quinta-feira, 10 de julho de 2014

A RELIGIÃO



A religiosidade

Po­demos dizer que a religião é a atividade cultural mais antiga e que existe em todas as culturas. Por quê?

Porque descobrimos que somos humanos quando temos a experiência de que somos conscientes das coisas, dos outros e de nós mesmos.
De fato, desde muito cedo os seres humanos percebem regularidades na natureza e sabem que não são a causa delas; percebem também que há na natureza coisas boas e ameaçadoras e reconhecem que também não são os criadores delas. A percepção da realidade exterior como algo independente da ação humana nos conduz à crença em poderes superes ao humano e à busca de meios para nos comunicar com eles. Nasce, assim, a crença na(s) divindade(s).

O sagrado

O sagrado é a experiência da presença de uma potência sobrenatural que habita algum ser – planta, animal, humano, coisas, ventos, águas, fogo.

A sacralidade introduz uma ruptura entre natural e sobrenatural, mesmo que os seres sagrados sejam na­turais: é sobrenatural a força ou potência para realizar aquilo que os humanos julgam impossível contando apenas com as forças e capacidades humanas. Assim, por exemplo, em quase todas as culturas, um guerreiro cuja força, destreza e invencibilidade são espantosas é considerado habitado por uma potência sagrada. Um animal feroz, astuto, veloz e invencível também é assim considerado. Por sua forma e ação misteriosas, benévolas e malévolas, o fogo é um dos principais entes sagra­dos. Em regiões desérticas, a sacralização concentra-se nas águas, raras e necessárias.
Sagrado é, pois, a qualidade excepcional que um ser possui e que o separa e distingue de todos os outros, embora, em muitas culturas, todos os seres possuam algo sagrado pelo que se diferenciam uns dos outros. O sagrado pode suscitar devoção e amor, repulsa e ódio. Esses sentimentos suscitam um outro: o respeito feito de temor. Nascem, aqui, o sentimento religioso e a experiência da religião.

A religião

A religião é um vínculo. Quais as partes vinculadas? O mundo profano e o mundo sagrado, isto é, a natureza e as divindades que habitam a natureza.

religião: Palavra vinda do latim religio, formada pelo prefixo ré ("ou­tra vez, de novo") e o verbo Ligare ("ligar, unir, vincular").


A religião como narrativa da origem

A narrativa sagrada é a história sagrada, que os gre­gos chamavam de mito. Este não é uma fabulação ilu­sória, uma fantasia sem consciência, mas a maneira pela qual uma sociedade narra para si mesma o seu começo e o de toda a realidade. Só tardiamente, quando surgiu a filosofia e, depois dela, a teologia, a razão exigi­ria que os deuses não fossem apenas imortais, mas também eternos, sem começo e sem fim. Antes, porém, da filosofia e da teologia, a religião narrava teogonias (do grego theos, "deus"; gonia, "geração"), isto é, a geração ou o nascimento dos deuses, semideuses e heróis.

A história sagrada ou mito narra como e por que a ordem do mundo existe e como e por que foi doada aos humanos pelos deuses. Assim, além de ser uma teogonia, a história sagrada é uma cosmogonia (do grego kósmos, "mundo", e gonia, "geração"): narra o nascimento, a finalidade e o perecimento de todos os seres sob a ação dos deuses.

Embora a narrativa sagrada seja uma explicação para a ordem natural e humana, ela não se dirige ao intelecto dos crentes, mas ao coração deles. Desperta emoções e sentimentos – admiração, espanto, medo, esperança, amor, ódio.

Porque se dirige às paixões do crente, a religião lhe pede uma só coisa: fé, ou seja, a confiança, adesão plena ao que lhe é manifestado como ação da divindade. A tentativa para transformar a religião em saber racional chama-se teologia.


Ritos

O rito é o conjunto de cerimônias em que gestos, palavras, objetos, pessoas e emoções determinados adquirem o poder misterioso de presentificar o laço entre os humanos e a divindade. Para agradecer dons e benefícios, suplicar novos dons e benefícios, lembrar a bondade dos deuses ou exorcizar sua cólera, as cerimônias ritualísticas são de grande variedade.

