· Autonomia: Segundo
Kant (1724-1804), capacidade da vontade humana de se autodeterminar segundo uma
legislação moral por ela mesma estabelecida, livre de qualquer fator estranho
ou exógeno com uma influência subjugante, tal como uma paixão ou uma inclinação
afetiva incoercível
Normas da vida
Em todos os
lugares, existem sempre muitas normas, disciplinando quase tudo. Algumas são
escritas; outras nem sequer são faladas. Em geral, essas normas foram feitas a
partir da organização dos espaços, segundo a vontade de quem conduziu essa organização. A escola, por exemplo, está cheia de regras, e você pode
aproveitar esse ambiente para discutir o tema. São normas que vão do uso do
boné ao uso do banheiro; normas sobre a preservação do silêncio quando o
professor está falando, normas que proíbem a "cola" na prova, além de
muitas outras. Em casa, também, há muitas regras, como as que disciplinam o uso
da TV e do som, as que exigem respeito à limpeza do lar, as que orientam a
distribuição de tarefas e responsabilidade domésticas. Até entre os amigos deve
haver normas que possam preservar o respeito mútuo e a amizade, ou que
recomendem tratar com discrição as atitudes e os familiares deles, por exemplo.
Bem antes de
nascermos, já somos submetidos a normas, inclusive criadas longe de nossa
cidade ou nosso país. Por exemplo, aprendemos nas aulas de História que o
Estado brasileiro, de constituição tripartite, inspira-se num modelo criado na
Europa há muitos anos. É importante perceber que, embora nem sempre as regras
ajudem todas as pessoas, elas são necessárias para o convívio social e a
valorização da vida e da dignidade.
As normas
são criadas pela influência dos costumes das sociedades ou por quem detém
autoridade. Nem sempre, porém, essas leis são capazes de nos orientar em nossas
escolhas. É como se ficassem um passo atrás da nossa vida e não conseguissem
resolver todos os problemas que temos, individual e coletivamente. Às vezes,
até mesmo a obediência a uma lei ou a uma norma pode significar a perda de uma
vida, como acontece nos Estados Unidos, onde a pena de morte – vigente em
muitos Estados – autoriza a execução de
criminosos. Tal norma que pode levar a erros irremediáveis, como aconteceu, por
exemplo, em 1989, quando Carlos De Luna foi executado, não existindo até hoje
qualquer prova científica que possa ligá-lo ao crime que teria cometido,
acreditando-se em sua inocência. Mas o que fazer se não é possível corrigir o
erro?
Cada norma visa a defender um interesse. Existem normas que procuram proteger a vida
humana, enquanto outras visam a defender o lucro inescrupuloso, como acontece,
por exemplo, com o tráfico de drogas, cujas regras – não escritas – ofendem a
dignidade das pessoas, sem qualquer respeito pela vida delas e pela sociedade
em geral, muitas vezes comprando segurança aos marginais à custa de pequenos
favores à comunidade.
As
regras dentro de nós
Além
disso, há regras dentro de nós mesmos, criadas pelas nossas necessidades e
pelos nossos desejos. Temos necessidade de comer, beber, dormir, se divertir,
passear, conhecer coisas novas etc. Os desejos, em geral, partem das nossas
necessidades, mas podem extrapolá-las, criando necessidades que nem sempre são
boas. Por exemplo, temos necessidade de ter um calçado que não faça mal à saúde
dos pés e das costas, mas há quem gaste todo o dinheiro do mês em um tênis de
marca. Tudo isso extrapola a necessidade da vida, tornando-se uma necessidade
somente do desejo, o que quer dizer que o desejo pode produzir normas de
conduta pouco inteligentes ou até cruéis.
Quando
obedecemos apenas a leis ou a normas que procedem dos desejos ou da
necessidade, vivemos na heteronomia (hetero = de fora; nomia = norma),
quando as normas são produzidas em lugares diferentes da nossa razão, e é justamente, a razão que tem a capacidade de produzir normas que nos permitem
viver nossa liberdade.
