, que tiverem olhos para vê-la e coragem para
buscá-la.
Em suma, a filosofia surgiu quando alguns pensadores gregos se
deram conta de que a verdade do mundo e dos humanos não era algo secreto e misterioso, que precisasse ser revelado por
divindades a alguns escolhidos, mas que, ao contrário, podia ser conhecida por
todos através das operações mentais de raciocínio.
O nascimento da filosofia
Os historiadores da filosofia dizem que ela
possui data e local de nascimento: fim do século VII a.C. e início do
século VI a.C., nas colônias gregas da Ásia Menor, na cidade de Mileto. E o
primeiro filósofo foi Tales de Mileto.
TALES DE MILETO
Além de possuir data e local
de nascimento e de possuir seu primeiro autor, a filosofia possui um conteúdo preciso ao nascer: é uma cosmologia.
· cosmologia
Palavra composta de cosmo [kósmos], que significa "a
ordem e organização do mundo" ou "o mundo ordenado e organizado", e logia,
que vem de lógos, "pensamento racional, discurso racional, conhecimento".
Assim, a filosofia nasce como conhecimento racional da ordem do mundo ou da
natureza, donde cosmologia.
Ao nascer, a filosofia tem dívidas
com a sabedoria dos orientais, não só porque as viagens colocaram os gregos em
contato com os conhecimentos produzidos por outros povos (egípcios, persas,
babilônios, assírios e caldeus), mas também porque os dois maiores formadores
da cultura grega antiga, os poetas Homero e Hesíodo, encontraram nos mitos e
nas religiões dos povos orientais e nas culturas que precederam a grega os
elementos para elaborar a mitologia grega, que, depois, seria transformada racionalmente pelos filósofos.
Os gregos, porém, imprimiram mudanças profundas ao que receberam do Oriente e das culturas precedentes. Dessas
mudanças, podemos mencionar quatro, que nos dão uma ideia da originalidade
grega:
1. Com relação aos mitos: quando
comparamos os mitos orientais, cretenses, micênicos, minoicos e os que aparecem nos poetas Homero e Hesíodo, vemos que eles retiraram os aspectos apavorantes
e monstruosos dos deuses e do início do mundo; humanizaram os deuses,
divinizaram os homens; deram racionalidade a narrativas sobre as origens das
coisas, dos homens, das instituições humanas (como o trabalho, as leis, a
moral).
2. Com relação aos conhecimentos: os
gregos transformaram em ciência (isto é, em conhecimento racional, abstrato e
universal) aquilo que eram elementos de uma sabedoria prática para o uso direto
da vida. Transformaram em astronomia a astrologia praticada por caldeus e
babilônios como adivinhação e previsão do futuro.
3. Com relação à organização social e
política: os gregos não inventaram apenas a ciência ou a filosofia, mas
inventaram também a política. Todas as sociedades anteriores a eles
conheciam e praticavam a autoridade e o governo, mas não inventaram a política propriamente dita, porque não separavam o poder político de duas outras formas
tradicionais de autoridade: o poder privado do chefe de família e o poder
religioso do sacerdote ou mago.
• política
Palavra originada do grego polis, que significa
"cidade organizada por leis e instituições".
4. Com relação ao pensamento: diante
da herança recebida, os gregos inventaram a ideia ocidental da razão como um
pensamento sistemático que segue necessariamente regras, normas e leis
universais.
Mito e filosofia
Os historiadores da filosofia indagam se ela nasceu realizando uma transformação gradual sobre os mitos gregos ou produzindo uma ruptura
radical com os mitos.
• mito
Mito é uma narrativa sobre a origem de alguma
coisa (origem dos astros, da Terra, dos homens, das plantas, dos animais, do
fogo, da água, dos ventos, do bem e do mal, da morte, etc.).
Cosmogonia e teogonia
O mito narra a origem das coisas por meio de
lutas, alianças e relações sexuais entre forças sobrenaturais que governam o
mundo e o destino dos homens. Como os mitos sobre a origem do mundo são
genealogias, diz-se que são cosmogonias e teogonias.
• cosmogonia
A palavra gonia origina-se do verbo gennao ("engendrar,
gerar, fazer nascer e crescer") e do substantivo genos ("nascimento,
gênese, descendência, gênero, espécie"]. Gonia, portanto, quer dizer "geração, nascimento a
partir da concepção sexual e do parto". Cosmos quer dizer "mundo
ordenado e organizado". Assim, a cosmogonia é a narrativa sobre o
nascimento e a organização do mundo a partir de forças geradoras (pai e mãe) divinas.
• teogonia
Palavra composta de gonia e theos, que, em grego, significa "as coisas divinas, os seres divinos, os deuses". A
teogonia é, portanto, a narrativa da origem dos deuses a partir de
seus pais e antepassados.
Os estudiosos chegaram à
conclusão de que as contradições e limitações dos mitos para explicar a realidade
natural e humana levaram a filosofia a retomá-los, porém reformulando e
racionalizando as narrativas míticas, transformando-as numa explicação inteiramente nova e diferente.
Quais são as diferenças entre
filosofia e mito? Podemos apontar três como as mais importantes:
1. O mito pretendia narrar como as coisas eram
ou tinham sido no passado imemorial, longínquo e fabuloso,
voltando-se para o que era antes que tudo existisse tal como existe no
presente; a filosofia, ao contrário, se preocupa em explicar como e por que, no
passado, no presente e no futuro, as coisas são como são.