Atos, gestos, palavras, objetos devem ser sempre os mesmos, porque foram, na primeira vez, consagrados pelo próprio deus. O rito é a rememoração perene do que aconteceu numa primeira vez e que volta a acontecer, graças ao ritual que abole a distância entre o passado e o presente.


Os objetos simbólicos

A religião não sacraliza apenas o espaço e o tem­po, mas também seres e objetos do mundo, que se tornam símbolos de algum fato religioso.

Os seres e objetos simbólicos são retirados de seu lugar costumeiro, assumindo um sentido novo para toda a comunidade – protetor, perseguidor, benfeitor, ameaçador. Sobre esse ser ou objeto recai a noção de tabu.

tabu: Palavra polinésia que significa "intocável": algo que não pode ser tocado nem manipulado por ninguém que não esteja religiosamente autorizado para isso.


Manifestação e revelação

Há religiões em que os deuses se manifestam: sur­gem diante dos humanos em beleza, esplendor, per­feição e poder e os levam a ver uma outra realidade, escondida sob a realidade cotidiana, levando um humano ao seu mundo, desvenda-lhe a verdade e o ilumina com sua luz.

Há religiões em que o deus revela verdades aos humanos sem fazê-los sair de seu mundo. Podem ter sonhos e visões, mas o fundamental é ouvir o que a divindade lhes diz.


A lei divina


A vontade divina pode tornar-se parcialmente conhecida dos humanos na forma de leis: decretos, mandamentos, ordenamentos, comandos emanados da divindade.

Há religiões, porém, em que os deuses manifestam sua lei diretamente, sem recorrer a intermediários. São religiões da iluminação individual e do êxtase místico, como é o caso da maioria das religiões orientais, que exigem, para a iluminação e o êxtase, uma educação especial do intelecto e da vontade dos adeptos.

Frequentemente, profetas e videntes entram em transe para receber a revelação, mas a recebem não porque tenham sido educados para isso, e sim porque a divindade os escolheu para manifestar-se neles.

A vida apôs a morte

O sentimento religioso e a experiência da religião são inseparáveis da percepção de nossa mortalidade e da crença em nossa imortalidade. Toda religião, portanto, explica não só a origem da ordem do mundo natural, mas também a dos seres humanos e lhes ensina por que são mortais e o que podem ou devem esperar após a morte.


O bem e o mal


As religiões ordenam a realidade segundo dois princípios fundamentais: o bem e o mal (ou a luz e a treva, o puro e o impuro).

Nesse aspecto, há três tipos de religiões: as politeístas, nas quais há inúmeros deuses, alguns bons, outros maus, ou até mesmo deuses que podem ser ora bons, ora maus; as dualistas, em que a dualidade do bem e do mal está encarnada e figurada em duas divindades antagônicas que não cessam de comba­ter-se; e as monoteístas, em que o mesmo deus é tan­to bom quanto mau, ou, como no caso do judaísmo, do cristianismo e do islamismo, a divindade é o bem, e o mal provém de entidades demoníacas, inferiores à divindade e em luta contra ela.


Religião no dicionário filosófico


As diferentes definições até hoje feitas de religião podem ser classificadas com base nos dois problemas fundamentais a que correspondem, a saber: I. Com base no problema da origem da religião, que na realidade é o problema do tipo de validade da religião; II. Com base no problema da função atribuída à religião, ou seja, o caráter específico da garantia que ela oferece à salvação do homem.

Como acontece também em outros casos, o problema da origem consiste na realidade em saber que tipo de validade se pretende atribuir à religião. É possível distinguir três soluções para este problema, a saber: I. a doutrina da origem divina da religião; II. a doutrina da origem política; III. a doutrina da origem humana da religião.

 I. A doutrina da origem divina expressa o reconhecimento do valor absoluto (ou infinito) da religião. É óbvio que a pretensão de ter origem divina ou sobrenatural é intrínseca em qualquer religião, já que todas elas afirmam ter como fundamento uma revelação originária que garante sua verdade ou consideram as crenças e as instituições com que se identificam continuamente confirmadas por testemunhos sobrenaturais, o que é o mesmo. Portanto, do ponto de vista da filosofia, o reconhecimento da origem divina ou do valor absoluto da religião concretizasse na tese de que a religião é revelação.

