O racionalismo ético não é a única concepção filosófica da moral. Uma outra
concepção filosófica é conhecida como emotivismo ético.
Para o emotivismo ético, o fundamento da vida moral não é a razão, mas a emoção.
Nossos sentimentos são causas das normas e dos valores éticos. Inspirando-se
em Rousseau, alguns emotivistas afirmam a bondade natural de nossos sentimentos
e nossas paixões, que são, por isso, a forma e o conteúdo da existência moral
como relação intersubjetiva e interpessoal.
Outros emotivistas salientam a utilidade das emoções para nossa sobrevivência e para nossas relações com os outros, cabendo à ética orientar essa utilidade de modo a impedir a violência e garantir relações justas entre os seres humanos.
Outros emotivistas salientam a utilidade das emoções para nossa sobrevivência e para nossas relações com os outros, cabendo à ética orientar essa utilidade de modo a impedir a violência e garantir relações justas entre os seres humanos.
Há ainda uma outra concepção ética, francamente contrária à
racionalista (e, por isso, muitas vezes chamada de irracionalista), que
contesta à razão o poder e o direito de intervir sobre o desejo e as paixões,
identificando a liberdade com a plena manifestação do desejante e do
passional. Essa concepção encontra-se em Nietzsche e em vários filósofos contemporâneos.
Genealogia: estudo que tem por objeto estabelecer a
origem. Em Nietzsche (1844-1900) e Foucault (1926-1984), investigação da
história com o objetivo de identificar as relações de poder que deram origem a
ideias, valores ou crenças.
Nietzsche
primeiramente identifica que os valores atuais são valores decadentes. Os valores atuais são valores que negão o homem e seus instintos naturais. São valores que
dizem não a vida!
Nietzsche
não considera que se deva fazer as coisas por uma questão de “dever” ou porque
é “bom”. Não devemos nada para algum Deus ou alguém! Não precisamos sentir culpa de nada que fizemos ou deixamos de fazer, porque não se deve nada a
ninguém.
O homem é algo a ser
superado
A ideia de Nietzsche de que o homem é algo a ser superado aparece em Assim
falou Zaratustra, talvez sua obra mais famosa. Foi escrito em três partes,
entre 1883 e 1884, com uma quarta parte acrescentada em 1885. O filósofo alemão
usou-a para lançar um ataque sistemático contra a história do pensamento
ocidental. Ele mirava três ideias ligadas, em particular: primeiro, a ideia que
temos de "homem" ou natureza humana; segundo, a que temos de Deus; e
terceiro, a que temos sobre moralidade, ou ética.
Em outra obra, Nietzsche escreveu sobre filosofar "com um martelo" e, aqui, ele certamente tentou estilhaçar muitas das visões mais estimadas da tradição filosófica ocidental, especialmente em relação àqueles três temas. Ele o fez num estilo impetuoso e febril, de modo que às vezes a obra parece mais próxima da profecia do que da filosofia. Foi escrita rapidamente, com a Parte I tomando-lhe apenas alguns dias para ser posta no papel. Ainda assim, embora a obra de Nietzsche não tenha o tom sereno e analítico comum a obras filosóficas, o autor conseguiu expor uma visão extraordinariamente desafiadora e consistente.
Em outra obra, Nietzsche escreveu sobre filosofar "com um martelo" e, aqui, ele certamente tentou estilhaçar muitas das visões mais estimadas da tradição filosófica ocidental, especialmente em relação àqueles três temas. Ele o fez num estilo impetuoso e febril, de modo que às vezes a obra parece mais próxima da profecia do que da filosofia. Foi escrita rapidamente, com a Parte I tomando-lhe apenas alguns dias para ser posta no papel. Ainda assim, embora a obra de Nietzsche não tenha o tom sereno e analítico comum a obras filosóficas, o autor conseguiu expor uma visão extraordinariamente desafiadora e consistente.
Zaratustra desce
O nome do profeta de
Nietzsche, Zaratustra, é a denominação alternativa
do antigo profeta persa Zoroastro. A obra começa contando-nos que, aos trinta
anos, Zaratustra vai viver nas montanhas. Durante dez anos deleita-se na
solidão, mas certa manhã acorda para descobrir que está cansado da sabedoria
que acumulou. Então, decide descer ao mercado para compartilhar sua sabedoria com o resto da
humanidade.
No caminho para a cidade, ao pé da montanha, encontra-se com um velho eremita. Os dois homens já tinham se encontrado, dez anos antes, quando Zaratustra subira para seu retiro. O eremita vê que Zaratustra mudou durante a década que se passou: quando subiu, o eremita diz, Zaratustra carregava cinzas, mas agora, ao descer, está carregando fogo.
Então, o eremita pergunta a Zaratustra por que ele está se dando ao trabalho de compartilhar sua sabedoria. E aconselha Zaratustra a permanecer nas montanhas, advertindo-o que ninguém entenderá sua mensagem. Zaratustra então questiona: o que o eremita faz nas montanhas? O eremita responde que canta, chora, ri, resmunga e louva Deus. Ao ouvir isso, o próprio Zaratustra ri. Deseja boa sorte ao eremita e continua em sua descida da montanha. Enquanto avança, Zaratustra diz para si mesmo: "Como é possível! Esse velho eremita ainda não ouviu falar que Deus está morto".
No caminho para a cidade, ao pé da montanha, encontra-se com um velho eremita. Os dois homens já tinham se encontrado, dez anos antes, quando Zaratustra subira para seu retiro. O eremita vê que Zaratustra mudou durante a década que se passou: quando subiu, o eremita diz, Zaratustra carregava cinzas, mas agora, ao descer, está carregando fogo.
Então, o eremita pergunta a Zaratustra por que ele está se dando ao trabalho de compartilhar sua sabedoria. E aconselha Zaratustra a permanecer nas montanhas, advertindo-o que ninguém entenderá sua mensagem. Zaratustra então questiona: o que o eremita faz nas montanhas? O eremita responde que canta, chora, ri, resmunga e louva Deus. Ao ouvir isso, o próprio Zaratustra ri. Deseja boa sorte ao eremita e continua em sua descida da montanha. Enquanto avança, Zaratustra diz para si mesmo: "Como é possível! Esse velho eremita ainda não ouviu falar que Deus está morto".
Super-homem
A ideia da morte de Deus talvez seja a mais famosa de toda a obra do
autor. Está intimamente relacionada com a ideia de que o homem é algo a ser
superado e com a concepção característica de moralidade de Nietzsche.
Nietzsche acreditava que certos conceitos tornaram-se indissociavelmente emaranhados: humanidade, moralidade e Deus. Quando seu personagem Zaratustra diz que Deus está morto, não apenas lançou um ataque contra a religião, mas fez algo muito mais audacioso. "Deus", aqui, não significa apenas o deus sobre o qual os filósofos falam ou para o qual os religiosos rezam: ele significa a soma total dos valores mais elevados que podemos ter. A morte de Deus não é apenas a morte de uma deidade. É também a morte de todos os valores ditos elevados que herdamos.
Subvertendo valores antigos
Nietzsche acreditava que certos conceitos tornaram-se indissociavelmente emaranhados: humanidade, moralidade e Deus. Quando seu personagem Zaratustra diz que Deus está morto, não apenas lançou um ataque contra a religião, mas fez algo muito mais audacioso. "Deus", aqui, não significa apenas o deus sobre o qual os filósofos falam ou para o qual os religiosos rezam: ele significa a soma total dos valores mais elevados que podemos ter. A morte de Deus não é apenas a morte de uma deidade. É também a morte de todos os valores ditos elevados que herdamos.
Um dos objetivos centrais
da filosofia de Nietzsche é o que ele chamou de
"revalorização de todos os valores" (transvaloração), uma tentativa
de questionar todas as maneiras habituais de pensar sobre ética e sobre os
sentidos e objetivos da vida. Ele defendia que muitas das coisas que pensamos que sejam
"boas", são, de fato, maneiras de
limitar a (ou afastar as pessoas da) vida.
Podemos pensar que não é "bom" bancar o tolo em público e, assim, resistir ao impulso de dançar alegremente na rua. Podemos acreditar que os desejos da carne são pecaminosos e, então, punirmo-nos quando eles se manifestam. Podemos ficar em empregos tediosos, não porque precisamos, mas porque julgamos nosso dever aturá-los. Nietzsche quer pôr fim a tais filosofias que negam a vida, de modo que a humanidade possa se ver de maneira diferente.
Depois de proclamar a vinda do Super-homem, Zaratustra passa a condenar a religião. No passado, ele diz, a maior blasfêmia era contra Deus, mas agora a maior blasfêmia é contra a própria vida. Este é o erro que Zaratustra acredita que cometeu na montanha: ao afastar-se do mundo, e ao oferecer orações a um Deus que não está lá, ele pecou contra a vida.
