A
importância da linguagem
Na
abertura da sua obra Política, Aristóteles afirma que somente o homem é um
“animal político”, isto é, social e cívico, porque somente ele é dotado de
linguagem. Os outros animais, escreve Aristóteles, possuem voz (phoné) e com
ela exprimem dor e prazer, mas o homem possui a palavra (lógos) e, com ela,
exprime o bom e o mau, o justo e o injusto. Exprimir e possuir em comum esses
valores é o que toma possível a vida social e política e, dela, somente os
homens são capazes.
Na
mesma linha é o raciocínio de Rousseau, no primeiro capítulo do Ensaio sobre a
origem das línguas “A palavra distingue os homens e os animais; a linguagem
distingue as nações entre si. Não se sabe de onde é um homem antes que ele
tenha falado”.
“A
linguagem é inseparável do homem, segue-o em todos os seus atos", sendo
"o instrumento graças ao qual o homem modela seu pensamento, seus
sentimentos, suas emoções, seus esforços, sua vontade e seus atos, o
instrumento graças ao qual ele influência e é influenciado, a base mais
profunda da sociedade humana".
A
linguagem, diz ele, está sempre à nossa volta, sempre pronta a envolver nossos
pensamentos e sentimentos, acompanhando-nos em toda a nossa vida. Ela não é um
simples acompanhamento do pensamento, "mas sim um fio profundamente tecido
na trama do pensamento", é ”o tesouro da memória e a consciência vigilante
transmitida de geração a geração".
A
linguagem é, assim, a forma propriamente humana da comunicação, da relação com
o mundo e com os outros, da vida social e política, do pensamento e das artes.
A
força da linguagem
Podemos
avaliar a força da linguagem tomando como exemplo os mitos e as religiões. A
palavra grega mythos, como já vimos, significa “narrativa” e, portanto, ”linguagem”.
Trata-se da palavra que narra à origem dos deuses, do mundo, dos homens, das
técnicas e da vida do grupo social ou da comunidade. Pronunciados em momentos
especiais – os momentos relação com o sagrado –, os mitos são mais do uma simples narrativa, são a maneira pela qual, meio das palavras, os seres humanos
organizam a realidade e a interpretam.
O
mito tem o poder de fazer com que as coisas sejam tais como são ditas ou
pronunciadas. O melhor exemplo dessa força criadora da palavra encontra-se na abertura
do Gênese, na Bíblia judaico-cristã, em que Deus cria o mundo do nada, apenas
usando a linguagem: "E Deus disse: Faça-se!", e foi feito. Porque Ele
disse, foi feito. A palavra divina é uma força criadora.
Nos
rituais indígenas e africanos, os deuses e heróis comparecem e se reúnem aos
mortais quando invocados pelas palavras corretas, pronunciadas pelo celebrante.
A
linguagem, longe de ser um mecanismo instintivo e biológico, seria um fato puro
da inteligência, uma atividade intelectual simbólica e de compreensão, uma pura
tradução de pensamentos.
Filosofia
linguística
Também
conhecida como análise linguística. A visão de que os problemas filosóficos
surgem do uso confuso da linguagem e devem ser solucionados, ou decompostos,
segundo uma análise cuidadosa da linguagem na qual foram expressos.
Ferdinand de Saussure (1857-1913)
“Toda
mensagem é composta por signos” Ferdinand de Saussure
Saussure
foi um filósofo suíço do século XIX que considerava a linguagem como sendo
composta por sistemas de "signos", os quais atuam como unidades
básicas da linguagem. Seus estudos fundamentaram uma nova teoria, conhecida
como semiótica. Essa teoria de signos foi desenvolvida por outros filósofos
durante o século XX, como o filósofo russo Roman Jakobson, que resumiu a
abordagem semiótica quando disse que “toda mensagem é composta de sinais”.
Saussure
afirmo que um signo é composto de duas coisas. Em primeiro lugar, um “significante”, que
é uma imagem acústica: não é o som real, mas a “imagem" mental que temos
do som. Em segundo lugar, o “significado", ou conceito. Aqui, Saussure
abandonou uma longa tradição que diz que a linguagem trata das
relações
entre palavras e coisas. Ele inovou ao dizer que ambos os aspectos de um signo
são mentais (nosso conceito de "cão", por exemplo, e a imagem acústica
do som “cão"). Saussure afirma que qualquer mensagem – por exemplo, "meu cão se chama Fred" – é um sistema de relações entre imagens
acústicas e conceitos. No entanto, Saussure afirma que a relação
entre significado
e significante é
arbitrária;
não
há
nada particularmente “canino” em relação ao som “cão” – daí que a palavra pode
ser chíen em francês ou gou em chinês.
A
obra de Saussure sobre linguagem tornou-se a base da linguística moderna e
influenciou muitos filósofos
e teóricos
literários.