II. A doutrina da origem política reduz a religião a um estratagema político: portanto, anula seu valor intrínseco. O primeiro a defender essa teoria foi Crítias, um dos trinta tiranos de Atenas. Segundo ele, "os antigos legisladores inventaram a divindade como uma espécie de inspetor das ações humanas, boas ou más, a fim de que ninguém ofendesse ou traísse seu próximo, por medo da vingança dos deuses".

III. A doutrina da origem humana considera a religião como formação humana, cujas raízes estão na situação do homem no mundo. Hobbes foi o primeiro a atribuir-lhe origem prática; Hobbes afirmava que a principal causa do aparecimento da religião é o temor que nasce da incerteza do futuro: "Por ser inegável que existem causas para todas as coisas que existem ou existirão, é impossível, para o homem que tenta prevenir-se contra os males que teme e obter os bens que deseja, deixar de viver em contínua preocupação com o porvir, de tal maneira que todos os homens, sobretudo os mais previdentes, vivem num estado semelhante ao de Prometeu." É desse estado de temor, bem como da esperança de garantir os bens de que necessita e do desejo de atingir um conhecimento completo do mundo, que, segundo Hobbes, nasce a religião. Doutrina análoga, mas exposta de maneira mais pormenorizada, foi reapresentada por Hume. A religião não surge da contemplação, mas do interesse do homem pelos acontecimentos da vida e, portanto, das esperanças e dos temores incessantes que o agitam. Suspenso entre a vida e morte, entre a saúde e a doença, entre a abundância e a privação, o homem atribui a causas secretas e desconhecidas, os bens de que frui e os males pelos quais é continuamente ameaçado. Voltaire expunha da seguinte maneira esse mesmo conceito: "É natural que um povo, assustado com o trovão, afligido pela perda de suas colheitas, maltratado pelo povo vizinho, sentindo todos os dias a sua fraqueza, sentindo por todos os lados um poder invisível, tenha finalmente dito: 'Há algum ser superior a nós que nos faz bem e mal'".


Algumas Filosofias orientais se tornaram religiões


Pensadores era toda a Ásia também questionavam a sabedoria convencional. A revolução política na China de 771 a 481 a.C. levou a um conjunto de filosofias que estavam menos preocupadas com a natureza do universo do que com a melhor forma de organizar uma sociedade justa, fornecendo diretrizes morais para os indivíduos – e, durante o processo, investigando o que constitui uma vida "virtuosa". As chamadas "Cem Escolas de Pensamento" floresceram nesse período, e as mais significativas entre elas foram o confucionismo e o taoísmo – ambas continuaram a dominar a filosofia chinesa até o século XX.

No sul da China, surgiu um filósofo igualmente influente; Sidarta Gautama, conhecido depois como Buda. A partir de seus ensinamentos na índia setentrional, por volta de 500 a.C., sua filosofia espalhou-se pelo subcontinente e por grande parte da Ásia meridional, onde ainda hoje é amplamente praticada.


LAO – TSÉ



No século VI a.C., a China avançou para um estado de guerra interna quando o governo da dinastia Chou desintegrou-se. Essa mudança criou, dentro das cortes, uma nova classe social de administradores e magistrados, encarregados de planejar estratégias para governar de maneira mais eficaz. O amplo conjunto de ideias criadas por esses funcionários tornou-se conhecido como as Cem Escolas de Pensamento.

Isso coincidiu com o surgimento da filosofia na Grécia, com a qual se partilhou de algumas preocupações, como buscar estabilidade num mundo em constante mudança e alternativas ao que anteriormente fora determinado pela religião. Mas a filosofia chinesa evoluiu a partir da prática política e, portanto, estava preocupada com moralidade e ética, em vez da natureza do cosmos.

          Uma das ideias mais importantes dessa época veio do Tão Te Ching (O livro do caminho e da virtude), atribuído a Lao-Tsé. Foi uma das primeiras tentativas de propor uma teoria de governo justo, baseada no te (virtude), que poderia ser encontrado ao seguir o tao (caminho). É a base da filosofia conhecida como taoismo.