A razão
e as normas
Quando
a razão procura normas para o bem das pessoas fora do lugar das decisões
individuais, chamamos a isso de política, ou seja, normas que devem ser boas
para todos. Quando a razão procura normas boas para as decisões pessoais,
chamamos a isso de ética.
Mas e o conhecimento? Qual é sua capacidade
de ajudar na criação de normas, dentro e fora de nós? Para começar a perceber
essas relações, é importante entendermos a necessidade de desenvolver nossa
inteligência, pois só assim podemos atingir o "eu penso", ou seja, nós mesmos. Entretanto, o "eu penso" é
limitado, porque a razão é limitada. Ela não entende todas as coisas que
experimentamos, independentemente de termos de tomar decisões sobre elas. Além
disso, se temos desejos que nos fazem sofrer e paixões que nem sempre sabemos controlar, onde a razão vai encontrar a solução?
A
autonomia
Relembrando
a biografia de Immanuel Kant, podemos dizer que ele sabia que a razão pura, dotada
só de ideias e categorias, é limitada. Por isso, existe a razão prática, que
procede da experiência e cria normas para nós mesmos, sendo capaz de criar
regras para as situações da vida que envolvam sentimentos, desejos e outras
pessoas.
Quando a razão cria normas pensando a partir de nós mesmos, em nossas necessidades, desejos e todos os seus limites,
chamamos a isso de autonomia, que é a capacidade de criar e obedecer as regras
que inventamos para nós mesmos (auto = para si; nomia = norma).
Mas
como criar normas para nós mesmos que sejam justas? A resposta pode ser
simplificada da seguinte forma: precisamos encontrar os imperativos, que
nada mais são do que normas sem conteúdo, que servem para o indivíduo e para
todo mundo. A regra é simples: o que é justo para mim deve ser justo para
todos. Existem dois tipos de imperativos, a saber, os imperativos hipotéticos,
que organizam nossa vontade para conseguir objetivos, e os imperativos categóricos,
que produzem o bem por meio da ideia de dever.
· Imperativo: no kantismo,
sentença com forma de ordem ou mandamento, uma exortação veemente que cada
espírito racional propõe a si próprio, tendo como objetivo a consecução de um
fim prático.
Para a
Reflexão
1. Destino e determinismo
2. Liberdade
Pensar sobre o destino pode ser problematizado com perguntas sobre nossa liberdade:
· Temos liberdade para agir sempre de acordo com o bem? O nosso bem e o bem do outro?
· Quais são os limites para a nossa liberdade?
A liberdade como
questão filosófica
Necessidade
é o
termo empregado para referir-se ao todo da realidade, existente em si e por si,
que age sem nós e nos insere em sua rede de causas e efeitos, condições e
consequências.
Fatalidade
é o
termo usado quando pensamos em forças transcendentes superiores às nossas e que
nos governam, quer o queiramos, quer não.
Determinismo
é o
termo empregado, a partir do século XIX, para referir-se às relações causais necessárias que regem a realidade conhecida e controlada pela ciência e, no
caso da ética, para referir-se ao ser humano como objeto das ciências naturais
(química e biologia) e das ciências humanas (sociologia e psicologia),
portanto, como completamente determinado pelas leis e causas que condicionam
seus pensamentos, sentimentos e ações, tornando a liberdade ilusória.
O par
contingência-liberdade também pode ser formulado
pela oposição acaso-liberdade. Contingência (o que pode ou não ocorrer) ou
acaso significam que a realidade é imprevisível e mutável, impossibilitando
deliberação e decisão racionais, definidoras da liberdade. Num mundo onde tudo acontece por acidente, somos como um frágil barquinho perdido num mar
tempestuoso, levado em todas as direções, ao sabor das vagas e dos ventos.
