domingo, 5 de abril de 2015

Karl Popper e Thomas Kuhn

Karl Popper 

O falsificacionismo

Depois de termos visto alguns problemas sobre a indução, vamos estudar agora alguns filósofos que reconheceram a importância da atividade científica. Mesmo admitindo que ela não é capaz de dar todas as respostas e entendendo-a como baseada na indução, acreditamos que, ainda assim, a ciência oferece as melhores respostas disponíveis.

Para os falsificacionistas – entre os quais Karl Popper é um dos mais importantes –, o valor de um conhecimento científico não vem da observação de experiências, mas da possibilidade de a teoria ser contrariada, ou melhor, falseada. Em um primeiro momento, acreditava-se que a ciência comportaria todas as verdades, com base na criação de teorias e leis que surgiriam pela observação de experiências – esta é a crença de indutivistas. Com a ideia de que a teoria precede a experiência, os falsificacionistas admitem que toda explicação científica é hipotética e não uma conclusão; no entanto, é o melhor que temos.

Quanto mais uma teoria pode ser falseada, melhor seria ela. Por exemplo, ignorando a pressão atmosférica e outros fatores, se dissermos que “a água ferve a 100 graus Celsius”, qual a contradição possível, ou melhor, o que tornaria falsa essa afirmação? A resposta seria: ao chegar a 100 graus Celsius, a água não ferveria, ou ferveria antes.

No momento em que uma teoria é falseada, o cientista tentará melhorá-la ou a abandonará. Mas enquanto ela não é falseada, permanece o seu valor explicativo. O fundamental é que tenhamos em mente o seu limite. As teorias têm de dizer algo bem objetivo sobre o mundo, para sermos capazes de conceber sua falsificabilidade.


Critérios para uma boa teoria


·  Tem de ser clara e precisa, não podendo ser obscura ou deixar margem para várias interpretações. Quanto mais específica, melhor.

·  Deve permitir a falsificabilidade; quanto mais, melhor.

·  Deve ser ousada, para conseguir progredir em busca de um conhecimento mais aprofundado sobre a realidade.

Teorias que não podem ser falseadas não são boas teorias. Por exemplo, se disser que “o ladrão rouba”, não se estará dizendo muita coisa sobre o mundo. Apesar de parecer clara, essa afirmação não pode ser falseada; afinal, está contida na palavra ladrão a ideia de que ela qualifica os seres que roubam. Ninguém precisa dizer “o ladrão rouba” para sabermos que ele rouba. É impossível contradizer essa afirmação, pois é completamente irracional pensarmos em um ladrão que não rouba.

Outro exemplo: se dissermos “é possível ter sorte no esporte”, também não diremos muita coisa. Não estamos sendo precisos, pois muitas outras coisas são possíveis no esporte. A própria ideia de que algo é possível permite quase tudo, mas, como medir a sorte ou saber que não foi o acaso? Essa frase serve tanto para perder ou ganhar, não é capaz de ser falseada. Pode ser a sorte de um time ou de outro; pode ser até mesmo a sorte dos dois, mas nunca deixará de ser sorte de alguém.

Thomas Kuhn

O não científico na Ciência

Vamos discutir a reflexão de Thomas Kuhn a respeito da Ciência.

Em primeiro lugar, é importante salientar que a ciência é uma atividade racional e humana. Essa atividade, como muitas outras, é influenciada por problemas humanos de natureza variada, como emocionais, políticos, linguísticos, sociais e religiosos.

Kuhn percebeu que essas influências são inerentes à racionalidade humana e se propôs a pensar a ciência com base nelas e de acordo com a seguinte linha de desenvolvimento: pré-ciência, ciência normal, crise, revolução científica e nova ciência normal.

O conceito mais importante é o de paradigma, que é o modelo da ciência normal. Durante um tempo, todos os cientistas procuram orientar suas pesquisas com base em um modelo, de maneira a preservar a verdade científica. O que não se encaixar nesse modelo será excluído; será considerado anomalia, mas isso também pode indicar que o cientista não aplicou corretamente o modelo e sua metodologia. Mas, por motivos nem sempre racionais, os cientistas mudam de paradigma, após uma crise da ciência normal, o que, em geral, é fundamentado na anomalia.

Quando ocorre essa mudança, segundo Kuhn, chega-se a uma nova ciência normal, a partir desse momento praticada de acordo com um novo paradigma.

Precisamos considerar que a racionalidade científica encontra problemas dentro e fora de seu espaço de ação. Dentro de seu espaço de ação são as anomalias e fora desse espaço são as necessidades humanas da pesquisa científica. As instituições, empresas e governos procuram fazer com que a ciência seja feita em função de seus interesses, não apenas por mera curiosidade.