Ciclos de mudança

A fim de entender o conceito de tao é necessário saber como os antigos chineses viam o mundo em mutação. Para eles, as mudanças são cíclicas, movendo-se continuamente de um estado para outro da noite para o dia, do verão para o inverno, e assim por diante. Os diferentes estados não eram considerados opostos, mas relacionados, um surgindo do outro. Tais estados também possuiriam propriedades complementares que juntas compõem um todo.
Com isso, Lao-Tsé não prega o "não fazer" mas, sim, o agir de acordo com a natureza – espontânea e intuitivamente. Isso acarreta agir sem desejo, ambição ou submissão às convenções sociais.



SIDARTA GAUTAMA


Sidarta Gautama, que ficaria conhecido como Buda, "o iluminado", viveu na índia num período em que os relatos religiosos e mitológicos acerca do mundo sofriam questionamentos. Na Grécia, pensadores como Pitágoras investigavam o cosmos utilizando a razão; na China, Lao-Tsé e Confúcio desvinculavam a ótica do dogma religioso. O bramanismo, religião que evoluíra do vedismo – a antiga crença baseada nos textos sagrados dos Vedas –, era a fé dominante no subcontinente indiano no século VI a.C. Sidarta Gautama foi o primeiro a desafiar tal sistema com seu raciocínio filosófico.
Embora reverenciado pelos budistas por sua sabedoria, Gautama não era um messias nem um profeta. Não atuava como ponte entre Deus e o homem. Chegou a suas ideias por meio da reflexão, e não da revelação divina, e é isso que marca o budismo como filosofia tanto quanto (ou talvez mais que) uma religião. Sua busca foi filosófica – para descobrir verdades – e ele sustentava que as verdades que propunha estavam disponíveis para todos pelo poder da razão. Como a maioria dos filósofos orientais, não se interessou pelas questões irrespondíveis da metafísica que tanto preocupavam os gregos. Por lidar com entidades além da nossa experiência, esse tipo de investigação lhe parecia especulação sem sentido. Em vez disso, ele se envolveu com a questão do objetivo da vida – o que, por sua vez, envolvia investigar os conceitos de felicidade,
virtude e vida "correta".

O caminho do meio

No começo da vida. Gautama desfrutou da luxúria e, dizem, de todos os prazeres sensuais. No entanto, compreendeu que isso não lhe bastava para trazer a verdadeira felicidade. Consciente acerca ao sofrimento no mundo, percebeu que isso se devia em grande parte à doença, à velhice e à morte – e ao fato de que faltava às pessoas aquilo de que elas precisavam.
Gautama considerava a experiência do ascetismo extremo (austeridade e abstinência) igualmente insatisfatória, incapaz de aproximá-lo do entendimento sobre como alcançar a felicidade.

Chegou à conclusão, então, de que devia haver um "caminho do meio" entre a autoindulgência (disposição para se perdoar dos erros cometidos) e a automortificação (de se fazer cair e se abater). Esse caminho do meio, ele acreditava, levaria à felicidade verdadeira, ou "iluminação" Para encontrá-la, Gautama aplicou a razão às próprias experiências.

O sofrimento, ele percebeu é universal. Parte integral da existência, é causado pela frustração dos nossos desejos e expectativas. Tais desejos ele chamou de "apegos", os quais incluem não apenas os desejos sensuais e as ambições mundanas, mas o nosso mais básico instinto pela autopreservação. Satisfazei tais apegos, ele concluiu, poderia trazei gratificação a curto prazo, mas não a felicidade no sentido de contentamento e paz de espírito.

O "não eu"

Para Gautama, egoísmo é autocentrismo e auto-apego – o domínio do que hoje chamaríamos de "ego" Para nos livrar dos apegos que causam dor, portanto, não basta apenas renunciar às coisas que desejamos. Devemos superar nosso vínculo com aquilo que deseja: o "eu". Mas como isso pode ser conseguido? A resposta, para Gautama, é que o mundo do ego é ilusório. Ele argumentou que nada no universo origina a si mesmo, porque tudo resulta de alguma ação prévia. Cada um de nós seria apenas uma parte transitória desse processo eterno. Então, na realidade, não há "eu" que não seja parte de um todo maior – o "não eu". O sofrimento resulta de nosso fracasso em reconhecer isso. O que não significa que devemos rejeitar nossa existência ou identidade pessoal. Ao contrário, devemos entendê-las como são, ou seja, transitórias e sem substância. Entender o significado de ser uma parte constituinte de um "não eu" eterno, em vez de apegar-se à noção de ser um "eu" único, é a chave para abandonar aquele apego e para encontrar um alívio ao sofrimento.