· Contingência: caráter do que ocorre de maneira eventual, circunstancial, sem necessidade, pois poderia ter acontecido de maneira diferente ou simplesmente não ter se efetuado
SØren Kierkegaard queria refutar a ideia de sistema filosófico completo de Hegel (que definia a
humanidade como parte de um desenvolvimento histórico inevitável) por meio da defesa de uma abordagem
mais subjetiva. Ele desejava investigar o que "significa ser um ser humano"
não como parte de um grande sistema filosófico, mas como indivíduo autônomo.
Kierkegaard acreditava que
nossas vidas são determinadas por ações, que são elas
próprias determinadas por escolhas, e o modo de fazer essas escolhas é crucial. Como Hegel, ele considerava as decisões morais
como uma escolha entre o hedonístico (que gratifica a si mesmo, através da dedicação ao prazer dos sentidos) e o ético. Mas, enquanto Hegel julgou que essa escolha
era determinada em grande parte por condições históricas e pelo ambiente da
época, Kierkegaard disse que as escolhas morais são livres e, acima de tudo,
subjetivas (que pertence ao sujeito pensante e a
seu íntimo). É exclusivamente nossa vontade que
determina nosso julgamento, ele dizia. No entanto, longe de ser uma razão para
a felicidade, a liberdade total de escolha nos provoca um sentimento de
angústia ou apreensão – um
desconforto ao perceber que somos responsáveis pelas consequências e obrigados
a tomar decisões que não conhecemos o resultado.
Kierkegaard
explicou esse sentimento em O conceito de angústia. Como exemplo, ele citou um homem no alto de um penhasco
ou edifício. Se esse homem olha para baixo, sente dois tipos de medo: o medo de
cair e o medo causado pelo impulso de lançar-se no vazio. Esse segundo tipo de
medo, ou angústia, surge a partir da compreensão de que ele tem liberdade
absoluta para escolher se pula ou não, e esse medo é tão atordoante quanto sua
vertigem. Kierkegaard sugeriu que sentimos a mesma angústia em todas as
nossas escolhas morais, quando compreendemos que temos a liberdade de tomar até as mais terríveis decisões. Tal
angústia aumenta nossa consciência e senso de
responsabilidade pessoal.
O pai do existencialismo
Sua
insistência na importância da liberdade de escolha
e em nossa contínua busca por significado e propósito forneceria a estrutura
para o existencialismo. Essa filosofia desenvolvida por Friedrich Nietzsche e
Martin Heidegger foi, mais tarde, completamente definida por Jean-Paul Sartre. Ela explora as formas nas quais podemos viver com significado num universo sem
deus, onde cada ato é uma escolha, exceto o ato do nosso próprio nascimento. Diferentemente de outros
pensadores posteriores, Kierkegaard não abandonou a fé em Deus, mas foi o
primeiro a reconhecer a percepção da autoconsciência e a "vertigem"
ou medo, da liberdade absoluta.
As concepções de Aristóteles
e de Sartre
Diz
Aristóteles que é livre aquele que tem em si mesmo
o princípio para agir ou não agir. A liberdade é concebida como o poder pleno e
incondicional da vontade para determinar a si mesma, isto é, para
autodeterminar-se. Trata-se da espontaneidade plena do agente.
Na concepção aristotélica, a liberdade é o
princípio para escolher entre alternativas possíveis, realizando-se como
decisão e ato voluntário.
Contrariamente
ao necessário ou à necessidade e à contingência, sob
as quais o agente sofre a ação de uma causa externa que o obriga a agir de uma
determinada maneira. A vontade livre é determinada pela razão ou pela
inteligência e, nesse caso, seria preciso admitir que não é causa de si ou
incondicionada, mas que é causada pelo raciocínio ou pelo pensamento.
Jean-Paul Sartre levou essa concepção ao ponto limite. Para
ele, a liberdade é a
escolha incondicional que o próprio homem faz de seu ser e de seu mundo.