“Na vida dos indivíduos e da sociedade,
a linguagem é um fator de importância maior do que qualquer outro.” Saussure
Ludwig Wittgenstein (1889-1951)
“Os
limites da minha linguagem significam os limites do mundo” Ludwig Wittgenstein
O
Tratado lógico-filosófico de Wittgenstein é, talvez, um dos
textos mais intimidadores da história da filosofia do século
XX. Com cerca de apenas setenta páginas na célebre
tradução
inglesa (intitulada Tractatus
logico-philosophicus), a obra é composta de uma série de observações altamente
condensadas e técnicas.
Wittgenstein
quis definir os limites da linguagem e, por
consequência,
todo o pensamento. Ele o fez porque suspeitava que grande parte da discussão
e da discordância filosófica baseia-se em erros fundamentais no
modo como lidamos com o pensamento e na maneira de discutir o mundo.
“A solução do problema da vida é vista no desaparecimento do problema” Wittgenstein
Estrutura lógica
Para
Russell, figura
importante no desenvolvimento da lógica filosófica, a linguagem cotidiana era inadequada
para falar clara e precisamente sobre o mundo. Ele acreditava que a lógica constituía
uma “linguagem perfeita” por excluir todos os traços de ambiguidade e, então,
desenvolveu um modo de traduzir a linguagem cotidiana em algo que considerou
uma forma lógica.
A
lógica ocupa-se do que é conhecido na filosofia como proposições (proposta, sugestão). Podemos pensar em proposições como asserções (proposição afirmativa ou negativa de sentido completo e intenção
declarativa, que pode ser verdadeira ou falsa) que
têm possibilidade de ser consideradas verdadeiras ou falsas. Por exemplo, a afirmação “o elefante está muito bravo" é uma proposição, mas a palavra “elefante" não é.
Aqui
podemos ver um paralelo entre o modo como Wittgenstein tratou a linguagem e o modo como tratou o mundo. Pode ser um fato, por exemplo, que o elefante está
bravo, ou que há um elefante no recinto, mas um elefante, por si só, não
constitui um fato.
Todos
os elementos representados num mapa estão relacionados uns aos outros, da mesma
forma que estão na localidade representada pelo mapa. O que uma imagem
compartilha com aquilo que representa, disse Wittgenstein, é uma forma lógica.
As
ondas de som geradas pela execução de uma sinfonia, a partitura daquela
sinfonia e o padrão formado pelos sulcos do disco numa gravação da sinfonia reproduzida por gramofone compartilham, entre eles, a mesma forma lógica.
Obviamente,
nossa imagem também pode estar incorreta. As imagens são verdadeiras ou falsas.
A
linguagem e o mundo, então, têm uma forma lógica: a linguagem pode falar sobre
o mundo retratando o mundo, e retratando-o de um modo que concorde com a
realidade.
Considere
a seguinte ideia: “Você deve doar metade de seu salário para a caridade".
Isso não retrata nada no mundo, no sentido expresso por Wittgenstein. O que
pode ser dito (o que Wittgenstein chamou de "totalidade das proposições
verdadeiras") é meramente a soma de todas as coisas que são o caso, ou
seja, as ciências naturais.
A
discussão sobre religião e valores éticos é, para Wittgenstein, estritamente sem sentido. Como as coisas sobre as quais estamos tentando falar quando discutimos tais tópicos estão além dos limites do mundo, elas também estão além
dos limites da nossa linguagem.
“A lógica não é um conjunto de
doutrinas, mas uma imagem-espelho do mundo”Wittgenstein
Além
das palavras
Wittgenstein
não considerou que os “problemas da vida" sejam absurdos. Ao contrário,
acreditou que esses são os problemas mais importantes entre todos – mas simplesmente
não podem ser colocados em proposições e, por isso, não podem se tornar parte
da filosofia. Wittgenstein escreveu que essas
coisas, mesmo que não possamos falar delas, tornam-se
manifestas, acrescentando que “elas são o
que é
místico".
“Sobre aquilo que não se pode falar,
deve-se calar.” Wittgenstein
Mudança
de direção
Após
completar o Tractatus, Wittgenstein
concluiu que não havia mais problemas filosóficos para resolver e abandonou a
disciplina. No entanto, ao longo das décadas de 1920 e 1930 começou
a questionar seu próprio pensamento, tornando-se um de seus críticos mais
ferozes. Em particular, questionou sua antiga crença, solidamente mantida, de
que a linguagem consiste unicamente em proposições, uma visão que ignora muito
do que fazemos em nossa linguagem diária, de contar piadas a adular ou
resmungar.
No entanto, apesar de todos os seus problemas, o Tractatus permanece como uma das obras mais desafiadoras e poderosas da filosofia ocidental – além de, essencialmente, uma das mais
misteriosas.
Referências:
CHAUI, Marilena. Filosofia: Novo Ensino Médio, Volume único. São Paulo: Ática, 2010, p. 143-147.
BUCKINGHAM, Will; BURNHAM, Douglas. O livro da Filosofia. São Paulo: Globo, 2011, p. 223, 246-251.