O Caminho Óctuplo

O raciocínio de Gautama das causas do sofrimento até o caminho para conseguir a felicidade - é codificado nos ensinamentos budistas das Quatro Nobres Verdades: o sofrimento é universal; o desejo é a causa do sofrimento; o sofrimento pode ser evitado ao eliminar-se o desejo, seguir o Caminho Óctuplo elimina o desejo.

Nirvana
Gautama considerava, como o objetivo final da vida na Terra, o fim do ciclo de sofrimento (nascimento, morte e renascimento) no qual nascemos. Ao seguir o Caminho Óctuplo, o homem poderia superar seu ego, viver uma vida livre do sofrimento e, por meio da iluminação, evitar a dor do renascimento em outra vida de sofrimento. Ele compreenderia seu lugar no "não eu" e se tornaria uno com o eterno. Atingiria o estado do nirvana – termo traduzido diversamente como "não apego”, “não ser", ou literalmente "apagar-se" (como uma vela).

No bramanismo da época de Gautama – e na religião hindu que o sucedeu –, o nirvana era entendido como tornar-se uno com Deus. Mas Gautama cuidadosamente evitou qualquer menção a uma deidade ou a um propósito final para a vida. Ele descreveu o nirvana apenas como “não nascido, não originado, não criado e não formado", transcendendo qualquer experiência sensorial. E o estado eterno e imutável de não ser e, assim, a libertação final do sofrimento da existência.
O pensamento budista também encontrou ecos nas ideias de filósofos ocidentais posteriores, como no conceito do "eu" de Hume e na concepção da condição humana de Schopenhauer. Apenas no século XX o budismo exerceu influência direta no pensamento ocidental Desde então, mais e mais ocidentais voltam-se para tal legado como um guia de como viver.


CONFÚCIO


De 770 a 220 a. C., a China viveu uma era de grande desenvolvimento cultural. As filosofias surgidas nessa época ficaram conhecidas como as Cem Escolas de Pensamento. Por volta do século VI a.C. a dinastia Chou entrou em declínio, saindo da estabilidade do Período da Primavera e Outono para o chamado Período dos Reinos Combatentes. Foi nesse contexto que nasceu Kong Fuzi, o mestre Kong, ou Confúcio. Como outros filósofos da época, como os gregos Tales, Pitágoras e Heráclito, Confúcio buscou o que poderia haver de constante num mundo de mudanças. Para ele, isso equivalia a valores morais que capacitassem os governantes a atuar de forma justa.

Os Analectos
Confúcio fazia parte de uma nova classe de eruditos que atuavam corno conselheiros nas cortes. Essa elite de servidores públicos alcançara seu status não por herança, mas por mérito.
A grande fonte disponível para os ensinamentos de Confúcio está nos Analectos, coleção de fragmentos de seus textos e frases compilada por discípulos. Muitas passagens dos Analectos se assemelham a um livro de etiqueta. Mas considerar a obra um mero tratado social ou político é não perceber seu ponto central: no cerne, trata-se de um amplo sistema ético.
A vida virtuosa
Confúcio manteve silêncio em relação aos deuses, mas frequentemente se referiu ao tian, ou Céu, como a fonte da ordem moral. De acordo com os Analectos, nós, humanos, somos agentes escolhidos pelo Céu para personificar sua vontade e para unir o mundo com a ordem moral – uma ideia em sintonia com o pensamento tradicional chinês. No entanto, o que rompe com a tradição é a crença de Confúcio de que a virtude (de) não é um presente do Céu para as classes governantes, mas pode ser cultivada – por qualquer indivíduo. Tendo ele mesmo sido elevado a ministro da corte Chou, Confúcio acreditava que era dever das classes médias, e dos governantes, empenhar-se para agir com virtude e benevolência (ren) a fim de alcançar uma sociedade justa e estável.
Confúcio argumentou que o homem virtuoso não é o que está no topo da hierarquia social, mas, sim, aquele que compreende seu lugar dentro dessa hierarquia e o aceita. Para definir os vários meios de atuação em conformidade com de, ele se volta para valores tradicionais chineses: zhong (fidelidade), xiao (piedade filial), li (rituais apropriados) e shu (reciprocidade). A pessoa que observasse sinceramente esses valores era chamada por Confúcio de junzi – o cavalheiro, no sentido de homem de virtude, estudioso e praticante das boas maneiras.
Ele também pregava o poder da benevolência, argumentando que governar pelo exemplo, e não pelo medo, inspiraria as pessoas a seguir uma vida virtuosa. O mesmo princípio, ele acreditava, deveria governar os relacionamentos pessoais.