· Incondicional: que não depende
de, não está sujeito a qualquer tipo de condição, restrição ou limitação;
incondicionado
Em
outros termos, conformar-se ou resignar-se é uma
decisão livre, tanto quanto não se resignar nem se conformar, lutando contra as
circunstâncias. Quando dizemos que não podemos fazer alguma coisa porque
estamos fatigados, a fadiga é uma decisão nossa, tanto assim que uma outra
pessoa, nas mesmas circunstâncias, poderia decidir não se sentir cansada e
agir.
· Resignar:
renunciar voluntariamente
Por
isso, Sartre faz uma afirmação
aparentemente paradoxal, dizendo que "estamos condenados à liberdade".
Qual o paradoxo? Identificar liberdade e condenação, isto é, dois termos
incompatíveis, pois é livre quem não está condenado.
· Paradoxo: pensamento, proposição ou argumento que
contraria os princípios básicos e gerais que costumam orientar o pensamento
humano
Liberdade:
uma
condenação
Dostoievski
escreveu: "Se Deus não existisse, tudo seria permitido" Aí
se situa o ponto de partida do existencialismo. Com efeito, tudo é
permitido se Deus não existe, fica o homem, por conseguinte,
abandonado, já que não se encontra em
si, nem fora de si, uma possibilidade a que se apegue. Antes de mais nada, não
há
desculpas para ele. Se, com efeito, a existência precede a
essência,
não
será nunca
possível
referir uma explicação a uma natureza humana dada e imutável;
por outras palavras, não há determinismo, o
homem é
livre, o homem é liberdade. Se, por outro lado, Deus não
existe, não encontramos diante de nós
valores ou imposições que nos legitimem o comportamento.
Assim, não temos nem atrás
de nós,
nem diante de nós, no domínio luminosa dos
valores, justificações ou desculpas. Estamos sós
e sem desculpas. É o que traduzirei dizendo que o homem está
condenado a ser livre. Condenado, porque não se criou a si
próprio;
e no entanto livre, porque uma vez lançado ao mundo é
responsável
por tudo quanta fizer. O existencialista não crê
na força
da paixão.
Não
pensará nunca
que uma bela paixão é uma torrente
devastadora que conduz fatalmente o homem a certos atos e que, por
conseguinte, tal paixão é uma desculpa.
Pensa, sim, que o homem é responsável por essa
paixão.
O existencialista não pensará também
que o homem pode encontrar auxílio num sinal dado sobre a terra, e que o há
de orientar; porque pensa que o homem decifra ele mesmo esse sinal como lhe
aprouver. Pensa portanto que o homem, sem qualquer apoio e sem qualquer auxílio,
está
condenado a cada instante a inventar o homem.
SARTRE.
Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo.
Tradução
de Vergílio
Ferreira. São Paulo. Abril, 1973. p.15-16. (Coleção
Os pensadores).
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A filósofa francesa Simone de Beauvoir escreveu em O segundo sexo que, ao longo da história, o padrão de medida do que entendemos como humano – tanto na filosofia quanto na sociedade em geral – passa por uma visão peculiarmente masculina.
Beauvoir
dizia que o Eu do conhecimento filosófico
é masculino por falta de oposição, e seu par binário, o feminino, é, portanto,
algo além, que ela chama de Outro. O Eu é ativo e consciente, enquanto o Outro
é tudo o que o Eu rejeita: passivo, sem voz e sem poder.
Feminismo existencial
Simone de Beauvoir foi também uma existencialista, acreditando que nascemos sem objetivo e que devemos criar uma existência autêntica para nós mesmos, escolhendo o que queremos nos tornar. Ao aplicar essa ideia à noção de "mulher" ela demandou a separação do ente biológico (a forma corporal com a qual nascem as mulheres) da feminilidade (que é uma construção social). Já que qualquer construção é aberta a mudança e interpretação, isso significa que existem várias maneiras de "ser mulher": há lugar para escolha existencial. "Ninguém nasce mulher, torna-se mulher".