2. O mito narrava a origem por meio de
genealogias e rivalidades ou alianças entre forças divinas
sobrenaturais e personalizadas; a filosofia, ao contrário, explica a produção
natural das coisas por elementos
naturais primordiais (água ou úmido, fogo ou quente, ar ou frio, terra ou seco), por
meio de causas naturais e impessoais (ações e movimentos de combinação,
composição e separação entre os quatro elementos primordiais). Assim, por
exemplo, o mito falava nos deuses Urano, Ponto e Gaia; a filosofia fala em céu,
mar e terra. O mito narrava a origem dos seres celestes, terrestres e marinhos pelos casamentos de Gaia (a terra) com Urano (o céu) e Ponto (o mar). A
filosofia explica o surgimento do céu, do mar e da terra e dos seres que neles
vivem pelos movimentos e ações de composição, combinação e separação dos quatro
elementos - úmido, seco, quente e frio.
3. O mito não se importava com
contradições, com o fabuloso e o incompreensível, não só porque esses eram
traços próprios da narrativa mítica, como também porque a confiança e a crença
no mito vinham da autoridade religiosa do narrador. A filosofia, ao contrário, não
admite contradições, fabulação e coisas incompreensíveis, mas exige que a
explicação seja coerente, lógica e racional; além disso, a autoridade da explicação não vem da pessoa do filósofo, mas da razão, que é a mesma em todos os seres
humanos.
Condições históricas para o surgimento da filosofia
Podemos apontar como principais condições históricas para o surgimento da filosofia na Grécia:
· as viagens produziram o desencantamento ou a desmistificação do mundo, que passou, assim, a exigir uma explicação sobre sua origem - explicação que o mito já não podia oferecer;
· a invenção do calendário, que é
uma forma de calcular o tempo segundo as estações do ano, as horas do dia, os
fatos importantes que se repetem, revelando, com isso, uma capacidade de
abstração nova, ou uma percepção do tempo como algo natural, e não como uma
força divina incompreensível;
· a invenção da moeda, uma troca abstrata, uma troca feita pelo cálculo do
valor semelhante das coisas diferentes, revelando, portanto, uma nova capacidade de abstração e de generalização;
· o surgimento da vida urbana, o surgimento de uma
classe de comerciantes ricos, que precisava encontrar pontos de poder e de
prestígio para suplantar o velho poderio da aristocracia de terras e de
sangue, fez com que se procurasse o prestígio pelo patrocínio e estímulo às
artes, às técnicas e aos conhecimentos, favorecendo um ambiente onde a
filosofia poderia surgir;
· a invenção da escrita alfabética,
que, como a do calendário e a da moeda, revela o crescimento da capacidade de abstração
e de generalização.
O legado da filosofia
grega para o Ocidente europeu
Do legado filosófico grego, podemos destacar como principais contribuições as seguintes:
· A ideia
de que o conhecimento verdadeiro deve encontrar as leis e os princípios
universais e necessários do objeto conhecido e deve demonstrar sua verdade por
meio de provas ou argumentos racionais. Ou seja, em primeiro lugar, a ideia de
que um conhecimento não é algo que alguém impõe a outros, e sim algo que deve
ser compreendido por todos; e, em segundo lugar, a ideia de que um
conhecimento só é verdadeiro quando explica racionalmente o que é a coisa
conhecida, como ela é e por que ela é.
A ideia de que a natureza segue
uma ordem necessária, e não casual ou acidental. Ou seja, a ideia de que ela
opera obedecendo a leis e princípios necessários - não poderiam ser outros ou
diferentes do que são - e universais - são os mesmos em toda parte e em todos
os tempos. A ideia de
ordem natural necessária e universal é o fundamento da origem da filosofia,
dando nascimento à primeira expressão filosófica conhecida, a cosmologia. Essa
ideia é, pois, responsável pelo surgimento do que será chamado de
"filosofia da natureza" ou "ciência da natureza", ou o que
os gregos chamaram de "física", palavra derivada do vocábulo grego physis,
"natureza".
· A ideia de que as leis
necessárias e universais da natureza podem ser plenamente conhecidas pelo
nosso pensamento,
· A ideia
de que a razão também opera obedecendo a princípios, leis, regras e normas universais e necessários, com os quais podemos distinguir o verdadeiro do
falso.
· A ideia de que as práticas
humanas dependem da vontade livre, da deliberação e da discussão, de uma
escolha emocional ou racional, de nossas preferências e opiniões, que se
realizam segundo certos valores e padrões, que foram estabelecidos pela
natureza ou pelos próprios seres humanos, e não por imposições misteriosas e incompreensíveis.
· As ações humanas dependem das
escolhas e deliberações dos homens, em condições determinadas.
O contingente é o que pode
ou não acontecer na natureza ou entre os homens; o acaso é a contingência nos acontecimentos da
natureza; o possível é a contingência nos acontecimentos humanos.
O necessário é o
que não está em nosso poder escolher, pois acontece e acontecerá sempre, independentemente de nossa vontade (não depende de nós que o Sol brilhe, que
haja dia e noite); o acaso é o que também não está em nosso poder escolher (não
escolho que aconteça uma tempestade justamente quando estou fazendo uma
viagem); o possível, ao contrário
do necessário e do acaso, é exatamente o que temos poder de escolher e fazer, é
o que está em nosso poder.
· A ideia de que os seres humanos
naturalmente aspiram ao conhecimento verdadeiro (porque são seres racionais), à
justiça (porque são seres dotados de vontade livre) e à felicidade (porque são
seres dotados de emoções e desejos), isto é, que os seres humanos não vivem
nem agem cegamente, nem são comandados por forças extranaturais secretas e
misteriosas, mas instituem por si mesmos valores pelos quais dão sentido à sua
vida e às suas ações.
Referências:
CHAUI, Marilena. Filosofia:
Novo Ensino Médio, Volume único. São Paulo: Ática,
2010, p. 28-39.
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