René Descartes viveu no começo do século XVII, num período por
vezes chamado de Revolução Científica, uma era de rápidos avanços nas ciências. O cientista e filósofo britânico
Francis Bacon havia estabelecido um novo método
para conduzir experiências científicas, baseado em observações detalhadas e raciocínio dedutivo, e suas
metodologias forneceram um novo sistema para
investigar o mundo. Descartes compartilhava de sua excitação e otimismo,
mas por razões diferentes. Bacon
considerava que as aplicações práticas
das descobertas científicas eram seu objetivo e ponto principal,
enquanto Descartes estava mais fascinado com o projeto de expandir o conhecimento e a compreensão do mundo.
Durante a Renascença, as pessoas tinham se tornado mais céticas acerca da
ciência e da possibilidade do conhecimento
genuíno em geral, e essa visão
continuou a exercer influência na época de Descartes. Assim, uma grande
motivação para seu "projeto de
investigação pura", como sua
obra ficou conhecida, foi o desejo
de livrar a ciência do ceticismo perturbante.
Em Meditações sobre filosofia primeira, sua obra
mais completa e rigorosa sobre metafísica (o estudo do ser e da realidade) e
epistemologia (o estudo da natureza e dos limites do conhecimento), Descartes tentou demonstrar a possibilidade do conhecimento mesmo a
partir das posições mais céticas e, a partir disso, estabelecer um alicerce firme para as ciências.
“É necessário que ao menos uma vez na
vida você duvide, tanto quanto possível, de todas as coisas.” René Descartes
O mundo ilusório
A fim de estabelecer que suas crenças tenham estabilidade e resistência,
o que considerava duas importantes marcas do conhecimento, Descartes usou a chamada "dúvida
metódica", que se baseia numa reflexão
que deixa de lado qualquer crença cuja verdade possa ser contestada.
O mundo que conhecemos pode ser apenas uma ilusão? Não podemos confiar em nossos sentidos como base segura para o conhecimento, porque todos já fomos
"enganados" por eles uma vez ou outra. Ele dizia que talvez estivéssemos sonhando, e o mundo
aparentemente real não fosse mais que um mundo de sonho. Ele percebeu que isso seria possível,
pois não há indícios certos entre estar acordado ou dormindo. Mas, mesmo assim, essa situação deixaria aberta a possibilidade de que algumas verdades,
como os axiomas matemáticos, podem ser
conhecidas, embora não por meio dos
sentidos. E até essas "verdades" podem, de fato, não ser
verdadeiras, porque Deus, que é todo-poderoso, pode nos enganar até mesmo nesse nível.
Descartes imaginou que haveria um gênio poderoso e maligno capaz de enganá-lo sobre qualquer coisa. Quando se visse considerando
uma opinião, ele se perguntaria: "O gênio pode estar me fazendo
acreditar nisso, mesmo que seja
falso?". Se a resposta fosse "sim", ele devia deixar a opinião de lado, pois é
duvidosa.
Nesse
ponto, aparentemente Descartes havia se
colocado numa situação impossível - se tudo está sujeito a dúvida, então ele não tem qualquer base sólida sobre a qual trabalhar.
“Imagino
que algum génio maligno de máximo poder e astúcia empregou todas as suas energias para me enganar.” René Descartes
A primeira certeza
Nesse ponto, Descartes compreendeu que havia uma crença da qual ele não podia duvidar: a crença na
própria existência. Quando Descartes tentou aplicar o
teste do génio maligno a sua crença, percebeu que o génio só podia levá-lo
a acreditar que ele existe se ele, Descartes, de fato existir - como ele
poderia duvidar da própria existência, se é preciso existir para ter dúvida?
O axioma "Penso, eu existo" constitui a primeira certeza de Descartes.
Exemplos da busca filosófica da verdade
A semelhança
entre Neo, Morfeu e Descartes.
Descartes começa
sua obra filosófica fazendo um balanço de tudo o que sabia.
Ao final, conclui
que tudo quanto aprendera, tudo quanto sabia e tudo quanto conhecera pela
experiência era duvidoso e incerto. Decide, então, não aceitar nenhum desses
conhecimentos, a menos que pudesse provar racionalmente que eram certos e dignos
de confiança.
Por exemplo,
sabe-se que as pessoas que sofreram amputação de algum membro continuam
sentindo frio, calor e dor nesse membro inexistente. Descartes pergunta: que
motivo racionalmente válido eu teria para não supor que todo o meu corpo, que
sinto perfeitamente, não é uma ilusão, como a do membro amputado (conhecido
como “membro fantasma”)?
Uma ideia
semelhante aparece em Matrix, quando Neo sente, apavorado, que seu corpo não
existe, mas está convertido num material brilhante e viscoso, ou quando aprende
lutas marciais sem se mover da cadeira onde está sentado, o que demonstra,
portanto, que não é realmente seu corpo que está na luta. Será que ele possui
mesmo um corpo?
Quanto à
existência do mundo, Descartes oferece um argumento conhecido como
"argumento do sonho”: quando sonhamos, estamos convencidos de que a
realidade sonhada existe e que a conhecemos tal como é, de maneira que não há
diferença entre a percepção da realidade pelo sonhador e a percepção do mundo
por aquele que está desperto. Ou seja, não possuímos critérios para o sonho da
vigília e, portanto, não temos nenhum critério racional para afirmar que o mundo
existe ou que ele não é um sonho.
Essa ideia é
apresentada em Matrix justamente por Morfeu, o deus do sono e do sonho, quando
pergunta a Neo se este sabe a realidade da ilusão, pois passou a vida num mundo
que não existe realmente.
No entanto, mostra
Descartes, há um momento em que a dúvida se interrompe necessariamente porque o
pensamento encontra, enfim, uma primeira verdade indubitável: “Eu penso!".
Essa primeira verdade pode ser traduzida pelo seguinte raciocínio: eu penso,
pois, se eu duvidar de que estou pensando, ainda estou pensando, visto que
duvidar é uma maneira de pensar.
Quando estou
duvidando, estou pensando: eu duvido significa “eu penso". E não posso
duvidar de que penso. A consciência do pensamento aparece, assim, como a
primeira verdade indubitável que será o alicerce para todos os conhecimentos
futuros.
Descartes afirma:
"Penso, logo existo”. A existência do pensamento e do sujeito pensante
será, então, o ponto de partida para as outras verdades ou o alicerce para a
reconstrução do edifício do saber.
Referências:
BUCKINGHAM, Will; BURNHAM, Douglas. O livro da Filosofia. São Paulo: Globo, 2011, p. 116-123.
CHAUI, Marilena. Filosofia:
Novo Ensino Médio, Volume único. São Paulo: Ática,
2010, p 107-109.
Atividades
1 – Que
comparações são possíveis entre a filosofia de Descartes e o filme Matrix?
2 – O que é o “argumento
do sonho” de Descartes?
3 – Qual a
primeira verdade indubitável encontrada por Descartes? Explique como ele chegou
a ela.
Você copiou completamente do livro da Filosofia!
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