Podemos pensar que não é "bom" bancar o tolo em público e, assim, resistir ao impulso de dançar alegremente na rua. Podemos acreditar que os desejos da carne são pecaminosos e, então, punirmo-nos quando eles se manifestam. Podemos ficar em empregos tediosos, não porque precisamos, mas porque julgamos nosso dever aturá-los. Nietzsche quer pôr fim a tais filosofias que negam a vida, de modo que a humanidade possa se ver de maneira diferente.
Blasfemando contra a vida
Depois de proclamar a vinda do Super-homem, Zaratustra passa a condenar a religião. No passado, ele diz, a maior blasfêmia era contra Deus, mas agora a maior blasfêmia é contra a própria vida. Este é o erro que Zaratustra acredita que cometeu na montanha: ao afastar-se do mundo, e ao oferecer orações a um Deus que não está lá, ele pecou contra a vida.
A história por trás dessa morte de Deus, ou da perda da fé em nossos
mais elevados valores, é relatada no ensaio de Nietzsche Como o "mundo
verdadeiro" se tornou finalmente fábula, publicado em Crepúsculo
dos ídolos. O ensaio tem o subtítulo "História de um erro" — e é
a história da filosofia ocidental condensada em uma página. A história começa,
diz Nietzsche, com o filósofo grego Platão.
Platão dividiu o mundo em um mundo "aparente", que se revela a nós por meio de nossos sentidos, e em um mundo "real", que podemos apreender pelo intelecto. Para Platão, o mundo percebido pelos sentidos não é "real", porque mutável é sujeito ao declínio. Platão sugeriu que há também um mundo "real" imutável, permanente, alcançável com o auxílio do intelecto. Essa ideia provém do estudo de matemática de Platão. A forma ou ideia de um triângulo, por exemplo, é eterna e pode ser apreendida pelo intelecto. Sabemos que um triângulo é uma figura de três lados, bidimensional, cujos ângulos somam 180°, e que isso sempre será verdadeiro, esteja alguém pensando sobre ele ou não e por mais que existam triângulos no mundo. Por outro lado, as coisas triangulares existentes no mundo (sanduíches, pirâmides ou formas triangulares desenhadas num quadro negro) só são triangulares na medida em que constituem reflexos da ideia ou forma do triângulo geométrico.
Influenciado pela matemática dessa forma, Platão propôs que o intelecto pode conseguir acesso a um mundo de Formas Ideais, que é permanente e imutável, enquanto os sentidos só têm acesso a um mundo de aparências. Então, por exemplo, se quisermos conhecer a bondade, precisamos ter uma avaliação intelectual da Forma de Bondade, da qual os vários exemplos de bondade no mundo são apenas reflexos. Essa é uma ideia que teve amplas consequências para a nossa compreensão do mundo: como Nietzsche salientou, essa maneira de dividir o mundo transforma o "mundo real" do intelecto no lugar onde residem todos os valores. Em contraste, o "mundo aparente" dos sentidos é transformado num mundo sem importância, em termos relativos.
Nietzsche traçou o destino dessa tendência de dividir o mundo em dois e encontrou a mesma ideia dentro do pensamento cristão. Em lugar do "mundo real" das Formas de Platão, o cristianismo sugere "um mundo real" alternativo, um mundo futuro do céu prometido ao virtuoso. Nietzsche acreditava que o cristianismo julga o mundo em que vivemos agora menos real do que o céu, contudo, nessa versão da ideia de "dois mundos", o "mundo real" é atingível, ainda que após a morte e sob a condição de que sigamos as regras cristãs em vida. O mundo presente é desvalorizado, como em Platão, salvo na medida em que age como degrau para o mundo do além. Nietzsche afirmou que o cristianismo nos pede para negar a vida presente em favor da promessa da vida por vir.
Tanto as versões platônicas quanto cristãs da ideia de divisão do mundo em "real" e "aparente" afetaram profundamente nossas concepções sobre nós mesmos. A sugestão de que tudo de valor está de algum modo "além" do alcance deste mundo leva a um modo de pensar que nega fundamentalmente a vida. Como resultado dessa herança platônica e cristã, fomos levados a considerar o mundo em que vivemos como um mundo do qual devemos nos ressentir e desdenhar. Um mundo do qual devemos nos afastar, transcender, e certamente não desfrutar. Mas, ao fazer isso, afastamo-nos da própria vida em favor de um mito ou invenção: um "mundo real" imaginário, situado em outro lugar. Nietzsche chama os sacerdotes de todas as religiões de "pregadores da morte", porque seus ensinamentos nos encorajam a abandonar este mundo e a abandonar a vida pela morte. Mas por que Nietzsche insistiu que Deus está morto? Para responder isso, temos de conferir a obra do filósofo alemão do século XVIII Immanuel Kant, cujas ideias são cruciais para compreender a filosofia por trás da obra de Nietzsche.
Kant estava interessado nos limites do conhecimento. Na obra Crítica da razão pura, argumentou que não podemos conhecer o mundo como ele é "em si". Não podemos alcançá-lo com o intelecto, como Platão acreditava, nem é prometido a nós como na visão cristã. Ele existe, mas está para sempre fora do alcance. As razões que Kant usou para sugerir essa conclusão são complexas, mas o que importa, do ponto de vista de Nietzsche, é que se o mundo real é considerado absolutamente inatingível — mesmo ao sábio ou ao virtuoso, em vida ou após a morte —, então trata-se de "uma ideia que tornou-se inútil, supérflua". Como resultado, é uma ideia a ser posta de lado. Se Deus está morto, Nietzsche topou com o cadáver, mas são as impressões digitais de Kant que estão na arma do deicídio.
Uma vez que renunciarmos à ideia do "mundo real", a distinção duradoura entre "mundo real" e "mundo aparente" começará a sucumbir. Em Como o “mundo verdadeiro” se tornou finalmente fábula, Nietzsche foi adiante para explicar isso da seguinte maneira: "Abolimos o mundo real - que mundo restou? O mundo aparente, talvez?... Mas não! Com o mundo real também abolimos o mundo aparente". Nietzsche via, então, o início do fim do "erro mais duradouro" da filosofia: sua fascinação pela distinção entre "aparência" e "realidade", pela ideia de dois mundos. O fim desse erro, Nietzsche escreveu, é o zênite de toda humanidade. É nesse ponto - em um ensaio escrito seis anos depois de Assim falou Zaratustra — que Nietzsche elaborou "Zaratustra começa".
O mundo real
Platão dividiu o mundo em um mundo "aparente", que se revela a nós por meio de nossos sentidos, e em um mundo "real", que podemos apreender pelo intelecto. Para Platão, o mundo percebido pelos sentidos não é "real", porque mutável é sujeito ao declínio. Platão sugeriu que há também um mundo "real" imutável, permanente, alcançável com o auxílio do intelecto. Essa ideia provém do estudo de matemática de Platão. A forma ou ideia de um triângulo, por exemplo, é eterna e pode ser apreendida pelo intelecto. Sabemos que um triângulo é uma figura de três lados, bidimensional, cujos ângulos somam 180°, e que isso sempre será verdadeiro, esteja alguém pensando sobre ele ou não e por mais que existam triângulos no mundo. Por outro lado, as coisas triangulares existentes no mundo (sanduíches, pirâmides ou formas triangulares desenhadas num quadro negro) só são triangulares na medida em que constituem reflexos da ideia ou forma do triângulo geométrico.
Influenciado pela matemática dessa forma, Platão propôs que o intelecto pode conseguir acesso a um mundo de Formas Ideais, que é permanente e imutável, enquanto os sentidos só têm acesso a um mundo de aparências. Então, por exemplo, se quisermos conhecer a bondade, precisamos ter uma avaliação intelectual da Forma de Bondade, da qual os vários exemplos de bondade no mundo são apenas reflexos. Essa é uma ideia que teve amplas consequências para a nossa compreensão do mundo: como Nietzsche salientou, essa maneira de dividir o mundo transforma o "mundo real" do intelecto no lugar onde residem todos os valores. Em contraste, o "mundo aparente" dos sentidos é transformado num mundo sem importância, em termos relativos.
Valores cristãos
Nietzsche traçou o destino dessa tendência de dividir o mundo em dois e encontrou a mesma ideia dentro do pensamento cristão. Em lugar do "mundo real" das Formas de Platão, o cristianismo sugere "um mundo real" alternativo, um mundo futuro do céu prometido ao virtuoso. Nietzsche acreditava que o cristianismo julga o mundo em que vivemos agora menos real do que o céu, contudo, nessa versão da ideia de "dois mundos", o "mundo real" é atingível, ainda que após a morte e sob a condição de que sigamos as regras cristãs em vida. O mundo presente é desvalorizado, como em Platão, salvo na medida em que age como degrau para o mundo do além. Nietzsche afirmou que o cristianismo nos pede para negar a vida presente em favor da promessa da vida por vir.
