domingo, 22 de março de 2015

LÚCIO ANEU SÊNECA


Tranquilidade e estoicismo romano
Dentre os estoicos romanos, destacou-se Sêneca. Nascido em Córdoba, atual Espanha, — mas na época Império Romano — no ano de I d.C., Sêneca figura entre os maiores filósofos romanos. Foi um senador de destaque. Seu prestígio e reconhecimento o levaram a ser preceptor de Nero, futuro imperador. Sim, ele mesmo, o incendiário.

Tranquilidade e razão
A razão é o recurso dado pela natureza ao homem para analisar e evitar a tristeza.
Esta razão deve nos levar, quando usada adequadamente, à ataraxia. Termo frequentemente traduzido por impassibilidade ou tranquilidade. Esta ataraxia depende de equilíbrio, tanto do corpo quanto da alma. Quando um deles ou ambos é perturbado sobrevém a tristeza. Entendida por Sêneca como uma doença.
·   Ataraxia: ausência de inquietude, tranquilidade de ânimo, paz e imperturbabilidade de espírito
Sêneca é um estoico romano. Diverge do estoicismo grego em muitas questões. Propõe que as coisas não estão dispostas segundo uma ordem imanente. Quando tiramos algo do seu lugar, está coisa poderá não voltar, por si só, à sua posição natural.

Tranquilidade e divina providência

Para que os velozes astros do universo não se colidam, e para que os fenômenos naturais não se descontrolem, é preciso que uma força divina garanta o fluxo ordenado do cosmo. Cada coisa tem seu lugar no cosmo porque os deuses assim quiseram. Um peixe pode morrer se deixado fora da água. Ele, por si mesmo, não se recompõe com a ordem natural de seu cosmo. É preciso uma força inteligente, humana ou divina, para colocá-lo de volta no seu devido lugar. É neste ponto que podemos vislumbrar a divina providência. Para restabelecer o que por si só não ocorreria.

Providência que rege também a existência humana. Assim, os deuses não só preveem para o homem um lugar que lhe é natural, como também lhe atribuem um destino. Cada um de nós possui uma missão que deve ser cumprida.

Nosso destino, muitas vezes, escapa à nossa percepção e ao nosso entendimento. Sobretudo quando não consideramos o universo como um todo. E esquecemos nossa condição de parte desse todo.

“Nada de mal pode atingir o homem bom: os contrários não se misturam. (...) Não estou querendo dizer que ele não sente os ataques externos, mas que os derrota e, ademais, põe-se a enfrentá-los com calma e tranquilidade. Ele considera todas as adversidades como exercícios” (SÊNECA. Sobre a divina providência).

Insiste Sêneca, o homem bom, virtuoso, encontra-se sempre preparado para todas as dores que na vida possa experimentar.
Não é outra a ideia de sábio, para os estoicos. Não se trata de alguém que sabe tudo sobre o mundo, como se poderia pensar. O sábio sabe viver. Sua especialidade é a vida. Quanto ao mundo, sabe que as coisas são como são. E as aceita assim.

Sêneca nos adverte que o mal-estar que sentimos em qualquer destas situações, decorre da insatisfação com nós mesmos.

Se o teto desabou por causa da enchente, só há neste relato um erro a lamentar. A crença de que isso não fosse acontecer. Portanto, pare de culpar o mundo. Assuma sua parte da tristeza. Porque o mundo, esse, é o que é. E, por mais que você faça, ainda será mais fácil corrigir-se do que adequá-lo a você. Porque se todo infortúnio depende de você e do mundo, por que não começar pelo que está mais na mão?

Tranquilidade e ira

A esperança é sentimento que nos remete a um mundo desejado e que nos afasta da realidade. Mal-estar resultante do contraste entre a vida que gostaríamos de viver com a vida que vivemos. Frustração de viver uma vida que não se sonhou. Eis, para os estoicos, a causa de sentimentos como a ira. A cólera.