Kuhn e os paradigmas

A história da ciência, argumentava Kuhn, pontua-se por revoluções intelectuais violentas que se transformam em longos períodos de resolução conservadora de problemas. Períodos da chamada ciência "normal" caracterizam-se menos por pesquisa independente e objetiva do que por adesão a hipóteses admitidas e resultados esperados. Durante momentos da ciência normal, descobertas anômalas ou inesperadas são deixadas de lado por serem irrelevantes ou problemas a serem resolvidos em outra época. Pesquisas originais que questionam as hipóteses correntes das teorias aceitas costumam ser desmascaradas como especulação rasteira e inútil. Isso dá origem à noção de paradigma de Kuhn. O paradigma corrente é uma rede de hipóteses e crenças entrelaçadas, partilhadas por uma comunidade particular, que subjaz e estabelece a agenda para a pesquisa. Segundo Kuhn, somente resultados que tendem a fortalecer o paradigma corrente obtêm aceitação durante os períodos de ciência normal. O próprio paradigma nunca é questionado ou criticado. No entanto, de tempos em tempos os paradigmas são derrubados por revoluções intelectuais. Quando o paradigma fracassa em fornecer padrões adequados para fenômenos observados ou quando um modelo novo, mais poderoso, tem força explanatória maior mas requer um "deslocamento de paradigma", ocorre uma revolução. A teoria heliocêntrica do sistema solar, de Copérnico, que substituiu a ideia ptolomaica de que o Sol gira em torno da Terra, ou a substituição, por Einstein, da teoria da gravidade, ou o espaço e o movimento de Newton, podem ser exemplos de tais revoluções.

Kuhn argumenta que os cientistas que operam em períodos históricos distintos, com diferentes paradigmas, habitam mundos psicologicamente diferentes. Ele diz: "Depois de Copérnico, os astrônomos passaram a viver num mundo diferente." Sua ideia é que o mundo de Ptolomeu não é o mesmo mundo de Copérnico, porque, quando Ptolomeu observa o Sol, ele observa um objeto que gira em torno da Terra, enquanto Copérnico vê a estrela central do sistema solar. Este subjetivismo em ciência torna a ideia de verdade absoluta uma noção questionável e, segundo Kuhn, dispensável. Por ser impossível investigar a natureza da realidade sem operar com algum paradigma, deveríamos ver a ciência como a evolução das ideias em resposta ao mundo. Se pensarmos, em grande medida, a evolução de ideias da mesma forma que a evolução de organismos, então, de acordo com Kuhn, não haverá mais razão para acreditar que as ideias estejam evoluindo em direção a alguma verdade última, mas sim pensar que os organismos estejam evoluindo em direção a algum ser último.

Referência: 

STOKES, Philip. Os 100 pensadores essenciais da filosofia: dos pré-socráticos aos novos cientistasDIFEL, 2013.



EPICURO


Filósofo nascido na ilha grega de Samos em 341 a.C. Com longa trajetória em Atenas. Foi aluno da Academia, após a morte de Platão. É tradicionalmente apresentado como porta-voz maior do pensamento materialista. Hostil ao platonismo. Sua tese central é tentadora: a busca do prazer é condição e definição da própria felicidade.

Prazer e construção da ataraxia

O bem-estar, a tranquilidade do corpo e da alma, em grego ataraxia, deve ser vivido sempre que possível no instante presente. Mas para isso, é preciso algum investimento.

·  Ataraxia: ausência de inquietude, tranquilidade de ânimo, paz e imperturbabilidade de espírito
Se num momento você tem a sensação de que começou a chover na sua horta, saiba que, isto tem necessariamente a ver com a maneira como você viveu em momentos já vividos. Por outro lado, se o mar não estiver para peixe, não pense que as opções de outrora não tiveram nada a ver com isso.

Prazer e educação para a felicidade

Toda sabedoria deve se adequar à vida, à ética, e não o contrário. Afinal, pensamos para viver melhor, diz Epicuro. E não vivemos para pensar melhor.

Pensar, filosofar, é importante. Mas exclusivamente como meio para a vida. Para uma vida melhor. Porque permite viver melhor. E a vida feliz é o fim. O bem soberano. Aquilo que devemos e podemos alcançar. E que não pode ser meio para nada.

Prazer e morte

Na hora de cogitar sobre como gastar o tempo que resta, damo-nos conta de nossa pouca autonomia. Você dirá que deveria ser diferente. Mas não é. Como somos sociais — antes mesmo que você comece a esboçar alguma ideia sobre como viver — sua reflexão é atropelada por um turbilhão de propostas. Manifestações interessadas na sua adesão.

Apesar de todas essas sugestões para melhor distrair a existência, são muitas as ocasiões que nos relembram de nossa condição. Finita. Temporária. Daí toda nossa aflição. Nosso medo da morte. Que nos leva a invocar os deuses e outras entidades sobrenaturais. A atribuir-lhes a responsabilidade pelo nosso maior temor.