Tanto as versões platônicas quanto cristãs da ideia de divisão do mundo em "real" e "aparente" afetaram profundamente nossas concepções sobre nós mesmos. A sugestão de que tudo de valor está de algum modo "além" do alcance deste mundo leva a um modo de pensar que nega fundamentalmente a vida. Como resultado dessa herança platônica e cristã, fomos levados a considerar o mundo em que vivemos como um mundo do qual devemos nos ressentir e desdenhar. Um mundo do qual devemos nos afastar, transcender, e certamente não desfrutar. Mas, ao fazer isso, afastamo-nos da própria vida em favor de um mito ou invenção: um "mundo real" imaginário, situado em outro lugar. Nietzsche chama os sacerdotes de todas as religiões de "pregadores da morte", porque seus ensinamentos nos encorajam a abandonar este mundo e a abandonar a vida pela morte. Mas por que Nietzsche insistiu que Deus está morto? Para responder isso, temos de conferir a obra do filósofo alemão do século XVIII Immanuel Kant, cujas ideias são cruciais para compreender a filosofia por trás da obra de Nietzsche.
Um mundo além do alcance
Kant estava interessado nos limites do conhecimento. Na obra Crítica da razão pura, argumentou que não podemos conhecer o mundo como ele é "em si". Não podemos alcançá-lo com o intelecto, como Platão acreditava, nem é prometido a nós como na visão cristã. Ele existe, mas está para sempre fora do alcance. As razões que Kant usou para sugerir essa conclusão são complexas, mas o que importa, do ponto de vista de Nietzsche, é que se o mundo real é considerado absolutamente inatingível — mesmo ao sábio ou ao virtuoso, em vida ou após a morte —, então trata-se de "uma ideia que tornou-se inútil, supérflua". Como resultado, é uma ideia a ser posta de lado. Se Deus está morto, Nietzsche topou com o cadáver, mas são as impressões digitais de Kant que estão na arma do deicídio.
O erro mais duradouro
Uma vez que renunciarmos à ideia do "mundo real", a distinção duradoura entre "mundo real" e "mundo aparente" começará a sucumbir. Em Como o “mundo verdadeiro” se tornou finalmente fábula, Nietzsche foi adiante para explicar isso da seguinte maneira: "Abolimos o mundo real - que mundo restou? O mundo aparente, talvez?... Mas não! Com o mundo real também abolimos o mundo aparente". Nietzsche via, então, o início do fim do "erro mais duradouro" da filosofia: sua fascinação pela distinção entre "aparência" e "realidade", pela ideia de dois mundos. O fim desse erro, Nietzsche escreveu, é o zênite de toda humanidade. É nesse ponto - em um ensaio escrito seis anos depois de Assim falou Zaratustra — que Nietzsche elaborou "Zaratustra começa".
Esse é um
momento-chave para Nietzsche, porque quando apreendemos o fato de que existe
apenas um mundo, subitamente verificamos o erro de transferir todos os valores
para além desse mundo. Somos, então, forçados a reconsiderar nossos valores,
até mesmo o significado do que é ser humano. E, quando olhamos através dessas
ilusões filosóficas, a antiga ideia de "homem" pode ser superada. O
super-homem, na visão de Nietzsche, é um modo de ser que fundamentalmente afirma
a vida. É alguém que pode se tornai o portador de sentido não no mundo do além,
mas aqui: o super-homem é "o sentido da Terra".
Criando a nós mesmos
A noção de
Nietzsche acerca da ilimitada possibilidade humana foi importante para muitos
filósofos depois da Segunda Guerra Mundial. Suas ideias sobre a religião e a
importância da autoavaliação ecoaram especialmente nas obras dos
existencialistas subsequentes, como Jean-Paul Sartre. Como o super-homem de
Nietzsche, Sartre disse que cada um de nós deve definir o significado de nossa existência. As críticas de Nietzsche contra a tradição filosófica ocidental
tiveram enorme impacto não apenas na filosofia, mas também na cultura europeia
e mundial, influenciando incontáveis artistas e escritores no século XX.
A moral
“(..) a história da luta da moral contra os
instintos fundamentais da vida é a maior imoralidade que até hoje existiu sobre
a terra...” (NIETZSCHE, Vontade potência, 2011, p.274)
“Vejo a má consciência como a profunda doença que o homem teve de contrair
sob a pressão da mais radical das mudanças que viveu — a mudança que sobreveio
quando ele se viu definitivamente encerrado no âmbito da sociedade e da paz. O
mesmo que deve ter sucedido aos animais aquáticos, quando foram obrigados a
tornar-se animais terrestres ou perecer, ocorreu a esses semianimais adaptados de modo feliz à natureza selvagem, à vida errante, à guerra, à aventura —
subitamente seus instintos ficaram sem valor e "suspensos". A partir
de então deveriam andar com os pés e "carregar a si mesmos", quando
antes eram levados pela água: havia um terrível peso sobre eles. Para as
funções mais simples sentiam-se canhestros [sem habilidades], nesse novo mundo
não mais possuíam os seus velhos guias, os impulsos reguladores e inconscientemente certeiros — estavam reduzidos, os infelizes, a pensar, inferir, calcular,
combinar causas e efeitos, reduzidos à sua "consciência", ao seu
órgão mais frágil e mais falível! Creio que jamais houve na terra um tal sentimento
de desgraça, um mal-estar tão plúmbeo [pesado] — e além disso os velhos
instintos não cessaram repentinamente de fazer suas exigências! Mas era
difícil, raramente possível, lhes dar satisfação: no essencial tiveram de
buscar gratificações novas e, digamos, subterrâneas. Todos os instintos que não
se descarregam para fora voltam-se para dentro — isto é o que chamo de interiorização
do homem: é assim
que no homem cresce o que depois se denomina sua "alma". Todo o mundo
interior, originalmente delgado [fino], como que entre duas membranas, foi se
expandindo e se estendendo, adquirindo profundidade, largura e altura, na
medida em que o homem foi inibido em sua descarga para fora. Aqueles
terríveis bastiões [ênfase] com que a organização do Estado se protegia dos
velhos instintos de liberdade — os castigos, sobretudo, estão entre esses bastiões [ênfase] — fizeram com que todos aqueles instintos do homem selvagem livre e errante se voltassem para trás, contra o homem mesmo. A hostilidade, a crueldade,
o prazer na perseguição, no assalto, na mudança,
na destruição — tudo isso se voltando contra os possuidores de tais instintos:
esta é a origem da má consciência. Esse homem que, por falta de
inimigos e resistências exteriores, cerrado numa opressiva estreiteza e
regularidade de costumes, impacientemente lacerou, perseguiu, corroeu,
espicaçou [bicou], maltratou a si mesmo, esse animal que querem
"amansar", que se fere nas barras da própria jaula, este ser carente,
consumido pela nostalgia [melancolia] do ermo [solitário], que a si mesmo teve
de converter em aventura, câmara de tortura, insegura e perigosa mata — esse tolo, esse prisioneiro presa da ânsia e do desespero tornou-se o inventor da
"má consciência". Com ela, porém, foi introduzida a maior e mais
sinistra doença, da qual até hoje não se curou a humanidade, o sofrimento do
homem com o homem, consigo: como
resultado de uma violenta separação do seu passado animal, como que um salto e
uma queda em novas situações e condições de existência, resultado de uma
declaração de guerra aos velhos instintos nos quais até então se baseava sua
força, seu prazer e o temor que inspirava.” (NIETZSCHE, Genealogia da moral, 2010, p.67-68)
“Essa hipótese sobre a origem da má consciência pressupõe, em primeiro lugar, que a mudança não tenha sido gradual nem voluntária, e que não
tenha representado um crescimento orgânico no interior de novas condições, mas
uma ruptura, um salto, uma coerção, uma fatalidade inevitável, contra a qual
não havia luta e nem sequer ressentimento. Em segundo lugar, que a inserção de
uma população sem normas e sem freios numa forma estável, assim como tivera
início com um ato de violência, foi levada a termo somente com atos de violência — que o mais antigo "Estado", em consequência, apareceu
como uma terrível tirania, uma maquinaria esmagadora e implacável, e assim prosseguiu seu trabalho, até que tal matéria-prima humana e semianimal ficou
não só amassada e maleável, mas também dotada de uma forma.” (NIETZSCHE, Genealogia da moral, 2010, p.69)
“...