A alternativa filosófica de Sêneca é adotar uma postura um pouco mais pessimista em relação à vida. Analisar a própria existência para se reconciliar com a realidade. Pensar sobre os desejos e suas condições de realização. Aceitar a frustração como condição da existência. Ter em mente que o mundo nunca será como nós queremos. Viver a vida como ela se apresenta. Com seus altos e baixos. Desejando o mínimo possível. Evitando assim esperanças, iras e angústias.

Na visão estoica só começamos a ser felizes quando aceitarmos que o mundo não gira ao nosso redor. Que as pessoas não foram feitas pelos deuses para atenderem nossas carências. Por isso, a tranquilidade, condição da vida boa, pressupõe a desesperança. A conciliação com a realidade.

Para ele a felicidade, a busca da tranquilidade da alma e do corpo, é um dever moral. Isso mesmo leitor, você tem o dever de ser feliz. E, para isso, o dever de reconciliar-se com o mundo. Lamentando menos, esperando menos e amando mais. No amor, vivemos melhor.

E essa constatação — de que o mundo não é como gostaríamos que fosse — nos entristece. Tristeza que nos leva a viver mal. A agir mal. A fazer bobagens. A culpar os outros. A persegui-los em estado de fúria. E, eventualmente, a tomar o troco. Por isso, render-se à tristeza é uma desordem cosmológica. Uma violação moral. Uma heresia. Uma blasfêmia contra o universo.

Sobre a brevidade da vida

Trecho da obra de Sêneca:
“Os vícios sufocam os homens e andam a sua volta, não lhes permitindo levantar nem erguer os olhos para distinguir a verdade. Permanecem imersos, presos às paixões, não favorecendo um voltar-se para si próprio. Mesmo encontrando alguma paz, eles continuam sendo levados por suas ambições, não achando tranquilidade, tal como o fundo do mar que, depois da tempestade, ainda continua agitado. Imaginas que falo daqueles cujos vícios estão explícitos? Observa os que a sorte abençoou: eles se sentem sufocados pelos seus bens. As riquezas são pesadas para muitos! A preocupação com a eloquência e a necessidade de mostrar talento tirou o sangue de muitos! Outros enfraqueceram devido a uma vida de libertinagens! Muitos possuem um grande número de clientes, mas nenhuma liberdade! Por fim, observa a todos, desde os mais simples aos mais poderosos. Este advoga, aquele assiste, um é acusado, outro defende, aquele outro julga; ninguém pede nada para si, uns nos outros se consomem. (...) ninguém cuida de si mesmo. (...) Assim, não há motivo para que cobres teus favores a quem quer que seja, já que, quando os fizeste, foi por querer estar com o outro e não contigo mesmo.”

“Pode haver alguma coisa mais tola, me diga, que a maneira de viver desses homens que deixam a prudência de lado? Vivem ocupados para poder viver melhor: acumulam a vida, dissipando-a. Fazem seus projetos para longo tempo, porém esse adiamento é prejudicial para a vida, já que nos tira o dia a dia, rouba o presente comprometendo o futuro. A expectativa é o maior impedimento para viver: leva-nos para o amanhã e faz com que se perca o presente. (...) Todas as coisas que virão jazem na incerteza: vive daqui para diante.”

“Enfim, queres saber o pouco que vivem os ocupados? Vê o quanto eles desejam longamente viver. Velhos decrépitos mendigam com súplicas um prolongamento de poucos anos. Eles fingem ser mais novos do que realmente são, lisonjeiam a si próprios com mentiras e se enganam com prazer, como se pudessem iludir o destino. Mas, quando alguma doença lhes mostra a sua fragilidade, morrem amedrontados, como se não estivessem deixando a vida, mas ela estivesse sendo arrancada deles. Eles gritam que foram tolos por não terem vivido e que, se conseguirem escapar daquela doença, viverão no ócio. Então, pensam o quanto inutilmente se esforçaram para coisas que não aproveitaram, quão vãos foram todos os seus trabalhos. (...)Por mais curta que seja, é mais que suficiente, de maneira que, ao chegar o último dia, o homem sábio não hesitará em ir para a morte com tranquilidade.”