Sendo os deuses perfeitos e imortais, é contraditório que se preocupem com fluxos e impermanências. Mais ainda, que façam o mal para alguém. Aquele que é perfeitamente bom não causa dor ou tristeza. Nem como punição.

Temer a morte é temer algo que não existe para o homem. Impossibilitado de senti-la e conhecê-la. Experiência que escapa à condição humana.

Na física epicurista, herdeira de Leucipo e Demócrito, a realidade é constituída por átomos e vazio. E isto é tudo. Esse vazio permite aos átomos movimentarem-se. Todas as manifestações no mundo são redutíveis a esse movimento dos átomos. É a partir desta física que podemos entender uma ética de Epicuro.

O real todo ele atômico — só existe para nós a partir de informações que nos proporcionam os cinco sentidos. O mundo é o que vejo, o que ouço, o que cheiro, o que sinto etc. É a experiência que define o mundo para mim. E se tudo é átomo em movimento, a percepção que tenho do mundo também não passa disso.

São partículas atômicas, matéria fina, que se despregam do corpo observado e se chocam com os sentidos do observador. Assim, se neste instante estou vendo o computador é porque meus olhos estão sendo bombardeados de fragmentos desse computador.

Se há deuses, também são átomos em movimento. Estamos aqui bem longe das concepções de alma — eterna e imaterial — e de verdades absolutas.

Se todo o conhecimento e sensação provêm dos sentidos então o mundo em que vivemos é o mundo que sentimos.
O que já vinha deixando de ser durante a vida, deixa de ser de uma vez.

Uma vez mortos — ainda que a matéria que nos constituía tenha nos traído na constituição de outros corpos — não podemos usar nossos sentidos. Não estamos mais vivos para sentir o mundo. Desaparece toda sensação.

Pois bem. Se todo prazer e dor provêm da sensação, o fim da vida não pode ser nem agradável, nem desagradável. Por isso, é tolice temer a morte. Preocupar-se com a morte, portanto, é não viver a vida. É renunciar a felicidade em ato.

Portanto, o mal que nos faz ter arrepios, ou seja, a morte, é nada para nós, a partir do momento que, quando vivemos, a morte não existe. E quando, ao contrário, existe a morte, nós não existimos mais. A morte, portanto, não se refere a nós, nem quando estamos vivos, nem quando estamos mortos, porque para os vivos ela não existe, e os mortos, ao contrário, não existem mais. Os outros, por sua vez, fogem por vezes da morte como do pior dos males; outras vezes a procuram como alívio das desgraças da vida. O sábio, ao invés, nem rejeita a vida, nem teme o não viver mais; com efeito, a vida não lhe é molesta, e ele também não crê que a morte seja um mal” (EPICURO. Carta a Meneceu).

Prazer e tipos de desejo

O filósofo sugere que trabalhemos nossos desejos. Porque são eles que estão na origem do nosso sofrimento.

“É por isso que nós dizemos que o prazer é o princípio e fim último da vida feliz. Nós sabemos que ele é o nosso bem primeiro e congênito; dele partimos em qualquer ação de escolha e de rejeição, e a ele nos reportamos ao julgarmos todo bem como base nas afeições assumidas como norma” (EPICURO. Carta a Meneceu).

Para Epicuro, existem três tipos de desejo. Desejos naturais e necessários. Desejos naturais e não necessários. Desejos não naturais e não necessários. A felicidade possível tem a ver com o tipo de desejo que você se dispuser a satisfazer.

O desejo será natural quando for comum aos animais. Quando eu desejo, sinto uma inclinação do corpo acompanhada de algo que passa pela minha cabeça.

O desejo será necessário quando — caso não satisfeito — nos leve à morte. Assim, de acordo com Epicuro, beber, comer e dormir são os desejos que atendem às condições de naturalidade e de necessidade.

A satisfação desses desejos deve ser realizada da forma mais singela possível.

Desejamos sexo. Mas, segundo Epicuro, não morremos na sua abstinência.

A teoria hedonista de Epicuro se diferencia das concepções moderna e pós-moderna de hedonismo. De acordo com a primeira, a moderação é fundamental para uma vida sadia. Os excessos face aos desejos naturais e necessários de comer, beber e dormir, resultam de um descontrole do corpo e do espírito frente às paixões. Denunciam uma potencial tristeza.

Quanto aos desejos não naturais e não necessários, satisfazê-los, nem pensar. São exclusivos do homem e, se não satisfeitos, não levam a morte. Isto porque, tudo aquilo que não é natural não deve ser considerado como essencial. Não faz parte do projeto original da natureza e por isso mesmo não nos faz feliz.

Nada que não seja essencial para viver serve para a felicidade.


Referência Bibliográfica:

DE BARROS FILHO, Clóvis. A vida que vale a pena ser vivida. Editora Vozes, 2010.