Não podemos hoje imaginar a degenerescência moral separada da degenerescência
fisiológica: a primeira nada mais é que o conjunto de sintomas da segunda: somos necessariamente maus, como somos necessariamente doentes... Mau: a palavra
exprime aqui certas incapacidades que são fisiologicamente ligadas ao tipo da degenerescência: por exemplo, a fraqueza da vontade, a incerteza e até a multiplicidade
da "pessoa", a impotência para suprimir a reação a uma excitação
qualquer e de "dominar-se", o constrangimento diante de toda espécie
de sugestão de uma vontade estranha. O vício não é a causa; o vício é a
consequência.” (NIETZSCHE, Vontade
potência, 2011, p.269)
“A
partir de todas as idiossincrasias [características
peculiares] morais, vejo uma avaliação fundamentalmente diferente: não
conheço essas separações absurdas entre o gênio e o mundo da vontade moral e
imoral. O homem moral é de uma espécie inferior ao homem imoral, de uma espécie mais fraca; é um tipo segundo a moral, não é porém seu próprio tipo; é
uma cópia, uma boa cópia ao rigor — a medida de seu valor reside fora dele.
Estimo o homem pela quantidade de potência e pela plenitude de sua
vontade; e não conforme o enfraquecimento e a purificação da vontade; considero uma filosofia que ensina a negação da vontade como uma doutrina de aviltamento e de calúnia... Julgo a potência de uma vontade segundo
o grau de resistência, de dor, de tortura que ela suporta para convertê-las em
seu favor; não censuro à existência seu caráter mau e doloroso,
mas espero que esse caráter se tornará um dia mais mau e mais doloroso
ainda...” (NIETZSCHE, Vontade
potência, 2011, p.475)
“A ‘escala dos valores morais’, enquanto social, mede o homem de acordo com os efeitos exercidos sobre seus semelhantes. Um homem que degusta seu próprio sabor, envolto e escondido em sua solidão, incomunicável, não expansivo — um homem não calculado, portanto um homem de categoria superior, e, em todos os casos, de outra espécie: como quereis avaliá-lo, quando não podeis nem conhecê-lo, nem compará-lo com outros?
A escala dos valores morais teve por resultado a maior obtusidade do julgamento: o valor que um homem possui por si mesmo não é apreciado como merece, descuidamo-lo quase ou quase o negamos. É um saldo de teleologia ingênua o de julgar o valor do homem por relações com os outros homens.” (NIETZSCHE, Vontade potência, 2011, p.477)
“O constrangimento da vontade era tido como o que dava ao ato valor superior: Deus era considerado então o autor...
“A ‘escala dos valores morais’, enquanto social, mede o homem de acordo com os efeitos exercidos sobre seus semelhantes. Um homem que degusta seu próprio sabor, envolto e escondido em sua solidão, incomunicável, não expansivo — um homem não calculado, portanto um homem de categoria superior, e, em todos os casos, de outra espécie: como quereis avaliá-lo, quando não podeis nem conhecê-lo, nem compará-lo com outros?
A escala dos valores morais teve por resultado a maior obtusidade do julgamento: o valor que um homem possui por si mesmo não é apreciado como merece, descuidamo-lo quase ou quase o negamos. É um saldo de teleologia ingênua o de julgar o valor do homem por relações com os outros homens.” (NIETZSCHE, Vontade potência, 2011, p.477)
“O constrangimento da vontade era tido como o que dava ao ato valor superior: Deus era considerado então o autor...
Vem o contramovimento: o dos
moralistas, sempre com o mesmo preconceito, o de crer que somos responsáveis
pelos menores acontecimentos, se os quisermos. O valor do homem está fixado
como valor moral: portanto, seu valor deve ser causa prima; logo,
deve haver aí um princípio no homem, o "livre-arbítrio", que seria a
causa prima. Há sempre a segunda intenção: se o homem não é a causa prima
enquanto vontade, é irresponsável, consequentemente, não é da competência
da moral. A virtude e o vício serão então automáticos e inconscientes.” (NIETZSCHE, Vontade
potência, 2011, p.266)
“O erro do livre-arbítrio. — (...) Em todo lugar onde se procura responsabilidades, costuma ser o instinto de querer punir e julgar que está a procura delas. O devir foi despido de sua inocência quando se busca explicar pela vontade, pelas intenções ou por atos de responsabilidade alguma maneira de ser: a doutrina da vontade foi inventada essencialmente com a finalidade de punir, ou seja, de querer encontrar culpados. (...) O cristianismo é uma metafísica de carrasco...
(...) Fomos nós que inventamos a noção de "finalidade": a finalidade está ausente da realidade... Somos necessários, somos um fragmento de destino, pertencemos ao todo, estamos no todo — não há nada que possa julgar, medir, comparar e condenar o nosso ser, pois isso significaria julgar, medir, comparar e condenar o todo... Mas não há nada fora do todo!” (NIETZSCHE, Crepúsculo dos ídolos, 2010, p.57-59)
“O erro do livre-arbítrio. — (...) Em todo lugar onde se procura responsabilidades, costuma ser o instinto de querer punir e julgar que está a procura delas. O devir foi despido de sua inocência quando se busca explicar pela vontade, pelas intenções ou por atos de responsabilidade alguma maneira de ser: a doutrina da vontade foi inventada essencialmente com a finalidade de punir, ou seja, de querer encontrar culpados. (...) O cristianismo é uma metafísica de carrasco...
(...) Fomos nós que inventamos a noção de "finalidade": a finalidade está ausente da realidade... Somos necessários, somos um fragmento de destino, pertencemos ao todo, estamos no todo — não há nada que possa julgar, medir, comparar e condenar o nosso ser, pois isso significaria julgar, medir, comparar e condenar o todo... Mas não há nada fora do todo!” (NIETZSCHE, Crepúsculo dos ídolos, 2010, p.57-59)
Nós somos efeito e não causa.
“Meu
conceito de liberdade. — Às vezes, o valor de uma coisa não se
encontra no que com ela se alcança, mas naquilo que por ela se paga — naquilo que ela nos custa. (...)
o que é liberdade? Ter a
vontade de ser responsável por si mesmo. Conservar a distância que nos separa.
Tornar-se mais indiferente à fadiga, à dureza, à privação, inclusive à vida.
Estar pronto a sacrificar homens à sua causa, sem descontar a si próprio.
Liberdade significa que os instintos viris, que se alegram com a guerra e com a
vitória, possuem o domínio sobre outros instintos; por exemplo, sobre os
instintos da "felicidade". O homem liberto, e tanto mais o espírito
liberto, pisoteia a espécie desprezível de bem-estar com que sonham
merceeiros, cristãos, vacas, mulheres, ingleses e outros democratas. O homem
livre é guerreiro. — Pelo que
se mede a liberdade, tanto de indivíduos quanto de povos? Pela resistência
que precisa ser superada, pelo esforço que custa ficar em cima. Teríamos
de procurar o tipo mais elevado de homem livre lá onde constantemente se supera
a resistência mais elevada: a cinco passos da tirania, próximo ao limiar do
perigo da servidão. Isso é psicologicamente verdadeiro se por
"tiranos" entendermos instintos implacáveis e terríveis que incitam
contra si o máximo de autoridade e de disciplina — o mais belo tipo,
Júlio César —; isso também é politicamente verdadeiro, basta dar um
passeio pela história. Os povos que valeram alguma coisa, que chegaram a
valer alguma coisa, nunca chegaram a isso sob instituições liberais: o
grande perigo fez deles algo que merece respeito, o perigo que, só ele, nos
ensina a conhecer nossos recursos, nossas virtudes, nossas armas de defesa e de
ataque, nosso espírito — que nos força a sermos fortes... Primeiro
princípio: deve-se ter necessidade de ser forte — caso contrário,
nunca chegamos a sê-lo. — Aquelas grandes estufas para a espécie forte
de homem, para a espécie mais forte que existiu até agora, as comunidades
aristocráticas nos moldes de Roma e Veneza, entenderam a liberdade exatamente
no mesmo sentido em que entendo essa palavra: como uma coisa que se tem e não
se tem, que se quer, que se conquista...” (NIETZSCHE,
Crepúsculo
dos ídolos, 2010, p.110-111)
“Em todas as épocas
se quis "melhorar" os homens: isso, sobretudo, foi chamado de moral. (...) Chamar a domesticação
de um animal de "melhoramento" soa aos nossos ouvidos quase como uma
piada. Quem sabe o que acontece nas exposições de feras duvida que nelas a
besta seja "melhorada". Ela é enfraquecida, tornada menos daninha,
transformada numa besta doentia através do afeto depressivo do medo,
através da dor, dos ferimentos, da fome. — Não é diferente com o homem
domesticado que o sacerdote "melhorou"”. (NIETZSCHE, Crepúsculo dos ídolos, 2010, p.60-61)
“Crítica
da moral da décadence. – Uma moral
"altruísta", uma moral em que o egoísmo definha, é, de
qualquer maneira, um mau sinal. Isso vale para o indivíduo, isso vale sobretudo para povos. Falta o melhor quando começa a faltar egoísmo. Escolher
instintivamente o que é danoso para si, ser atraído por motivos
"desinteressados", é quase a fórmula da décadence. "Não
buscar o seu benefício" — isso é apenas a folha de parreira
moral que encobre um fato muito diferente, a saber, um fato fisiológico:
"Não sei mais encontrar o meu benefício"... Desagregação dos
instintos! — Quando o homem se torna altruísta, é o seu fim. — Em
vez de dizer, ingenuamente, "Eu não
valho mais nada", a mentira moral na boca do décadent diz:
"Nada tem valor — a vida não vale nada"...” (NIETZSCHE, Crepúsculo dos ídolos, 2010, p.103)
“A moral religiosa — A emoção, o grande desejo, as paixões do poder, do amor, da vingança, da posse: os moralistas querem extingui-los, arrancá-los, para ‘purificar’ a alma.