Beauvoir
disse que as mulheres devem se libertar tanto da ideia de que devem ser como os homens quanto da
passividade que a sociedade lhes atribuiu. Viver uma existência verdadeiramente
autêntica traz mais riscos do que aceitar um papel transmitido pela sociedade,
mas é o único caminho para a igualdade e a liberdade.
A
concepção
ética que une necessidade e liberdade
A
segunda concepção da liberdade foi, inicialmente, desenvolvida por uma escola de filosofia do período helenístico,
o estoicismo. Nela
é conservada a ideia aristotélica de que a liberdade é a autodeterminação,
assim como é conservada a ideia de que é livre aquele que age sem ser forçado
nem constrangido por nada ou por ninguém e, portanto, age impulsionado
espontaneamente por uma força interna própria.
A necessidade é a maneira pela qual a
liberdade do todo se manifesta. Em outras palavras, a totalidade é livre porque
se põe a si mesma na existência e define por si mesma as leis e as regras de
sua atividade. Liberdade não é escolher e deliberar, mas agir ou fazer alguma
coisa em conformidade com a natureza do agente que, no caso, é o todo.
Liberdade para
escolher e para fazer
O que é, então, a liberdade humana enquanto o homem
é uma parte constituída pelo todo e que age no interior do todo?
São duas as respostas a essa questão:
1. a primeira (dada pelos estoicos e por Hegel)
afirma que o todo é
racional e que suas partes também o são, sendo livres quando agirem em
conformidade com as leis do todo, para o bem da totalidade;
2. a segunda (dada por Espinosa) afirma que as
partes são de mesma essência que o todo e, portanto,
são racionais e livres como ele, dotadas de força interior para agir por si
mesmas, de sorte que a liberdade é tomar parte ativa na atividade do todo.
Para
os estoicos, o homem livre é
aquele cuja razão conhece a necessidade natural e a necessidade de sua própria
natureza e tem força para guiar e dirigir a vontade para que esta exerça um
poder absoluto sobre a irracionalidade dos instintos e impulsos, isto é, sobre
as paixões. Ser livre é agir conforme à natureza — seguindo suas leis
necessárias — e conforme à natureza do agente — seguindo uma vontade pessoal poderosa dirigida pela razão.
Para Espinosa, o homem livre é aquele que age
como causa interna, completa e total de sua ação. Esta não provém de uma escolha
voluntária e sim do desenvolvimento espontâneo da essência ou natureza racional do agente. Em outras palavras, assim como o todo age livremente pela necessidade de sua essência, assim também o indivíduo livre age por necessidade
de sua própria essência.
Somos livres quando o que somos, o que sentimos,
o que fazemos e o que pensamos exprime nossa força interna para existir e agir.
Dessa
maneira, Espinosa não
aceita a ideia estoica da liberdade como poderio ou império da vontade sobre as
paixões. Diz ele, não somos livres porque nossa vontade domina nossas paixões,
mas é porque somos livres que nossa razão é um afeto alegre mais forte do que
os afetos nascidos das paixões.
Para Hegel, o homem livre é uma figura que aparece na história e na cultura sob duas formas principais. Na primeira, a liberdade
humana coincide com o surgimento da cultura, ou seja, é livre o homem que não
se deixa dominar pela força da natureza e que a vence, dobrando-a à sua vontade
por meio do trabalho, da linguagem e das artes.
Sob
essa primeira forma, podemos notar que a liberdade, embora possa exprimir-se
nos indivíduos, refere-se muito mais a uma atitude do
homem universalmente considerado, ou, se se quiser, não como indivíduo, mas
como vitória da cultura sobre a natureza.
Em sua
outra forma, o homem livre como indivíduo
livre faz sua aparição na história em dois momentos sucessivos nos quais o segundo momento depende do primeiro. O primeiro momento é o do surgimento do homem cristão ou
o surgimento da interioridade cristã, que descobre a consciência como consciência de si; o
segundo momento, decorrente do desenvolvimento interno do cristianismo, é o do surgimento da individualidade racional moderna ou do indivíduo como
consciência de si reflexiva, isto é, como razão e vontade independentes da
natureza ou da necessidade natural e independente da coação de autoridades
externas na definição de seu pensamento e de sua vontade.
