Karl Popper
O falsificacionismo
Depois
de termos visto alguns problemas sobre a indução, vamos estudar agora alguns
filósofos que reconheceram a importância da atividade científica. Mesmo
admitindo que ela não é capaz de dar todas as respostas e entendendo-a como baseada na indução, acreditamos que, ainda assim, a ciência oferece as melhores
respostas disponíveis.
Para os
falsificacionistas – entre os quais Karl Popper é um dos mais importantes –, o
valor de um conhecimento científico não vem da observação de experiências, mas
da possibilidade de a teoria ser contrariada, ou melhor, falseada. Em um
primeiro momento, acreditava-se que a ciência comportaria todas as verdades,
com base na criação de teorias e leis que surgiriam pela observação de
experiências – esta é a crença de indutivistas. Com a ideia de que a teoria
precede a experiência, os falsificacionistas admitem que toda explicação
científica é hipotética e não uma conclusão; no entanto, é o melhor que temos.
Quanto
mais uma teoria pode ser falseada, melhor seria ela. Por exemplo, ignorando a
pressão atmosférica e outros fatores, se dissermos que “a água ferve a 100
graus Celsius”, qual a contradição possível, ou melhor, o que tornaria falsa
essa afirmação? A resposta seria: ao chegar a 100 graus Celsius, a água não
ferveria, ou ferveria antes.
No
momento em que uma teoria é falseada, o cientista tentará melhorá-la ou a
abandonará. Mas enquanto ela não é falseada, permanece o seu valor explicativo.
O fundamental é que tenhamos em mente o seu limite. As teorias têm de dizer
algo bem objetivo sobre o mundo, para sermos capazes de conceber sua
falsificabilidade.
Critérios
para uma boa teoria
· Tem de ser clara e precisa, não podendo
ser obscura ou deixar margem para várias interpretações. Quanto mais
específica, melhor.
· Deve permitir a falsificabilidade;
quanto mais, melhor.
· Deve ser ousada, para conseguir
progredir em busca de um conhecimento mais aprofundado sobre a realidade.
Teorias que não podem ser falseadas não são boas teorias. Por exemplo, se disser que “o
ladrão rouba”, não se estará dizendo muita coisa sobre o mundo. Apesar de
parecer clara, essa afirmação não pode ser falseada; afinal, está contida na
palavra ladrão a ideia de que ela qualifica os seres que roubam. Ninguém
precisa dizer “o ladrão rouba” para sabermos que ele rouba. É impossível
contradizer essa afirmação, pois é completamente irracional pensarmos em um
ladrão que não rouba.
Outro
exemplo: se dissermos “é possível ter sorte no esporte”, também não diremos
muita coisa. Não estamos sendo precisos, pois muitas outras coisas são
possíveis no esporte. A própria ideia de que algo é possível permite quase
tudo, mas, como medir a sorte ou saber que não foi o acaso? Essa frase serve
tanto para perder ou ganhar, não é capaz de ser falseada. Pode ser a sorte de
um time ou de outro; pode ser até mesmo a sorte dos dois, mas nunca deixará de
ser sorte de alguém.
Thomas Kuhn
O não científico na Ciência
Vamos
discutir a reflexão de Thomas Kuhn a respeito da Ciência.
Em
primeiro lugar, é importante salientar que a ciência é uma atividade racional e
humana. Essa atividade, como muitas outras, é influenciada por problemas humanos de natureza variada, como emocionais, políticos, linguísticos, sociais
e religiosos.
Kuhn
percebeu que essas influências são inerentes à racionalidade humana e se propôs
a pensar a ciência com base nelas e de acordo com a seguinte linha de
desenvolvimento: pré-ciência, ciência normal, crise, revolução científica e
nova ciência normal.
O
conceito mais importante é o de paradigma, que é o modelo da ciência
normal. Durante um tempo, todos os cientistas procuram orientar suas pesquisas
com base em um modelo, de maneira a preservar a verdade científica. O que não
se encaixar nesse modelo será excluído; será considerado anomalia, mas isso
também pode indicar que o cientista não aplicou corretamente o modelo e sua metodologia. Mas, por motivos nem sempre racionais, os cientistas mudam de
paradigma, após uma crise da ciência normal, o que, em geral, é
fundamentado na anomalia.
Quando
ocorre essa mudança, segundo Kuhn, chega-se a uma nova ciência normal, a partir desse momento praticada de acordo com um novo paradigma.
Precisamos
considerar que a racionalidade científica encontra problemas dentro e fora de
seu espaço de ação. Dentro de seu espaço de ação são as anomalias e fora desse
espaço são as necessidades humanas da pesquisa científica. As instituições,
empresas e governos procuram fazer com que a ciência seja feita em função de
seus interesses, não apenas por mera curiosidade.
Kuhn e os paradigmas
A história da ciência, argumentava Kuhn, pontua-se por revoluções intelectuais violentas que se transformam em longos períodos de resolução
conservadora de problemas. Períodos da chamada ciência "normal"
caracterizam-se menos por pesquisa independente e objetiva do que por adesão a
hipóteses admitidas e resultados esperados. Durante momentos da ciência
normal, descobertas anômalas ou inesperadas são deixadas de lado por serem irrelevantes ou problemas a serem resolvidos em outra época. Pesquisas originais que questionam as hipóteses correntes das teorias aceitas costumam ser
desmascaradas como especulação rasteira e inútil. Isso dá origem à noção de
paradigma de Kuhn. O paradigma corrente é uma rede de hipóteses e crenças
entrelaçadas, partilhadas por uma comunidade particular, que subjaz e
estabelece a agenda para a pesquisa. Segundo Kuhn, somente resultados que
tendem a fortalecer o paradigma corrente obtêm aceitação durante os períodos de ciência normal. O próprio paradigma nunca é questionado ou criticado. No
entanto, de tempos em tempos os paradigmas são derrubados por revoluções
intelectuais. Quando o paradigma fracassa em fornecer padrões adequados para fenômenos observados ou quando um modelo novo, mais poderoso, tem força explanatória
maior mas requer um "deslocamento de paradigma", ocorre uma
revolução. A teoria heliocêntrica do sistema solar, de Copérnico, que
substituiu a ideia ptolomaica de que o Sol gira em torno da Terra, ou a
substituição, por Einstein, da teoria da gravidade, ou o espaço e o movimento
de Newton, podem ser exemplos de tais revoluções.
Kuhn argumenta que os cientistas
que operam em períodos
históricos distintos, com diferentes paradigmas, habitam mundos psicologicamente diferentes. Ele diz: "Depois de Copérnico, os astrônomos passaram a viver num mundo diferente." Sua ideia é que o mundo de Ptolomeu não é o mesmo mundo de Copérnico, porque, quando Ptolomeu observa o Sol, ele observa um objeto que gira em torno da Terra, enquanto Copérnico vê a
estrela central do sistema solar. Este subjetivismo em ciência torna a ideia de verdade
absoluta uma noção questionável e, segundo
Kuhn, dispensável. Por ser impossível investigar a natureza da
realidade sem operar com algum paradigma, deveríamos ver a ciência como a
evolução das ideias em resposta ao mundo. Se pensarmos, em grande medida, a evolução de ideias da mesma forma que a evolução de
organismos, então, de acordo com Kuhn, não haverá mais razão para acreditar que as ideias estejam evoluindo em direção a
alguma verdade última, mas sim pensar que os organismos estejam evoluindo em
direção a algum ser último.
Referência:
STOKES, Philip. Os 100 pensadores essenciais da filosofia: dos pré-socráticos aos novos cientistas. DIFEL, 2013.
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