É a mesma lógica que diz: ‘Se teu membro te escandaliza, arranca-o’.
Sua conclusão é sempre: somente o homem castrado pode tornar-se um homem bom.” (NIETZSCHE, Vontade potência, 2011, p.306-307)
“É-se bom com a condição de que também se saiba ser mau; é-se mau porque de outra forma não se poderia ser bom. De onde, portanto, provém esse estado doentio, essa ideologia contra a natureza que nega esse caráter duplo, que ensina como virtude suprema possuir somente um semi valor? (...) Exige-se do homem que se castre daqueles instintos que lhe permitem fazer oposição, prejudicar, encolerizar-se, exigir vingança...” (NIETZSCHE, Vontade potência, 2011, p.307)
“Eis minha conclusão: o homem verdadeiro representa um valor bem superior ao tipo de homem desejável a qualquer ideal proposto até o presente (...).Uma classe particular de homens queria transformar em regra, acima da humanidade, suas próprias condições de conservação e de crescimento; todo desejo dessa espécie aviltou até agora o valor do homem, sua força e sua certeza no futuro (...); a faculdade que permite ao homem fixar valores foi até o presente mal desenvolvida para fazer justiça ao valor real do homem e não somente ao valor desejado; o ideal foi até hoje a verdadeira força caluniadora do mundo e do homem, uma força que espalhou sobre a realidade seu sopro envenenado, a grande sedução para o nada...” (NIETZSCHE, Vontade potência, 2011, p.315)
“A moral religiosa — A emoção, o grande desejo, as paixões do poder, do amor, da vingança, da posse: os moralistas querem extingui-los, arrancá-los, para ‘purificar’ a alma.
É a mesma lógica que diz: ‘Se teu membro te escandaliza, arranca-o’.
Sua conclusão é sempre: somente o homem castrado pode tornar-se um homem bom.” (NIETZSCHE, Vontade potência, 2011, p.306-307)
“É-se bom com a condição de que também se saiba ser mau; é-se mau porque de outra forma não se poderia ser bom. De onde, portanto, provém esse estado doentio, essa ideologia contra a natureza que nega esse caráter duplo, que ensina como virtude suprema possuir somente um semi valor? (...) Exige-se do homem que se castre daqueles instintos que lhe permitem fazer oposição, prejudicar, encolerizar-se, exigir vingança...” (NIETZSCHE, Vontade potência, 2011, p.307)
“Eis minha conclusão: o homem verdadeiro representa um valor bem superior ao tipo de homem desejável a qualquer ideal proposto até o presente (...).Uma classe particular de homens queria transformar em regra, acima da humanidade, suas próprias condições de conservação e de crescimento; todo desejo dessa espécie aviltou até agora o valor do homem, sua força e sua certeza no futuro (...); a faculdade que permite ao homem fixar valores foi até o presente mal desenvolvida para fazer justiça ao valor real do homem e não somente ao valor desejado; o ideal foi até hoje a verdadeira força caluniadora do mundo e do homem, uma força que espalhou sobre a realidade seu sopro envenenado, a grande sedução para o nada...” (NIETZSCHE, Vontade potência, 2011, p.315)
Os gregos antes da decadência
Os
deuses eram iguais aos homens, tinham desejos e paixões iguais aos dos homens.
A religião grega era viril.
Dionísio
é o deus das paixões, assim eram os deuses gregos em geral: exerciam as suas
vontades e suas habilidades (Zeus é um conquistador, Hades é um guerreiro,
Atenas era sabia)
Se valorizava
as virtudes do herói: coragem, habilidade de combate, inteligência, desejo por
gloria e honras. A virtude é algo que brota de nosso ser e nos torna mais
potentes; não é o dever que nos leva a ser virtuosos, mas sim o desejo de
excelência.
A decadência grega
“Toda filosofia oculta também
uma filosofia; toda opinião é também um esconderijo, toda palavra também uma
máscara.” (NIETZSCHE, Além do bem e do mau, 2010, p.320)
“(...) reconheci Sócrates
e Platão como sintomas de declínio, como instrumentos da dissolução grega” (NIETZSCHE, Crepúsculo
dos ídolos, 2010, p.27)
“Procuro compreender de que
idiossincrasia [característica
comportamental peculiar] se
origina aquela equação socrática de razão = virtude =
felicidade: a equação mais bizarra que existe e que tem contra si, em especial,
todos os instintos dos helenos mais antigos.”
(NIETZSCHE, Crepúsculo
dos ídolos, 2010, p.29)
“Sócrates (...) compreendeu que o seu
caso, a idiossincrasia de seu caso, já não era mais uma exceção. A mesma
espécie de degenerescência se preparava em silêncio por toda parte: a velha
Atenas chegava ao fim. — E Sócrates compreendeu que todo mundo necessitava dele — de seu remédio, de sua cura, de seu truque pessoal de autoconservação...
Por toda parte, os instintos estavam em anarquia; por toda parte, as pessoas
estavam a um passo do excesso: o monstrum in animo era o perigo geral.
‘Os impulsos querem se transformar em tiranos; cabe inventar um antitirano que
seja mais forte...’ (...) Como
foi que Sócrates dominou a si
mesmo? — No fundo,
seu caso era apenas o caso extremo, apenas o que mais saltava aos olhos em meio
àquilo que na época começou a se tornar uma calamidade geral: o fato de
ninguém mais se dominar, de os instintos se voltarem uns contra os
outros.” (NIETZSCHE, Crepúsculo
dos ídolos, 2010, p.31)
“O
fanatismo com que toda reflexão grega se lança sobre a racionalidade revela uma
situação de emergência: as pessoas estavam em perigo e só tinham uma alternativa:
ou sucumbir, ou — ser absurdamente racionais... O moralismo dos
filósofos gregos desde Platão é condicionado patologicamente; do mesmo modo,
sua avaliação da dialética. Razão = virtude = felicidade significa apenas: é
preciso imitar Sócrates e produzir uma luz diurna permanente contra os
desejos sombrios — a luz diurna da razão.
É preciso ser sagaz, lúcido e claro a todo custo: qualquer concessão aos
instintos, ao inconsciente, conduz para baixo...
Dei a entender de que modo Sócrates fascinava: ele parecia ser um médico, um salvador. Também é necessário apontar o erro que havia em sua crença na "racionalidade a todo custo"? — É um auto-engano da parte dos filósofos e moralistas pensar que basta combater a décadence para escapar dela. Isso está acima de suas forças: aquilo que escolhem como remédio, como salvação, é apenas outra expressão da décadence — eles modificam a sua manifestação sem que ela própria seja eliminada. Sócrates foi um mal-entendido; toda a moral do melhoramento, também a cristã, foi um mal-entendido... A mais ofuscante luz diurna, a racionalidade a todo custo, a vida lúcida, fria, cautelosa, consciente, sem instinto, em oposição aos instintos, tudo isso era apenas uma doença, mais uma doença — e de forma alguma um retorno à "virtude", à "saúde", à felicidade... Ser forçado a combater os instintos — essa é a fórmula da décadence: enquanto a vida ascende, felicidade é sinônimo de instinto.
(...) Sócrates queria morrer: não foi Atenas, mas ele que se deu a taça de veneno, ele que forçou Atenas a fazê-lo... ‘Sócrates não é médico’, disse baixinho para si mesmo, ‘o único médico aqui é a morte...’ O próprio Sócrates apenas padeceu de uma longa enfermidade...” (NIETZSCHE, Crepúsculo dos ídolos, 2010, p.32-33)
Dei a entender de que modo Sócrates fascinava: ele parecia ser um médico, um salvador. Também é necessário apontar o erro que havia em sua crença na "racionalidade a todo custo"? — É um auto-engano da parte dos filósofos e moralistas pensar que basta combater a décadence para escapar dela. Isso está acima de suas forças: aquilo que escolhem como remédio, como salvação, é apenas outra expressão da décadence — eles modificam a sua manifestação sem que ela própria seja eliminada. Sócrates foi um mal-entendido; toda a moral do melhoramento, também a cristã, foi um mal-entendido... A mais ofuscante luz diurna, a racionalidade a todo custo, a vida lúcida, fria, cautelosa, consciente, sem instinto, em oposição aos instintos, tudo isso era apenas uma doença, mais uma doença — e de forma alguma um retorno à "virtude", à "saúde", à felicidade... Ser forçado a combater os instintos — essa é a fórmula da décadence: enquanto a vida ascende, felicidade é sinônimo de instinto.