Punir e Vigiar
A sujeição - um
pequeno texto que elaboramos a partir da obra Vigiar e punir de Michel
Foucault.
Durante a era moderna, o corpo se tornou alvo de dois tipos
de pesquisas e escritas. Uma forma anatômica e metafísica, dos filósofos e dos
médicos, e uma forma técnica e política, que estava presente nos regulamentos
de instituições e de formas de condutas disciplinadoras, como, por exemplo, no
exército, no hospital e na família.
Para a forma de escrita sobre o corpo anátomo-metafísica
dizia e se investigava as funções do corpo, cada órgão, cada detalhe, e se
procurava entendê-lo em um conjunto moral – todas as questões orbitavam as
funções. Por exemplo: olho, o que é? Para que serve? Como funciona? Qual a sua
função biológica e moral?
Para a forma de escrita sobre o corpo técnica-política o que
se dizia apontava como torná-lo apto para um ideal de vida social. Por isso,
estas técnicas informavam como fazer com que uma pessoa fosse capaz de produzir
algo, como por exemplo, como um trabalhador pode conseguir mais de seu trabalho
e em menos tempo, como acalmar uma pessoa considerada louca, como impedir que
as crianças utilizassem indevidamente os órgãos genitais, como impedir que os
soldados ficassem “molengas”, e muitos outros.
Estes conhecimentos sobre o corpo faziam com que cada vez
mais as pessoas procurassem viver de forma a corresponder a eles. Assim, logo
se descobriu que o que se faz com o corpo, se faz com a subjetividade das
pessoas. Se alguém é treinado para ser soldado, logo ele pensará com os ideais
de um soldado, terá emoções de soldado, ou seja, estará moldado por dentro e
por fora para ser um soldado. O que se diria então dos esportistas, dos
religiosos, dos alunos, dos trabalhadores? A modernidade a partir do corpo
aprendeu a moldar as pessoas por completo, não apenas por teoria, mas
sobretudo, por meio de técnicas.
Comentário
Esse excerto traz uma das ideias centrais de Foucault, a
qual diz respeito à invenção do sujeito moderno, do indivíduo moderno. Para
este filósofo, a maneira como nos vemos não procede de nossa natureza, nem de
uma essência pessoal; ela vem de fora, de práticas que criam sujeitos – a
sujeição. Nós nos constituímos não apenas por palavras, mas por ações fundidas
a palavras, que, de modo geral, vêm ditadas pela sociedade, ou melhor pelas
instituições.
Para Foucault, nós não somos fruto de teorias, somos fruto
de práticas, ainda que algumas teorias nos influenciem. Por exemplo, seria
possível existir um dançarino que nunca dançou ou um pintor que nada pinta? A
resposta seria que são nossas práticas que nos constituem, e não a natureza.
Mas de quais práticas estaria falando o filósofo? De onde
elas vieram? Foucault fala das práticas disciplinares que vieram das
instituições modernas, principalmente a partir do século XVIII, como as
prisões, os hospitais, os quartéis, as fábricas e as escolas; sim, as escolas
etc.
A
distribuição
A primeira atividade que as autoridades modernas deram ao
corpo para discipliná-lo foi a distribuição. Para controlar um
indivíduo, é importante colocá-lo em um lugar escolhido por nós. Mas como seria
possível distribuir pessoas de uma cidade ou de uma sociedade inteira?
· Primeiro,
construindo cercas ou muros, como nos quartéis e nas escolas. Dessa maneira, os
soldados e os alunos ficam separados das pessoas, não causando problemas.
· A
segunda prática de distribuição consiste em separar os grupos e fazer com que
cada um encontre um lugar no espaço. Por exemplo, cada trabalhador no seu
setor, cada doente no seu quarto, cada aluno em sua carteira etc.