Da tranquilidade da alma

Citação feita por Sêneca, sobre as ideias de Atenodoro:

“Ao te isolares no estudo, tu te livrarás de todos os desgostos da vida, não mais desejarás a noite por aborrecimento do dia e não mais serás uma carga para ti mesmo, nem inútil aos outros. Farás inúmeros amigos e todo homem de bem virá espontaneamente ao teu encontro: pois jamais, por mais obscura que seja, a virtude vive ignorada; existem sinais que revelam sua presença, e todo aquele que for digno sempre a descobrirá. Se, com efeito, renunciarmos a toda relação com o próximo e nos afastarmos do gênero humano para viver unicamente concentrados em nós mesmos, este isolamento, esta indiferença absoluta, terão por resultado a mais completa ociosidade: começaremos a construir de um lado e a demolir do outro; a repelir o mar, a desviar as águas lutando contra as dificuldades do terreno e a desperdiçar o tempo, que a natureza nos dá para aproveitar.”

Trecho da obra de Sêneca:
“Assim como as viagens se sucedem, um espetáculo substitui o outro, e como diz Lucrécio: "Assim cada um foge sempre de si mesmo". Mas para que fugir se não nos podemos evitar? Seguimo-nos sempre, sem nos desembaraçarmos desta intolerável companhia. Assim, convençamo-nos bem de que o mal do qual sofremos não vem dos lugares, mas de nós mesmos, que não temos força para nada suportar: trabalho, prazer, nós mesmos; qualquer coisa do mundo nos parece uma carga.”

“(...) é um erro pensar que os ricos aceitam mais corajosamente suas penas: que o corpo seja grande ou pequeno, as feridas lhe são igualmente dolorosas. Bíon disse com fineza: "Não é porque se tem mais cabelos sobre a cabeça que é menos desagradável sentir arrancá-los". Não é diferente no caso do pobre e do rico, e seu sofrimento é o mesmo: o dinheiro se apega tão intimamente à alma, que não se pode arrancá-lo sem dor. É, aliás, eu o repito, mais suportável e mais simples nada adquirir do que perder alguma coisa: daí vem que se vê um ar mais alegre nas pessoas que a fortuna jamais visitou do que naquelas que ela traiu.”

“Habituemo-nos a ter o luxo à distância e a fazer uso da utilidade dos objetos e não de sua sedução exterior. Comamos para matar a fome, bebamos para apagar a sede e reduzamos ao necessário a satisfação de nossos desejos. Aprendamos a andar com nossas pernas, a regular nosso vestuário e nossa alimentação, não sobre a moda do dia, mas sobre o exemplo dos antigos. Aprendamos a cultivar em nós a sobriedade e a moderar nosso amor ao fausto; a reprimir nossa vaidade, a dominar nossas cóleras, a considerar a pobreza com um olhar calmo, a considerar a frugalidade, apesar de todos aqueles que acharão aviltante satisfazer tão modestamente a seus desejos naturais; a não ter nas mãos. por assim dizer, as ambições desenfreadas de uma alma sempre inclinada para o dia seguinte e a esperar a riqueza menos da sorte do que de nós mesmos.”

“As honras prendem este, a riqueza aquele outro; este leva o peso de sua nobreza, aquele o de sua obscuridade; um curva a cabeça sob a tirania de outrem, outro sob a própria tirania; a este sua permanência num lugar é imposta pelo exílio, àquele outro pelo sacerdócio. Toda a vida é uma escravidão. É preciso, pois, acostumar-se à sua condição, queixando-se o menos possível e não deixando escapar nenhuma das vantagens que ela possa oferecer: nenhum destino é tão insuportável que uma alma razoável não encontre qualquer coisa para consolo. Vê-se frequentemente um terreno diminuto prestar-se, graças ao talento do arquiteto, às mais diversas e incríveis aplicações, e um arranjo hábil torna habitável o menor canto. Para vencer os obstáculos, apela à razão: verás abrandar-se o que resistia, alargar-se o que era apertado e os fardos tornarem-se'mais leves sobre os ombros que saberão suportá-los. Não descortinemos, de outro lado, um campo vasto demais aos nossos desejos: limitemos o voo aos objetos mais próximos, visto que não podemos pensar em reprimi-los inteiramente. Renunciando ao que é impossível ou difícil demais para realizar, apeguemo-nos ao que, estando mais próximo, anima nossa esperança; mas sem esquecer que todas as coisas são igualmente frívolas e que, se as aparências diferem, é sempre no interior a mesma futilidade. Não invejemos as situações elevadas: pois o que julgamos ser o cume não é mais do que a beira de um abismo.”

