Seja hedonismo ou pessimismo, seja utilitarismo ou eudemonismo: todos esses modos de pensar que medem o valor das coisas segundo o prazer e a dor, ou seja, segundo estados acessórios e aspectos secundários, são ingenuidades e pensamentos de fachada que todo aquele que se sabe possuidor de forças plasmadoras e de uma consciência de artista não deixará de olhar de cima com zombaria, mesmo com compaixão. (...) Quereis, se possível – e não há mais insano "se possível" –, eliminar o sofrimento (...) A disciplina do sofrimento, do grande sofrimento – não sabeis que apenas esta disciplina produziu todas as elevações do homem até agora? Essa tensão da alma na infelicidade, que a leva a cultivar a fortaleza, seus calafrios à vista do grande perecer, sua inventividade e valentia em suportar, perseverar, interpretar, aproveitar a infelicidade, e o que quer que alguma vez já lhe foi presenteado de profundidade, mistério, máscara, espírito, astúcia, grandeza – isso não lhe foi presenteado em meio ao sofrimento, em meio ao cultivo do grande sofrimento? No homem estão unidos criatura e criador, no homem há matéria, fragmento, abundância, argila, lama, absurdo, caos; mas no homem também há criador, escultor, dureza de martelo, divindade espectadora e sétimo dia: – compreendeis esta oposição? E que a vossa compaixão se dirige à "criatura no homem", àquele que precisa ser formado, quebrado, forjado, rompido, queimado, incandescido, purificado – àquele que necessariamente tem de sofrer e deve sofrer? E a nossa compaixão – não compreendeis a quem se dirige nossa compaixão contrária quando ela se defende da vossa compaixão como do pior de todos os amolecimentos e fraquezas?
NIETZSCHE. Além do bem e do mal, editora L&PM POCKET, p. 162-163, 2010.
Nenhum comentário:
Postar um comentário