· A
terceira prática de distribuição configurasse em dar aos indivíduos um lugar
funcional: não basta separar, é preciso que estejam em um lugar em que possam
ser vigiados, evitando comunicações indevidas ou reunindo forças contra quem os
controla.
· Enfim,
toda a separação tem o ideal da fila, o que quer dizer que as pessoas são separadas
segundo uma hierarquia. Por exemplo, as séries e as classes na escola são
separadas por hierarquias de idade, rendimento do aluno, e são formadas segundo
a atenção dada à disciplina.
O
controle do tempo
Outra
forma de transformar os indivíduos por meio dos corpos consiste em controlar o
seu tempo.
· Primeiro,
pelos horários: hora para chegar, descansar, sair, trabalhar, dormir,
acordar, tomar o remédio.
· Segundo,
marcando o tempo de sua ação; por exemplo, a marcha dos soldados, a
velocidade para apertar um parafuso na fábrica, em atender um telefone ou outra
atividade.
· Terceiro,
disciplinar o corpo inteiro, para sempre fazer bem-feito tudo.
· Quarto,
adaptar o corpo aos objetos que se manipulam; por exemplo, caso fosse
preciso ficar muito tempo em pé, seria necessário disciplinar as pernas e
controlar os gestos, para que elas consigam executar as tarefas.
· Enfim,
utilizar bem o tempo, até a exaustão.
O
controle das gêneses
Para conseguir criar o indivíduo desejado, também foi preciso controlar a forma de sua subordinação à disciplina. Para isso:
· Separaram-se
os aprendizes dos veteranos.
· Segundo
as necessidades de exercícios, foram separados aqueles que precisavam melhorar
o desempenho nesta ou naquela ação ou atividade, exercitando-os até que alcançassem
o máximo rendimento. Como em uma academia de musculação, aquele que precisa
trabalhar os braços, por exemplo, foi direcionado a isso, assim como no
exército, em que aquele que precisa melhorar a pontaria é separado e exercitado
para isso.
· Criaram-se
testes para medir a habilidade de cada indivíduo e encerrar o processo.
· Para
cada um é dada uma série de atividades, conforme sua idade, conhecimento e
habilidade, até alcançar o objetivo final.
Recursos
de um bom adestramento
Para conseguir um bom adestramento, foi preciso lançar mão
de alguns recursos e procedimentos:
· Vigilância
– é preciso que alguém fique observando a atividade, o corpo, o uso do tempo.
Dessa maneira, será possível corrigir ou punir.
· A
sanção normalizadora – em cada instituição, há maneiras de punir as pessoas que
não cumprem seus deveres, o que ocorre na família, na escola, na fábrica ou no
exército. Essa punição pode vir dos próprios integrantes da instituição (os
familiares, por exemplo) ou das autoridades.
· O
exame – ao saberem que vão ser submetidos a um teste, prova ou observação de
uma autoridade, os indivíduos se autovigiam e se autopunem, colocando os
objetivos das instituições dentro de si. Como? Vejamos o exemplo das provas na
escola. Para se sair bem na prova de Matemática, o aluno terá de estudar.
Estudar é uma atividade nem sempre agradável. Para realizar essa
atividade nem sempre agradável, o aluno terá de se vigiar, dizendo a si mesmo: será
que estou estudando o suficiente? Caso não esteja estudando, ele pode
submeter-se a uma autopunição, por exemplo, já que não estudou durante a tarde,
não assistirá ao filme da noite para poder fazê-lo.
· Os
exames escolares produzem uma documentação que, ao final, compõe um histórico
de cada pessoa. Por exemplo, tanto na escola como no hospital ou na fábrica,
cada indivíduo tem uma ficha onde são registrados seus dados e guardados a
documentação. Dessa maneira, é possível saber quantas vezes o aluno foi
reprovado, se é ou não disciplinado, em quais matérias apresenta maior ou menor
dificuldade, se foi punido e as razões de sua punição etc. Do mesmo modo, na
fábrica, quantas vezes o operário chegou atrasado, quantas faltas já teve,
quais suas condições de saúde, quantos e quais foram os acidentes sofridos etc.