Fidelidade e ritual

Em sua análise sobre os relacionamentos, Confúcio se valeu de zhong – a virtude da fidelidade – como princípio-guia. Inicialmente, ele ressalta a importância da fidelidade de um ministro a seu soberano. Então, mostra que uma relação similar existe entre pai e filho, marido e esposa, irmão mais velho e irmão mais novo e entre amigos. A ordem na qual ele dispõe isso é significante: primeiro, a fidelidade política, depois, à família e ao clã; e, por último, a amigos e estranhos.

O aspecto de "saber o seu lugar" é exemplificado pelo xiao, a piedade filial, que para Confúcio era muito mais do que apenas respeito aos pais e aos mais velhos. Trata-se do que há de mais próximo de ideias religiosas dentro dos Analectos, porque xiao está conectado com a tradição chinesa do culto aos ancestrais. Acima de tudo, xiao reforça a relação entre inferior e superior, ponto central do pensamento confucionista.

É na insistência no li, os rituais, que Confúcio se revelou mais conservador. Li não se refere simplesmente a ritos como o culto aos ancestrais, mas também às normas que sustentam cada aspecto da vida chinesa contemporânea. Estas envolvem desde cerimônias como casamentos, funerais e sacrifícios até a etiqueta para receber convidados e oferecei presentes, além de simples gestos cotidianos de cortesia.
Sinceridade

Para Confúcio, a sociedade podia ser modificada pelo exemplo. Ele escreveu: "A sinceridade torna-se visível. Sendo visível, ela se torna manifesta. Sendo manifesta, torna-se brilhante. Afetando outros, eles são modificados por ela. Modificados por ela, eles são transformados. Apenas aquele que é possuído pela mais completa sinceridade existente sob o Céu pode transformar".
Ele assume a perspectiva de que se pode aprender a se tornar um homem superior; primeiramente, reconhecendo o que não se sabe (uma ideia que teve eco um século depois com o filósofo grego Sócrates, que afirmava que sua sabedoria estava em aceitar que nada sabia); depois, observando outras pessoas: se elas mostram virtude, tente ser igual; se são inferiores, seja um guia para elas.


Reflexo
A noção de zhong como consideração pelos outros também está ligada ao último dos valores confucionistas ligados a de: shu, reciprocidade, ou “reflexo de si", que deve governar nossas ações em relação aos outros. A chamada Regra de Ouro, "faça como desejaria que fizessem a você", parece no confucionismo como negativa: "o que você não deseja para si mesmo, não faça aos outros". A diferença é sutil, mas crucial: Confúcio não prescreve o que fazer, apenas o que não fazer, enfatizando a abstenção, em vez da ação. Isso implica modéstia e humildade, valores mantidos em alta consideração na sociedade chinesa e que, para Confúcio, expressam nossa verdadeira natureza.


Confucionismo
Apesar da queda da China imperial em 1911, as ideias de Confúcio continuaram como base de muitas das convenções morais e sociais chinesas, ainda que desaprovadas oficialmente. Em anos recentes, a República Popular da China tem demonstrado renovado interesse em Confúcio, integrando suas ideias com o pensamento moderno chinês e a filosofia ocidental num híbrido conhecido corno "novo confucionismo". 


Referências:
CHAUI, Marilena. Filosofia: Novo Ensino Médio, Volume único. São Paulo: Ática, 2010, p. 172-183.
BUCKINGHAM, Will; BURNHAM, Douglas. O livro da Filosofia. São Paulo: Globo, 2011, p. 24-25  e p. 30-39.

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