(...) Sócrates queria morrer: não foi Atenas, mas ele que se deu a taça de veneno, ele que forçou Atenas a fazê-lo... ‘Sócrates não é médico’, disse baixinho para si mesmo, ‘o único médico aqui é a morte...’ O próprio Sócrates apenas padeceu de uma longa enfermidade...” (NIETZSCHE, Crepúsculo dos ídolos, 2010, p.32-33)
“Os senhores me perguntam quais são
as idiossincrasias [característica
comportamental particular] dos filósofos?... Por exemplo, sua
falta de sentido histórico, seu ódio à própria ideia de devir, seu
egipcianismo. Eles acreditam honrar uma coisa ao despojá-la de seu
aspecto histórico sub specie aeterni [Sob uma
perspectiva eterna] — ao fazer dela uma
múmia. Tudo o que os filósofos manusearam há milênios foram múmias conceituais;
nenhuma realidade escapou viva de suas mãos. Esses idolatras de conceitos matam
e empalham quando adoram — tudo corre perigo de morte quando adoram. A morte, a
mudança, a idade, assim como a geração e o crescimento, são objeções para eles — refutações inclusive. O que é não se torna; o que se torna não é... Todos
acreditam, até com desespero, no ser. Como, porém, não conseguem agarrá-lo,
buscam as razões pelas quais são privados de possuí-lo. "Deve haver uma
aparência, um embuste, que nos impede de perceber o ser: onde está o
embusteiro?" — "Nós o apanhamos", gritam radiantes, "é a
sensibilidade! Esses sentidos, que aliás também são tão imorais, nos
enganam acerca do mundo verdadeiro.
Moral: livrar-se do engano dos sentidos, do devir, da história, da
mentira — a história não passa de crença
nos sentidos, de crença na mentira. Moral: negar tudo que crê nos sentidos, o
resto da humanidade: ela não passa de 'povo'. Ser filósofo, ser múmia,
representar o monotonoteísmo [a fé no
enfadonho] fazendo uso de uma mímica de coveiro! — E fora, sobretudo, com o corpo, essa
deplorável
idée fixe [ideia fixa] dos
sentidos! Esse corpo acometido por todos os erros de lógica existentes,
refutado, até impossível, ainda que seja atrevido o bastante para se portar
como se fosse real!..."
(...) A "razão" é a causa de falsearmos o testemunho dos sentidos.” (NIETZSCHE, Crepúsculo dos ídolos, 2010, p.34-35)
(...) A "razão" é a causa de falsearmos o testemunho dos sentidos.” (NIETZSCHE, Crepúsculo dos ídolos, 2010, p.34-35)
Platão, na visão de Nietzsche, era um ressentido. O homem grego só tinha a família e a política para preencher sua vida. Platão tinha um vazio
existencial: ele queria dar um sentido para sua vida e para isso ele teve que
dar um sentido para a vida humana.
Em sua dor, Platão desprezava a realidade (não se conformava com ela), então ele criou uma outra realidade — um outro mundo que é perfeito —, uma realidade que daria significado ou sentido a sua vida — o significado de buscar a verdade até o momento em que sua alma pudesse voltar para esse mundo perfeito. O mito da caverna fala sobre um mundo de sombras, um mundo que se pensa ser real.
A reminiscência é a maneira pela qual a alma relembra sua vida no outro mundo — que é das formas perfeitas — através da razão ou filosofia que atinge o mais alto grau de perfeição. O que revela a “verdade”, segundo Platão, é a filosofia que observa o que se está além do mundo das aparências. Este mundo é imperfeito, ele é uma cópia do mundo “verdadeiro”, o que se vive aqui e se observa aqui é um “erro”. A virtude tem que ser encontrada no mundo ideal, pois neste mundo, nessa natureza corpórea, ou nessa realidade não pode haver nada que seja verdade.
O erro dos gregos foi tentar explicar e justificar algo concreto como a vida através de algo abstrato como as ideias.
“Em resumo: o escândalo alcançou o auge com Platão... Era necessário desde o início inventar também o homem abstrato e completo: o homem bom, justo, sábio, o dialético — numa palavra, o espantalho da filosofia antiga: uma planta separada do solo; uma humanidade sem instinto determinado e regulador; uma virtude que se "demonstra" por razões. Eis aqui, por excelência, "o indivíduo" perfeitamente absurdo! O mais alto grau da contra-natureza...
Em sua dor, Platão desprezava a realidade (não se conformava com ela), então ele criou uma outra realidade — um outro mundo que é perfeito —, uma realidade que daria significado ou sentido a sua vida — o significado de buscar a verdade até o momento em que sua alma pudesse voltar para esse mundo perfeito. O mito da caverna fala sobre um mundo de sombras, um mundo que se pensa ser real.
A reminiscência é a maneira pela qual a alma relembra sua vida no outro mundo — que é das formas perfeitas — através da razão ou filosofia que atinge o mais alto grau de perfeição. O que revela a “verdade”, segundo Platão, é a filosofia que observa o que se está além do mundo das aparências. Este mundo é imperfeito, ele é uma cópia do mundo “verdadeiro”, o que se vive aqui e se observa aqui é um “erro”. A virtude tem que ser encontrada no mundo ideal, pois neste mundo, nessa natureza corpórea, ou nessa realidade não pode haver nada que seja verdade.
O erro dos gregos foi tentar explicar e justificar algo concreto como a vida através de algo abstrato como as ideias.
“Em resumo: o escândalo alcançou o auge com Platão... Era necessário desde o início inventar também o homem abstrato e completo: o homem bom, justo, sábio, o dialético — numa palavra, o espantalho da filosofia antiga: uma planta separada do solo; uma humanidade sem instinto determinado e regulador; uma virtude que se "demonstra" por razões. Eis aqui, por excelência, "o indivíduo" perfeitamente absurdo! O mais alto grau da contra-natureza...
Em uma palavra: a desnaturação
dos valores morais tinha por consequência criar o tipo desnaturado do homem –
o homem "bom", o homem "feliz", o "sábio".
Sócrates é um momento de profunda perversidade na história dos valores.” (NIETZSCHE, Vontade
potência, 2011, p.320)
“Os filósofos e os moralistas iludem-se ao imaginar que se libertam da decadência quando lutam contra
ela. Tal gesto independe de sua vontade e, embora recusem reconhecê-lo,
percebe-se mais tarde que se colocavam entre os mais vigorosos promotores da decadência.” (NIETZSCHE, Vontade
potência, 2011, p.323)
Judeus antigos
Os
judeus eram um povo ressentido, devido a sua história. No Torá, os judeus sofreram atrás
da sua terra prometida. Concretizando seu
ideal, o povo judeu se estabeleceu às margens do Rio
Jordão, na antiga Palestina, mas
não satisfeitos, resolveram expandir suas fronteiras no reinado de Salomão que
consolidou a Monarquia
Judaica. O império passou a se estender do Egito a Mesopotâmia.
Mais tarde, dividiu-se em dois pequenos reinos que logo foram dominados pelos
Babilônios que expulsaram os judeus deste território.
Esse ressentimento de miséria e guerras levou muitos judeus a abraçarem a filosofia de Cristo, que valorizava o humilde e o desgraçado como sendo o “bom” ao invés do orgulhoso que se sobressai na vida.
Esse ressentimento de miséria e guerras levou muitos judeus a abraçarem a filosofia de Cristo, que valorizava o humilde e o desgraçado como sendo o “bom” ao invés do orgulhoso que se sobressai na vida.
O cristianismo
antigo
O cristianismo foi um resultado dos valores criados
pelos ressentidos, criados pelos judeus e filósofos ascéticos que definharam em seus ideais. Todos os valores criados pelos fracos e ressentidos só tem como
objetivo oprimir e tiranizar os fortes e sãos — todos aqueles que vivem de
maneira justa e tranquila tidos como felizes são caçados —, pois os doentes
querem adoecer quem é sadio. O ressentimento em um momento de fraqueza humana
leva ao ato vingativo e a vingança é a reatividade, o ser reativo é o ser que
vive em função da existência de outros, ele reage devido a existência do outro.
· Ascéticos: pessoas que vivem em prática de devoção
Todo valor que se apresentava na vida foi invertido
pelo cristianismo, tudo que é próprio da natureza sadia foi substituído por uma
natureza vingativa.