Enfim, cada um se torna um caso que requer determinado tratamento.
Para Foucault, os indivíduos não nascem prontos, não têm essência ou natureza; eles são criados pelas atividades que desenvolvem com o
seu corpo. Para esse filósofo, somos corpo e nada mais. O que fazemos com o
corpo é o que nos define, e não apenas o que é dito sobre nós mesmos. E ninguém
nasce livre, apesar de essa frase parecer bonita; nossa liberdade é uma
conquista que fazemos não com palavras, mas com práticas.
As ideias/conceitos, a distribuição, o controle do tempo, o
controle das gêneses e recursos de um bom adestramento, foram melhor
trabalhadas na obra de Foucault, Vigiar e punir.
Refletir
e pesquisar
O trabalhador é vigiado pelo gerente, desde o lugar onde
está até o que está fazendo e em quanto tempo. Conforme o tempo passa, o
trabalhador vai assumindo, mesmo sem perceber, ideias da ação do seu próprio
corpo. Até chegar a hora em que vai acabar acreditando que aquele tipo de vida
é ideal. Desse modo, como a fábrica é pensada racionalmente, o trabalhador vai
levar para sua vida pessoal essa racionalidade, tanto na ordenação do espaço
como na ocupação do tempo.
Vida e morte
Como disse um filósofo, as
coisas aparecem e desaparecem, os animais começam e acabam, somente o ser
humano vive e morre, isto é, existe.
Os filósofos estoicos propunham
que somente após a morte, quando terminam as vicissitudes (sucessão de mudanças ou de
alternâncias) da vida, podemos afirmar que alguém foi feliz
ou infeliz. "Quem não souber morrer bem terá vivido mal", afirmou o
estoico Sêneca. Enquanto vivos, somos tempo e mudança, estamos sendo.
Morrer é um ato solitário.
Morre-se só: a essência da morte é a solidão. O morto parte sozinho; os vivos ficam sozinhos ao perdê-lo. Resta saudade e recordação.
Os vivos estão entrelaçados: estamos
com os outros e eles estão conosco, somos para os outros e eles são para nós.
O eu e o outro
A ética é o mundo das relações intersubjetivas, isto é, entre o eu e
o outro como sujeitos e pessoas, portanto, como seres conscientes, livres e responsáveis. Nenhuma experiência evidencia tanto a dimensão essencialmente
intersubjetiva da vida e da vida ética quanto a do diálogo.
Porque a vida é
intersubjetividade corporal e psíquica, e porque a vida ética é reciprocidade
entre sujeitos, tantos filósofos deram à amizade o lugar de virtude
proeminente, expressão do mais alto ideal de justiça.
Assim também Espinosa afirma que o
ser humano é mais livre na companhia dos outros do que na solidão e que
"somente os seres humanos livres são gratos e reconhecidos uns aos
outros", porque os sujeitos livres são aqueles que "nunca agem com
fraude, mas sempre de boa-fé"
FILME:
Efeito Borboleta
Sinopse: Evan é um rapaz que teve certos problemas de memória quando
garoto. Já crescido, ele descobre uma capacidade de poder viajar pelo tempo
através desses buracos em suas lembranças. Ele utiliza desse poder para poder
ficar com a garota dos seus sonhos, porém, isso o insere em um ciclo que, a
cada vez que ele utiliza esse poder, algo de muito ruim acontece a alguém
querido de sua vida. Evan tenta então, voltando sempre no tempo, salvar as
pessoas, mas por mais que se esforce, alguém sempre vai sair perdendo.
Referências:
CHAUI, Marilena. Filosofia: Novo Ensino Médio, Volume único. São Paulo: Ática, 2010, p. 228-236.
BUCKINGHAM, Will; BURNHAM, Douglas. O livro da Filosofia. São Paulo: Globo, 2011, p. 194-195 e p. 276-277.