domingo, 2 de fevereiro de 2014

“Penso, logo existo” René Descartes (1596-1650)


René Descartes viveu no começo do século XVII, num período por vezes chamado de Revolução Científica, uma era de rápidos avanços nas ciências. O cientista e filósofo britânico Francis Bacon havia estabelecido um novo método para conduzir experiências científicas, baseado em observações detalhadas e raciocínio dedutivo, e suas metodologias forneceram um novo sistema para investigar o mundo. Descartes compartilhava de sua excitação e otimismo, mas por razões diferentes. Bacon considerava que as aplicações práticas das descobertas científicas eram seu objetivo e ponto principal, enquanto Descartes estava mais fascinado com o projeto de expandir o conhecimento e a compreensão do mundo.
Durante a Renascença, as pessoas tinham se tornado mais céticas acerca da ciência e da possibilidade do conhecimento genuíno em geral, e essa visão continuou a exercer influência na época de Descartes. Assim, uma grande motivação para seu "projeto de investigação pura", como sua obra ficou conhecida, foi o desejo de livrar a ciência do ceticismo perturbante.
Em Meditações sobre filosofia primeira, sua obra mais completa e rigorosa sobre metafísica (o estudo do ser e da realidade) e epistemologia (o estudo da natureza e dos limites do conhecimento), Descartes tentou demonstrar a possibilidade do conhecimento mesmo a partir das posições mais céticas e, a partir disso, estabelecer um alicerce firme para as ciências.



“É necessário que ao menos uma vez na vida você duvide, tanto quanto possível, de todas as coisas.” René Descartes

O mundo ilusório
A fim de estabelecer que suas crenças tenham estabilidade e resistência, o que considerava duas importantes marcas do conhecimento, Descartes usou a chamada "dúvida metódica", que se baseia numa reflexão que deixa de lado qualquer crença cuja verdade possa ser contestada.
O mundo que conhecemos pode ser apenas uma ilusão? Não podemos confiar em nossos sentidos como base segura para o conhecimento, porque todos já fomos "enganados" por eles uma vez ou outra. Ele dizia que talvez estivéssemos sonhando, e o mundo aparentemente real não fosse mais que um mundo de sonho. Ele percebeu que isso seria possível, pois não há indícios certos entre estar acordado ou dormindo. Mas, mesmo assim, essa situação deixaria aberta a possibilidade de que algumas verdades, como os axiomas matemáticos, podem ser conhecidas, embora não por meio dos sentidos. E até essas "verdades" podem, de fato, não ser verdadeiras, porque Deus, que é todo-poderoso, pode nos enganar até mesmo nesse nível.
Descartes imaginou que haveria um gênio poderoso e maligno capaz de enganá-lo sobre qualquer coisa. Quando se visse considerando uma opinião, ele se perguntaria: "O gênio pode estar me fazendo acreditar nisso, mesmo que seja falso?". Se a resposta fosse "sim", ele devia deixar a opinião de lado, pois é duvidosa.
Nesse ponto, aparentemente Descartes havia se colocado numa situação impossível - se tudo está sujeito a dúvida, então ele não tem qualquer base sólida sobre a qual trabalhar.


“Imagino que algum génio maligno de máximo poder e astúcia empregou todas as suas energias para me enganar.” René Descartes

A primeira certeza
Nesse ponto, Descartes compreendeu que havia uma crença da qual ele não podia duvidar: a crença na própria existência. Quando Descartes tentou aplicar o teste do génio maligno a sua crença, percebeu que o génio só podia levá-lo a acreditar que ele existe se ele, Descartes, de fato existir - como ele poderia duvidar da própria existência, se é preciso existir para ter dúvida?
O axioma "Penso, eu existo" constitui a primeira certeza de Descartes.

Exemplos da busca filosófica da verdade
A semelhança entre Neo, Morfeu e Descartes.
Descartes começa sua obra filosófica fazendo um balanço de tudo o que sabia.
Ao final, conclui que tudo quanto aprendera, tudo quanto sabia e tudo quanto conhecera pela experiência era duvidoso e incerto. Decide, então, não aceitar nenhum desses conhecimentos, a menos que pudesse provar racionalmente que eram certos e dignos de confiança.
Por exemplo, sabe-se que as pessoas que sofreram amputação de algum membro continuam sentindo frio, calor e dor nesse membro inexistente. Descartes pergunta: que motivo racionalmente válido eu teria para não supor que todo o meu corpo, que sinto perfeitamente, não é uma ilusão, como a do membro amputado (conhecido como “membro fantasma”)?
Uma ideia semelhante aparece em Matrix, quando Neo sente, apavorado, que seu corpo não existe, mas está convertido num material brilhante e viscoso, ou quando aprende lutas marciais sem se mover da cadeira onde está sentado, o que demonstra, portanto, que não é realmente seu corpo que está na luta. Será que ele possui mesmo um corpo?
Quanto à existência do mundo, Descartes oferece um argumento conhecido como "argumento do sonho”: quando sonhamos, estamos convencidos de que a realidade sonhada existe e que a conhecemos tal como é, de maneira que não há diferença entre a percepção da realidade pelo sonhador e a percepção do mundo por aquele que está desperto. Ou seja, não possuímos critérios para o sonho da vigília e, portanto, não temos nenhum critério racional para afirmar que o mundo existe ou que ele não é um sonho.
Essa ideia é apresentada em Matrix justamente por Morfeu, o deus do sono e do sonho, quando pergunta a Neo se este sabe a realidade da ilusão, pois passou a vida num mundo que não existe realmente.
No entanto, mostra Descartes, há um momento em que a dúvida se interrompe necessariamente porque o pensamento encontra, enfim, uma primeira verdade indubitável: “Eu penso!". Essa primeira verdade pode ser traduzida pelo seguinte raciocínio: eu penso, pois, se eu duvidar de que estou pensando, ainda estou pensando, visto que duvidar é uma maneira de pensar.
Quando estou duvidando, estou pensando: eu duvido significa “eu penso". E não posso duvidar de que penso. A consciência do pensamento aparece, assim, como a primeira verdade indubitável que será o alicerce para todos os conhecimentos futuros.
Descartes afirma: "Penso, logo existo”. A existência do pensamento e do sujeito pensante será, então, o ponto de partida para as outras verdades ou o alicerce para a reconstrução do edifício do saber.





Referências:

BUCKINGHAM, Will; BURNHAM, Douglas. O livro da Filosofia. São Paulo: Globo, 2011, p. 116-123.

CHAUI, Marilena. Filosofia: Novo Ensino Médio, Volume único. São Paulo: Ática, 2010, p 107-109.


Atividades
1 – Que comparações são possíveis entre a filosofia de Descartes e o filme Matrix?
2 – O que é o “argumento do sonho” de Descartes?
3 – Qual a primeira verdade indubitável encontrada por Descartes? Explique como ele chegou a ela. 

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