Para o cristão, a virtude tem que ser algo superior a natureza corpórea e a realidade presente,
então ela só pode ser divina. Somos feitos imagem e semelhança de Deus, então
Deus tem o comportamento perfeito ao qual devemos almejar, pois a moral divina
é a “verdade” e está só se encontra no além deste mundo material — além deste
corpo e além desta natureza falha.
O Deus
cristão não tem poder sobre o homem, algo bem diferente das religiões antigas,
é o homem quem tem a chave do paraíso por ter livre-arbítrio. O livre-arbítrio
é uma tentativa de dar poder ao homem, sendo sua vontade uma tentativa de felicidade, pois sua felicidade é a realização de uma potência.
O reino dos céus pertence aos pobres de espirito,
que são os coitados do mundo, que estão cheios de sofrer e não aguentam mais
sentirem dor. Nietzsche valoriza a vida como ela é, com dor, prazer, tristezas
e alegrias, para ele a vida por si se justifica, independente do que você
estiver vivendo é uma experiência única que lhe oferece uma oportunidade de “criar”,
então as idealizações apenas distorcem a realidade de um mundo inconstante e
imprevisível.
“O homem superior distingue-se do homem inferior pela intrepidez e desafio à infelicidade (...). O cristianismo com sua perspectiva de bem
aventurança é o horizonte típico para espécie sofredora e empobrecida” (NIETZSCHE,
Vontade
potência, 2011, p.242)
“Quais são os valores negados
pelo ideal cristão? (...) Altivez, pathos [sofrimento] da
distância, grande responsabilidade, exuberância, soberba animalidade,
instintos guerreiros e conquistadores, apoteose [divinização] da paixão, da vingança, da astúcia, da cólera,
da voluptuosidade [prazeres dos
sentidos],
do espírito aventureiro, do conhecimento; nega o ideal nobre: a beleza, a
sabedoria, o poder, o esplendor, o caráter perigoso do tipo homem — o homem que determina os fins, o homem do futuro (aqui
o cristianismo se apresenta como consequência
final do judaísmo).” (NIETZSCHE,
Vontade potência, 2011, p.242-243)
Bem aventurança (sermão da montanha):
3 "Bem-aventurados os
pobres em espírito, pois deles é o Reino dos céus.
4 Bem-aventurados os que choram, pois serão consolados.
5 Bem-aventurados os humildes, pois eles receberão a
terra por herança.
6 Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça,
pois serão satisfeitos.
7 Bem-aventurados os misericordiosos, pois obterão
misericórdia.
8 Bem-aventurados os puros de coração, pois verão a
Deus.
9 Bem-aventurados os pacificadores, pois serão
chamados filhos de Deus.
10 Bem-aventurados os perseguidos por causa da
justiça, pois deles é o Reino dos céus.
11 "Bem-aventurados serão vocês quando, por minha
causa, os insultarem, os perseguirem e levantarem todo tipo de calúnia contra
vocês.
12 Alegrem-se e regozijem-se, porque grande é a sua
recompensa nos céus, pois da mesma forma perseguiram os profetas que viveram
antes de vocês.
Ouvistes que foi dito aos antigos: Não cometerás
adultério. Eu, porém, vos digo, que qualquer que atentar numa mulher para a
cobiçar, já em seu coração cometeu adultério com ela. Portanto, se o teu olho
direito te escandalizar, arranca-o e atira-o para longe de ti; pois te é melhor
que se perca um dos teus membros do que seja todo o teu corpo lançado no
inferno. E, se a tua mão direita te escandalizar, corta-a e atira-a para longe
de ti, porque te é melhor que um dos teus membros se perca do que seja todo o
teu corpo lançado no inferno.
O pecado é a maneira ideal de condenar o que é
natural. Os ideais e as virtudes é que ditam o que é pecado. O pecado é a
própria natureza a qual o homem decadente se envergonha. Devemos, segundo o
cristianismo, nos sentir culpados e sofrer pela nossa natureza vergonhosa.
·
Nossa sociedade é
grego/judaica/cristã, os romanos fundiram os valores gregos e judaicos para
formar o cristianismo.
·
Ideal da verdade
(algo absoluto) + dever = moral cristã.
·
O cristão é aquele
que precisa de grandes emoções, o quixotismo heroico.
O ressentido
O homem que tem miséria em seu espirito se torna
ressentido e em um ato de autopreservação, seu instinto de sobrevivência lhe
transforma em um “ser” cheio de nojo e compaixão pelo homem, assim ele pode
desprezar tudo que na vida um ser fraco não pode ter, tornando sua existência
mais suportável: o homem forte se destaca — supera, e o fraco só pode ser
espectador da vida do forte.
É pelo ressentimento vingativo que o corpo
pode se tornar morada de outros sentimentos, dos quais já citamos vários. Um
deles mencionado pelo filósofo Scheler é o rancor que não pede passagem para
vir à tona, pois o rancor só quer se vingar. Scheler diz que o rancor não
acontece com um escravo que sempre foi escravo e recebe um castigo, o contrário
desta situação já é previsível. Alguém que não é escravo e torna-se escravo não
fica passivo ao despertar do rancor. A inversão das representações de papéis e
poder, também podem despertar o rancor. O ressentimento parece ser um imã que
atrai para si as derivações dos escombros humanos, como a inveja, o ciúme, a
raiva e tudo aquilo que dá manutenção ao mal.
As ideias de humildade, compaixão, o amor ao próximo, o amor incondicional e o altruísmo, entre as outras “virtudes”, são ideais de autoflagelação e vingança contra si mesmo e o mundo. A natureza humana é subvertida na moral do ressentimento.
Através da moral os ressentidos diminuem o forte, se dizem ter “pureza em seus corações” e que suas ações são as mais “justas” entre os homens.
Os fracos se ajuntam, mas os fortes não fazem união, consequentemente os fracos por serem a maioria criam a democracia, que lhes favoreceria, e criam suas próprias regras que minam o poder dos fortes. Existe a “seleção capitalista” que rompe com os valores que impedem a individualidade, mas esta também é reprimida em parte pelos valores morais.
O ressentimento não surge da inveja, mas sim do
ódio.
Vontade de
potência
Todo sentimento que leva a superação é “saudável” e
todo sentimento que retrai e faz querer destruir algo é “doentio”.
Na verdade, o homem não quer a "felicidade". O prazer é um sentimento da potência: quando se excluem as paixões, excluem-se as condições que provocam o sentimento de potência ao mais alto grau, e consequentemente o prazer. A mais alta "razoabilidade" é um estado frio e claro que está longe de provocar aquele sentimento de felicidade que traz consigo toda espécie de embriaguez...” (NIETZSCHE, Vontade potência, 2011, p.322)
A vontade de potência é tudo: eu, movimento, causa e efeito, prazer e desprazer são apenas palavras que tentem explicar em partes o que a vontade de potência é em seu todo.
“(...)
o prazer é apenas um sintoma do sentimento de que a potência foi atingida, é a
percepção de uma diferença (não se aspira ao prazer: este produz-se desde que
se atinge ao que se aspirava: o prazer acompanha, ele não põe em movimento);
que toda a força é vontade de potência, que não há outra força física, dinâmica
ou psíquica...” (NIETZSCHE, Vontade
potência, 2011, p.386)
“O prazer e o desprazer são simples consequências, simples fenômenos secundários. O que o homem quer, o que a menor parcela de organismo vivo quer, é um plus de potência. Na aspiração para um fim, há tanto prazer quanto desprazer; daquela vontade o homem busca a resistência, tem necessidade de algo que se lhe oponha... O desprazer, obstáculo da vontade de potência, é, portanto, um fato normal, o ingrediente normal de todo fenômeno orgânico; o homem não o evita, ao contrário, tem contínua necessidade dele: qualquer vitória, qualquer sentimento de prazer, qualquer acontecimento pressupõe uma resistência vencida.
(...) O que chamamos nutrição é simplesmente a consequência, a aplicação dessa vontade primitiva de tornar-se mais forte.
Logo, o desprazer não é acompanhado de uma diminuição de nosso sentimento de potência; tão de somenos é esse o caso que, geralmente, trata-se de uma excitação dessa vontade de potência – o obstáculo é o stimulus da vontade de potência.” (NIETZSCHE, Vontade potência, 2011, p.388)
“A vontade de acumular forças é especifica para fenômenos da vida, nutrição, procriação, hereditariedade” (NIETZSCHE, Vontade potência, 2011, p.379)
“O sentimento de prazer reside precisamente na não satisfação da vontade, na incapacidade da vontade em se satisfazer quando sem adversário e sem resistência. O "homem feliz": ideal de rebanho.” (NIETZSCHE, Vontade potência, 2011, p.394)
A tentativa budista de atingir o estado de nirvana ou do cristã de atingir a “paz de espírito” é a fuga da própria vida — um instinto de morte que se apossa e conduz a esse “nada” ou “vazio”, a essa ausência de “conflito”.