“Quem não souber morrer bem terá vivido mal. (...) quantas vezes morremos, vítimas do nosso medo de morrer! Estes são caprichos que a fortuna se permite: "Por que", diz ela, "poupar-te, criatura débil e trémula? Tu serás trespassada e serás crivada de golpes, justamente porque não sabes oferecer o pescoço. E tu, tua vida será prolongada e terás uma morte mais rápida, porque em lugar de desviares a cabeça ou de te cobrires com as mãos, esperas o ferro com coragem". Aquele que temer a morte não fará jamais obra de homem; mas aquele que disser a si mesmo que, desde o instante em que foi concebido, sua sorte foi decidida, governará sua vida em conformidade com esta decisão; e por prêmio terá a vantagem, graças a este mesmo vigor da alma, de jamais se deixar surpreender por qualquer acontecimento que surja. Considerando antecipadamente tudo o que pode acontecer, como o que irá realmente acontecer, ele amortecerá o choque de todos os males: pois, para quem está preparado e a espera, a violência de todas as desgraças se abranda; e somente acham seus golpes terríveis os que se julgavam em segurança e que não tinham diante de si senão perspectivas felizes.”

“ (...) que nossa alma, renunciando a todos os benefícios exteriores, se recolha inteiramente em si mesma: que ela só confie em si e só se alegre consigo, que ela só aprecie seus próprios bens, que ela se afaste o mais possível dos estranhos e se consagre exclusivamente a si mesma, que os prejuízos materiais a deixem insensível e que ela chegue mesmo a encontrar um lado bom nas suas desgraças. (...) está mais em conformidade com a natureza humana rir-se da existência do que lamentar-se dela. Acrescentemos que se presta melhor serviço ao gênero humano ao se rir dele do que ao lamentá-lo: o gracejador nos deixa alguma esperança de melhora, o outro se aflige estupidamente com os males que desesperadamente procura remediar. Enfim, para quem julga as coisas de um ponto de vista mais superior, uma alma mostra-se mais forte abandonando-se ao riso do que cedendo às lágrimas

“É preciso frequentemente recolhermo-nos em nós mesmos: pois a relação com pessoas diferentes demais de nós perturba nosso equilíbrio, desperta nossas paixões, irrita nossas restantes fraquezas e nossas chagas ainda não completamente curadas. Misturemos, todavia, as duas coisas: alternemos a solidão e o mundo. A solidão nos fará desejar a sociedade e esta nos reconduzirá novamente a nós mesmos; elas serão antídotas, uma à outra: a solidão, curando nosso horror à multidão, e a multidão, curando nossa aversão à solidão.”

“É preciso governar nosso espírito e conceder-lhe de tempos em tempos um descanso que fará sobre ele o efeito de um alimento restaurador. É preciso, igualmente, ir passear em pleno campo, pois o céu aberto e o ar puro estimulam e avivam a inteligência; algumas vezes uma alteração, uma viagem, uma mudança de horizontes, assim como uma boa refeição com um pouco mais de bebida do que de costume, lhe darão um novo vigor.”



Referências Bibliográficas:

FERRY, Luc. Aprender a viver: Filosofia para os novos tempos. Rio de Janeiro, Editora Objetiva, 2010.

DE BARROS FILHO, Clóvis. A vida que vale a pena ser vivida. Editora Vozes, 2010.

SÊNECA, Lúcio Anneo. Da tranquilidade da alma. Os pensadores, Ed. Nova Cultura, 1988.

SÊNECA, Lúcio Anneo. Sobre a brevidade da vida. Coleção: L&PM POCKET PLUS, vol. 548, 2006.

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