“As funções animais são mil vezes mais importantes que os belos estados de alma e os ápices da consciência: estes últimos são um excedente enquanto não devem ser instrumentos para essas funções animais. Toda a vida consciente, o espírito assim como a alma e o coração, a bondade assim como a virtude, a serviço de quem elas trabalham? A serviço de um aperfeiçoamento, tão grande quanto possível, das funções animais essenciais (os meios de nutrição, de aumento de energia): antes de tudo, a serviço do aumento da vida.
O que chamamos "corpo" e "carne" tem muito mais importância: o resto é um pequeno acessório. Continuar a tecer a tela da vida, de maneira que o fio se torne cada vez mais potente, eis a tarefa.
(...)
A consciência é simplesmente um meio; os sentimentos agradáveis ou desagradáveis também não são mais que meios! De acordo com que avaliamos objetivamente o valor? Somente de acordo com a quantidade de potência aumentada e organizada.” (NIETZSCHE, Vontade potência, 2011, p.396)
Resumo
Nietzsche vê a moral atual como um ato de vingança contra a nobreza e a vida.
Mesmo o filósofo e o cientista tem o seu Deus — a verdade —, ambos não diferem do supersticioso. A ciência diminui o homem fazendo ele deixar de ser filho de Deus para retornar a ser mais um mero animal, a moral cristã diminui a vida pelo seu desprezo ao “natural” e o filósofo toma a “verdade metafísica” como o “real”.
“O prazer e o desprazer são simples consequências, simples fenômenos secundários. O que o homem quer, o que a menor parcela de organismo vivo quer, é um plus de potência. Na aspiração para um fim, há tanto prazer quanto desprazer; daquela vontade o homem busca a resistência, tem necessidade de algo que se lhe oponha... O desprazer, obstáculo da vontade de potência, é, portanto, um fato normal, o ingrediente normal de todo fenômeno orgânico; o homem não o evita, ao contrário, tem contínua necessidade dele: qualquer vitória, qualquer sentimento de prazer, qualquer acontecimento pressupõe uma resistência vencida.
(...) O que chamamos nutrição é simplesmente a consequência, a aplicação dessa vontade primitiva de tornar-se mais forte.
Logo, o desprazer não é acompanhado de uma diminuição de nosso sentimento de potência; tão de somenos é esse o caso que, geralmente, trata-se de uma excitação dessa vontade de potência – o obstáculo é o stimulus da vontade de potência.” (NIETZSCHE, Vontade potência, 2011, p.388)
“A vontade de acumular forças é especifica para fenômenos da vida, nutrição, procriação, hereditariedade” (NIETZSCHE, Vontade potência, 2011, p.379)
“O sentimento de prazer reside precisamente na não satisfação da vontade, na incapacidade da vontade em se satisfazer quando sem adversário e sem resistência. O "homem feliz": ideal de rebanho.” (NIETZSCHE, Vontade potência, 2011, p.394)
A tentativa budista de atingir o estado de nirvana ou do cristã de atingir a “paz de espírito” é a fuga da própria vida — um instinto de morte que se apossa e conduz a esse “nada” ou “vazio”, a essa ausência de “conflito”.
“As funções animais são mil vezes mais importantes que os belos estados de alma e os ápices da consciência: estes últimos são um excedente enquanto não devem ser instrumentos para essas funções animais. Toda a vida consciente, o espírito assim como a alma e o coração, a bondade assim como a virtude, a serviço de quem elas trabalham? A serviço de um aperfeiçoamento, tão grande quanto possível, das funções animais essenciais (os meios de nutrição, de aumento de energia): antes de tudo, a serviço do aumento da vida.
O que chamamos "corpo" e "carne" tem muito mais importância: o resto é um pequeno acessório. Continuar a tecer a tela da vida, de maneira que o fio se torne cada vez mais potente, eis a tarefa.
(...)
A consciência é simplesmente um meio; os sentimentos agradáveis ou desagradáveis também não são mais que meios! De acordo com que avaliamos objetivamente o valor? Somente de acordo com a quantidade de potência aumentada e organizada.” (NIETZSCHE, Vontade potência, 2011, p.396)
Resumo
Nietzsche vê a moral atual como um ato de vingança contra a nobreza e a vida.
Mesmo o filósofo e o cientista tem o seu Deus — a verdade —, ambos não diferem do supersticioso. A ciência diminui o homem fazendo ele deixar de ser filho de Deus para retornar a ser mais um mero animal, a moral cristã diminui a vida pelo seu desprezo ao “natural” e o filósofo toma a “verdade metafísica” como o “real”.
Embora com variantes, essa concepção
filosófica pode ser resumida nos seguintes pontos principais, tendo como
referência a obra nietzschiana A genealogia da moral:
• a moral racionalista foi
erguida com finalidade repressora e não para garantir o exercício da liberdade;
• a moral racionalista transformou tudo o que é natural e
espontâneo nos seres humanos em vício, falta, culpa, e impôs a eles, com os
nomes de virtude e dever, tudo o que oprime a natureza humana;
• paixões, desejos e vontade referem-se ávida e à expansão de
nossa força vital, portanto, não se referem, espontaneamente, ao bem e ao mal,
pois estes são uma invenção da moral racionalista;• a moral racionalista foi inventada pelos fracos para
controlar e dominar os fortes, cujos desejos, paixões e vontade afirmam a vida, mesmo na crueldade e na agressividade. Por medo da força vital dos fortes, os fracos condenaram paixões e desejos, submeteram a vontade à razão, inventaram o dever e impuseram castigos aos transgressores;
• transgredir normas e regras estabelecidas é a verdadeira expressão da liberdade e somente os fortes são capazes dessa ousadia. Para disciplinar e dobrar a vontade dos fortes, a moral racionalista, inventada pelos fracos, transformou a transgressão em falta, culpa e castigo;
• a força vital se manifesta como saúde do corpo e da alma, como força da imaginação criadora. Por isso, os fortes desconhecem angústia, medo, remorso, humildade, inveja. A moral dos fracos, porém, é atitude preconceituosa e covarde dos que temem a saúde e a vida, invejam os fortes e procuram, pela mortificação do corpo e pelo sacrifício do espírito, vingar-se da força vital;
• a moral dos fracos é produto do ressentimento, que odeia e teme a vida, envenenando-a com a culpa e o pecado, voltando contra si mesma o ódio à vida;
• a moral dos ressentidos, baseada no medo e no ódio à vida, inventa uma outra vida, futura, eterna, incorpórea, que será dada como recompensa aos que sacrificarem seus impulsos vitais e aceitarem os valores dos fracos;
• a sociedade, governada por fracos hipócritas, impõe aos fortes modelos éticos que os enfraqueçam e os tornem prisioneiros dóceis da hipocrisia da moral vigente;
• é preciso manter os fortes, dizendo-lhes que o bem é tudo o que fortalece o desejo da vida e é mal tudo o que é contrário a esse desejo.
Para esses filósofos, que podemos chamar de antirracionalistas, a moral racionalista ou dos fracos e ressentidos que temem a vida, o corpo, o desejo e as paixões é a moral dos escravos, dos que renunciam à verdadeira liberdade ética.
• moral dos escravos
São exemplos dessa moral de escravos: a ética socrática, a moral kantiana, a moral judaico-cristã, a ética da utopia socialista, a ética democrática, em suma, toda moral que afirme que os humanos são iguais, seja por serem racionais (Sócrates, Kant), seja por serem irmãos (religião judaico-cristã), seja por possuírem os mesmos direitos (ética socialista e democrática). Contra a concepção dos escravos, afirma-se a moral dos senhores ou a ética dos melhores, a moral aristocrática, fundada nos instintos vitais, nos
desejos e naquilo que Nietzsche chama de vontade de potência, cujo modelo se encontra nos guerreiros belos e bons das
sociedades antigas, baseadas na guerra, nos combates e nos jogos, nas disputas
pela glória e pela fama, na busca da honra e da coragem.
Referências biográficas:
SAGRADA, BÍBLIA. Disponível em:< http://www. bibliaonline. com. br>.Acesso em, v. 8, 2012.
BUCKINGHAM, Will; BURNHAM, Douglas. O livro da Filosofia. São Paulo: Globo, 2011, p. 214 - 221.
CHAUI, Marilena. Filosofia: Novo Ensino Médio, Volume único. São Paulo: Ática, 2010, p. 223-224.
NIETZSCHE, Friedrich. Ecce homo: como alguém se torna o que é. Companhia das Letras, 2004.
NIETZSCHE, Friedrich. Crepúsculo dos ídolos, ou, como se filosofa com o martelo. trad. Renato Zwick. Porto Alegre: LP&M, 2012.
NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da moral: uma polêmica, tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
NIETZSCHE, Friedrich; DOS SANTOS, Mário Ferreira. Vontade de potência. 2011.